domingo, 6 de dezembro de 2009

Histórias com Vampiros - adoro!!!

Bom, vou começar a ler agora um romance de banca com vampiro, se eu gostar depois eu posto aqui.
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Qual o motivo desse post? Dizer que eu adoro histórias de vampiros! E mais: comecei a escrever um histórias também, apesar de ser meio diferente de todas as que eu já li. Mas... eu adoro histórias diferentes!
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Eu pensei: por que todos os vampiros tem que ser homens? Por que eu não posso fazer uma história com uma vampira mulher? E por que todos os vampiros tem que ser sensuais e viris? Eu não posso fazer uma vampira ingênua e inocente, que aos poucos descobrirá sua sensualidade? Sim, porque mesmo ela sendo inocente, na minha cabeça a sensualidade é inerente aos vampiros.
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Minha história atualmente ainda não tem nome, e eu só escrevi três capítulos. Tô sem pressa, escrevendo devagar. A história da Luiza (a última que eu escrevi) me cansou demais, porque não saia da minha cabeça. E agora, não quero que isso aconteça de novo.
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Três capítulos foram escritos, e eu vou postá-los aqui.
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Capítulo 1

Meus olhos estavam acostumados com a escuridão. O breu total do porão nunca me impedira de enxergar, embora não me agradasse de todo. Antigamente, eu temia o escuro, mas acabei me acostumando com ele. Seu silêncio. Sua negritude. Hoje eu inclusive dispensara a luz dos castiçais.
A minha vida toda se passara nesse porão. Pelo menos, a parte da qual eu me recordo. Não tenho noção de quanto tempo faz desde o dia que eu acordei ali pela primeira vez. Parece que foram anos. Muitos anos.
Não sei o que sou. Não sei porque me mantém presa. Só sei que as pessoas temem a mim, e que a minha aparência deve ser horrorosa, pela reação das mulheres que me trazem comida. Elas deixam meu alimento na porta, e simplesmente somem antes que eu as perceba. Uma vez eu vi uma delas. Quando nossos olhos se encontraram, os dela estavam repletos de pânico e ela fez o sinal de uma cruz em seu peito.
Nunca vi um espelho. Não tenho idéia da minha aparência. Nem saberia o significado de bonito e feio, se não fossem pelos livros que eu leio. Minhas mãos são pálidas. De uma brancura às vezes brilhante. Meus dedos são compridos. Comparando com as descrições dos livros, meu corpo é de uma mulher normal. Mas meu rosto, que eu nunca vi, deve ser tenebroso.
Meus cabelos são amarelos e compridos. Os cachos já alcançam minha cintura. Não tenho tesoura para cortá-los. Um dia, desesperada, eu os aparei com os dentes. Não ficaram feios, porque os cachos disfarçam as pontas puídas.
O porão é silencioso. Isolado de tudo e de todos. Sem janelas. Sem a menor visão do mundo. Apenas uma cama, uma mesa e uma cadeira me fazem companhia. E os livros.
O meu primeiro livro foi meu único companheiro durante muito tempo. 1 ano? 10 anos? 50 anos? Não faço idéia, mas foi um longo tempo. Foi me dado pelo padre Miguel. Em sua capa, eu descobri o meu nome. Ele dizia: “para Clarinha, do padre Miguel.” Era um romance. Orgulho e Preconceito, da Jane Austen.
Foi através dele que eu descobri que havia um mundo lá fora. Que havia ricos e pobres. Que existiam mulheres e homens. E o amor. Que as mulheres bonitas tinham mais chances de se casar. Que se uma mulher arranjasse um bom marido, ela poderia ter filhos e ser feliz para sempre. Descobri que havia o orgulho. E o preconceito. Que algumas pessoas simplesmente eram más.
Pelo visto, as mulheres feias não se casavam. E eu concluí que as horrorosas eram trancafiadas num porão escuro. Esquecidas do mundo.
Depois, vieram novos livros. Todos de romance. Conforme eu lia as histórias, eu me percebia diferente. Eu não me encaixava naquele mundo. Talvez por isso eu estivesse isolada.
Os personagens dos livros envelheciam com os anos, e depois morriam. Eu não. Eu logo constatei que as minhas mãos continuavam as mesmas de sempre. Brancas. Com a pele macia e sedosa (conceito que eu também descobri nos livros) e sem nenhuma ruga. Meus cabelos não ficavam brancos. Eu não envelhecia. Como eu podia não envelhecer? Como isso era possível? Minhas unhas cresciam, meus cabelos também, mas eu não envelhecia.
Nos livros, os alimentos dos personagens também eram diferentes dos meus. E eles tomavam banho. Banho! Eu fiquei extasiada quando li a descrição da água sobre a pele. Do cheiro de sabonete e de lavanda. Da fragrância de um perfume de rosas! Como seria? Os cheiros, a água.
Eu daria tudo por um banho, ou por uma daquelas belas roupas dos livros! Eu daria tudo para sair lá fora! Ver o mundo, e um dia, quem sabe, me apaixonar. Mas eu não podia. Se eu estava trancada num porão, eu devia ser uma aberração. Horrorosa. Quem seria capaz de me amar?
Tentei chorar. Outra descrição que eu vira nos livros. Mas eu era seca, desprovida de lágrimas. Mais uma idéia me encheu de pavor: e se eu também não tivesse sangue? Sangue: o líquido rubro descrito nos livros, isso eu sabia bem o que era. Seu cheiro. Seu gosto. Sangue me fazia salivar.
Procurei por algo cortante. Não havia nada ao redor. Então eu lembrei dos meus dentes. Afiados. Perfurei o meu braço. Sim, eu tinha sangue também. Fiquei olhando as gotas pingarem, e logo a ferida se fechou. O sangue sumiu. Olhando para o braço agora isento de cicatrizes eu me sentei na cama, intrigada. Não era assim que funcionava nos livros. Nos livros, algumas feridas custavam a se fechar.
Fechei meus olhos e tentei adormecer, mas por hábito do que por vontade. Eu nunca sentia sono, mas dormindo as horas passavam mais rápidas.

Gritos. Eu ouvi gritos. De supetão, eu sentei na cama de ferro com o colchão duro e os lençóis rotos, colocando meu livro para o lado. Eu era ágil como um gato. Um pequeno ruído era o suficiente para que eu despertasse e saltasse da cama.
Essa agitação não era comum por aqui. Só o silêncio. Meus olhos automaticamente se fixaram curiosos na porta grossa e pesada de ferro sem janelas.
- Você não pode entrar aqui! – escutei um gemido agudo de pavor. Uma voz feminina em pânico. Falava baixo, provavelmente para que eu não ouvisse. Mas minha audição era aguçada, era impossível que eu não entendesse cada palavra.
Uma voz suave e inalterada debateu:
- Eu posso sim. – um sacolejar de chaves. A chave girando na fechadura. Um barulho de papel se esticando. – Eu consegui a autorização.
- Por Deus pai todo poderoso! – a voz feminina se elevou em desespero – Você não pode entrar aqui!
- Por que não? – uma fresta se abriu. Fiquei parada, sentada na cama, esperando ansiosa. Eu nunca antes recebera uma visita!
- Ela é um demônio! Um ser do mal!
- Eu estou aqui para salvá-la. Esse é o meu papel. – a voz masculina argumentou, calma.
- Mas ela não pode ser salva!
- Todos podem ser salvos. – ele contrapôs, já entrando e fechado a porta. A mulher ficou no lado de fora e eu afinal pude ver o homem. Ele também me olhava.
- Mas ela não tem alma... – a mulher falou, mas o homem já estava de costas para ela, e de frente para mim. Dentro do meu porão.
O homem era idoso. Como nas descrições dos livros, ele tinha os cabelos grisalhos e um rosto repleto de rugas. Sobre os olhos, aros redondos de vidros que deveriam ser os óculos. Óculos! Eu nunca tinha visto um antes!
- Olá. – ele me sorriu com simpatia, após me analisar dos pés a cabeça. Não havia nada nas suas feições além do sorriso. Nenhum sinal do habitual horror. Ele então puxou uma cadeira e sentou-se no canto oposto ao meu. – Clara, não é?
Eu estava assombrada. Provavelmente com mais medo do que ele. Nunca na vida havia conversado com alguém! Pelo menos, não que eu me lembrasse. Se eu não falasse de vez em quando sozinha, nem saberia o som da minha voz. Aliás, eu não me lembrava de alguém ter me ensinado a falar. Nem a ler. Simplesmente quando eu acordei naquele longínquo dia aqui no porão, eu já sabia.
- Clara? – ele novamente perguntou. Meus olhos estavam arregalados. As íris dele eram azuis, como numa das gravuras dos meus livros. Da mesma cor do céu que eu só conhecia por fotografias.
Os olhos deles eram quase transparentes, de tão azuis. E lindos. Passei os dedos pálidos nos meus olhos. De que cor deveriam ser os meus? Algo assustador e diferente, certamente. Laranja ou vermelho. A cor do inferno. Ou a cor dos animais albinos.
- Seu nome é Clara, não é? – ele se mantinha calmo, mas eu captava um odor diferente no ar. Algo que ele exalava. Talvez fosse um pouco de medo. Então isso era uma espécie de perfume? Que aroma estranho tinha aquele homem.
Eu assenti, respondendo sua pergunta. Meu nome devia ser Clara, eu acho. Pelo menos era o nome que estava em todas as capas dos meus livros. Só Clara. Sem sobrenome.
- Eu trouxe para você. – ele me entregou um tecido, de uma cor incrível.
- O que é isso? – minha voz saiu pela primeira vez. Eu acariciei deslumbrada aquela suavidade roxa entre os meus dedos. Tão macio!
- É seda. É para você vestir.
- Oh! – só então eu percebi os trapos que eu vestia. Há meses as mesmas roupas. Só eram trocadas quando quase se desmanchavam. E ao contrário do que acontecia nos livros, elas não fediam. Nem eu. Eu era estranhamente inodora – Isso é um vestido?
- É sim. – ele ampliou o sorriso, provavelmente satisfeito por ver a minha euforia. Meu primeiro vestido!
Não resisti, tirei os trapos de roupas na frente do homem e coloquei minha linda roupa nova. Ele fechou os olhos para me dar privacidade. Eu estava tão encantada pelo vestido, que simplesmente me esqueci de sua presença.
Parei em pé, em frente à cama, e olhei para baixo. O tecido deslizava até quase cobrir os pés, que surgiam pálidos lá embaixo. Nunca vestira algo tão luminoso, e tão macio antes. Pena que eu não tinha um espelho.
- Você gostaria de ver sua imagem? – ele captou meu desejo.
Minha boca se abriu, na expectativa. Ansiosa. Meu reflexo, minha imagem! Como ela seria? Mas então, eu lembrei do horror na face daquela mulher.
- Não, obrigada. – eu sentei na cama, cabisbaixa. Eu era horrorosa. Melhor não me ver.
- Tudo bem. – ele não quis insistir.
- Obrigada pelo vestido, ele é lindo! – eu me deitei na cama, satisfeita. Olhei para o teto e sorri. Eu tinha um vestido como os dos livros!
- Você gostaria de mais alguma coisa?
- Qualquer coisa? – ansiosa, eu logo pulei na cama e novamente me sentei, observando-o.
- Se estiver ao meu alcance.
- Sabe, senhor...?
- Mariano. Sou o padre Mariano.
- Senhor padre Mariano...
- Pode me chamar de Mariano, Clarinha.
Clarinha... Era tão agradável ouvir o diminutivo vindo da boca de outra pessoa. Soava de uma maneira afetuosa. E afeto era algo que eu desconhecia.
Talvez eu tivesse arranjado um amigo. Meu primeiro amigo. Cruzei os braços sobre o meu peito, ressabiada. Era melhor não pedir nada, melhor não arriscar essa amizade. E se ele não gostasse e não viesse mais me visitar?
- O que você quer, Clarinha?
Clarinha. De novo. Senti vontade de chorar. Fitei o chão. A brancura dos meus pés balançava, inquieta.
- O senhor é um anjo? – eu balbuciei. Pelos livros, os anjos eram seres bondosos, capazes de amar até alguém horripilante e demoníaco como eu.
Ele achou graça das minhas palavras e gargalhou. O som da sua risada preencheu o porão. Era um som tão lindo! Algo indescritível. Nunca antes ouvira nada parecido, e aquilo encheu meu peito de felicidade. Eu sorri com ele. Mas não gargalhei. Mesmo se eu quisesse, eu não sabia como gargalhar.
- Não sou um anjo, Clara. Sou apenas um padre. Um homem a serviço de Deus.
- Deus sabe que eu existo? – perguntei, insegura. Deus era bom, eu sabia pelos livros. Ele sempre era lembrado nas partes boas e nos momentos felizes. E eu? E se eu fosse um ser do mal? Não seria melhor que ele não soubesse na minha existência?
- Sabe. E me mandou cuidar de você.
- Ah, é? – fiquei boquiaberta – Mas o senhor não tem medo de mim? Todo mundo parece que tem... – comentei em tom baixo.
- Não. Confesso que estava com medo antes de conhecê-la, Clarinha, mas você até agora não me apareceu nenhum pouco assustadora.
- Verdade? – eu sacudi meus cabelos loiros e mexi meus ombros. um pouco tensa – Eu não sou horrível?
- Horrível? Você? – ele pareceu não entender.
- Minha aparência. – eu expliquei.
- Oh! Você nunca se viu num espelho! – ele ficou chocado.
Eu neguei com a cabeça, sentindo-me envergonhada.
- E você gostaria? – ele perguntou após me analisar.
- Eu tenho medo.
- Clara... Do que você gostaria? Eu posso fazer algo por você.
- Não precisa, senhor. – eu mordisquei meus lábios e respondi num tom humilde - Mas se quiser mesmo fazer alguma coisa...
- Sim?
- Pode vir me visitar de vez enquanto.
Ele sorriu para mim e concordou com a cabeça.
- O que mais, Clara? Você ia me dizer algo que quer. Não tenha medo. Se estiver ao me alcance, eu prometo que farei.
- É? – mesmo insegura, eu decidi arriscar - Então eu quero um banho. E sabonete de rosas.
- Oh! – ele pareceu totalmente surpreso. Depois sorriu para mim. – Pode deixar. – olhou para o seu relógio impaciente. – Tenho que ir, eles não me deixaram ficar muito tempo aqui. Todo mundo me dizia que era perigoso.
- Por que eu sou horrorosa...
- Não, Clara. – ele sorria para mim. – Você não é horrorosa. – ele já estava na porta, saindo – Você é tão linda, que mais parece um anjo. E vai ficar ainda mais linda depois de um banho.
- Oh!
Eu fiquei sozinha. De novo. Como na minha vida toda. Então era isso? Eu não era um demônio, mas um anjo? Não fazia sentido!
Podia não fazer sentido, mas eu não me importava. Eu podia ser diferente, as pessoas podiam ter medo de mim, mas eu era linda! Como um anjo! Sorrindo, encantada, eu me joguei na cama e gargalhei pela primeira vez na vida. Descobrindo com surpresa o som da minha própria gargalhada.
Talvez um dia eu pudesse ser amada por alguém, afinal.
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Capítulo 2
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Vozes no corredor. Por trás da pesada e impenetrável porta de ferro, eu ouvia inicialmente sussurros. Em seguida, o tom foi se elevando até se transformar em gritos.
- Eu não vou entrar ai! Deus me livre guarde! – exclamou uma mulher alterada – Afonso! Diga a ele que eu não vou entrar!
- É a vontade de Deus, Zuleika. – um homem contrapôs, e eu reconheci sua voz.
Eu sorri. Era o padre Mariano! Ele estava de volta! Ele mantivera a promessa! Ele não tinha me abandonado!
A porta se abriu, e o idoso simpático entrou.
- Venha cá, Clarinha.
E eu fui. Ele segurava uma chave e ergueu umas argolas grossas de ferro que estavam firmemente cimentadas à parede escura de pedras.
- Terei que colocar isso em você, querida. Mas não tenha medo.
- Por quê? – eu perguntei, desconfiada, chegando bem perto dele com os braços juntos do corpo.
- Eles têm medo de você, Clarinha. – apontou para a porta, provavelmente desejando me mostrar quem estava atrás dela - E se você não estiver presa, eles não irão querer entrar aqui.
- E eles vêm fazer o que aqui? – minha voz soou bem infantil, como uma criancinha pedindo explicação para o pai.
Eu não sentia medo, na verdade, eu estava ansiosa. Era impossível não se entusiasmar diante daquela movimentação. Tudo era tão diferente! Eu aceitaria qualquer coisa para quebrar a monotonia dos meus dias.
Sinceramente, não me importaria nenhum pouco de ter que ficar amarrada à parede, só para sair do tédio.
O padre Mariano sorriu calidamente, quando eu estendi os braços a ele sem a menor objeção, mesmo antes dele responder a minha pergunta. Ele me prendeu a parede, cuidando para não me machucar.
- Não está doendo mesmo? – ele indagou, preocupado.
Eu fiz que não com a cabeça.
- Lembra que do que eu te prometi, Clarinha?
Eu arregalei meus olhos e minha boca de abriu, entusiasmada. Meu coração batia rápido! Seria possível?
- Um banho?
- Sim, querida. Isso mesmo.
Eu sentei no piso gelado de chão batido, com os joelhos dobrados, e fiquei olhando a movimentação. Dois homens carregavam um enorme recipiente de madeira, com água dentro. Três mulheres com chaleiras aquecidas os seguiam. E havia um cheiro estranho no ar. O cheiro de medo predominava.
Com a exceção do padre Mariano, ninguém me olhava. As mulheres fitavam os próprios pés ocultos por calçados pretos. Suas roupas também eram negras, e um capuz ocultava a cor dos seus cabelos. Suas peles eram pálidas como a minha. Provavelmente elas também não viam há muito tempo a cor do sol.
Um dos homens tinha a pele de um tom diferente: morena, quase igual à batina marrom que ele trajava. Achei aquilo fascinante, devia ser o que eles chamavam de negros nos livros. Ele era alto e forte, parecia corajoso, apesar de assim como as mulheres não me olhar.
O mais novo dos homens, tinha os olhos azuis lindos como os do padre Mariano. Ele era loiro, com os cabelos parecidos com os meus, só que seus fios não se enrolavam em cachos. E ele, contrariando todas as minhas expectativas, me olhou. Pareceu surpreso por um instante, arqueou as sobrancelhas de leve e me analisou de cima abaixo com um brilho esquisito no olhar. Ele não usava a batina marrom como a dos outros homens.
E esse homem ficou me olhando. O tempo todo que permaneceu no porão, ele não desviou seu rosto de mim. Ele era bonito. Quando ele esboçou um sorriso, eu não tive como não retribuir. Era bom fazer novas amizades. Mas ele não ousou se aproximar, com o padre Mariano do meu lado.
Enquanto todas as outras pessoas, com exceção do padre, exalavam um odor de medo, esse homem liberava uma essência que eu não consegui identificar. Era diferente. Atraente e quase sufocante. Como se ele quisesse algo de mim que eu não fazia idéia do que era.
Enfim, quase todos se foram, ficando somente o padre. Com o quarto agora livre do cheiro de medo, eu pude afinal sentir a fragrância agradável de rosas.
Padre Mariano livrou meus pulsos das algemas, e eu corri para aquele recipiente grande de madeira.
- Isso é uma tina, Clara. – o padre explicou, mediante a minha curiosidade. – Para você tomar banho. E aqui, estão suas roupas novas.
Meus dedos giravam em círculos na água morna, brincando com algumas pétalas de rosas brancas que boiavam. Era quase impossível que eu quisesse me mover, a água era tão deliciosa, mas não resisti a curiosidade. Roupas! Um monte de peças femininas e coloridas!
- O que é isso? – eu perguntei.
- Batom. Cor rosa claro.
- E isso?
- Perfume. Escolhi um bem suave, já que você não está acostumada.
- E isso?
- É uma sombra, para você passar acima do olho, bem assim. – ele me mostrou como usá-la.
- Verde?
- Para combinar com seus olhos.
- Meus olhos são verdes?
Ele deu um sorrisinho, achando graça.
- São, Clarinha. Depois do teu banho, eu vou trazer um espelho.
- E isso? – comecei a perguntar sobre cada peça de roupa. Percebi que ele corou um pouco, talvez de vergonha afinal ele é um padre, quando me falou sobre as calcinhas e sutians.
Era tudo tão bonito! Tão colorido e macio! Comecei a cantarolar, imitando os sons dos pássaros, a única melodia que eu conhecia até então.
- A água vai esfriar. – ele comentou.
- Ah! É mesmo!
E eu, seu o menor pudor, me despi em frente a ele. Percebi que o padre Mariano se virou de costas, naquele momento.
- É errado ficar sem roupas na frente dos outros? – eu perguntei, ao me sentar na tina de água. Abaixei a cabeça e alegremente molhei meus cabelos. Ele me entregou um frasco que disse conter o shampoo, um líquido cremoso e perfumado que servia para lavar os cabelos.
- Sim, Clara – ele explicou após me entregar o sabonete de rosas. – Você não deve ficar nua na frente de outras pessoas. A nudez só é permitia entre as pessoas de sexos diferentes quando casadas. Um homem também não pode ficar nu na sua frente.
- O corpo do homem é muito diferente do de uma mulher?
O rosto do padre ficou vermelho como um pimentão, talvez ele não fosse a pessoa adequada para me responder, afinal.
- Sim, Clara. É muito diferente. Os homens não têm seios e suas formas não são tão arredondas como as das mulheres. – ele parou para pensar, enquanto eu me lavava. Ele se mantinha na parede, não enxergando a minha nudez - Mas a maior diferença está entre as pernas, no sexo. Os homens, para você imaginar, tem o sexo diferente da mulher, ele podem fazer sua necessidades em pé.
- Que necessidades?
- Urinar, Clara. – ele respondeu, todo sem jeito.
- Urinar? – passei novamente shampoo nos meus cabelos, era tão bom! - E por que eu não urino?
- Você é diferente.
- Por quê?
- Eu não estou autorizado a falar sobre isso, querida. E é bom que você não saiba, acredite em mim.
- Eu sou diferente. – eu concluí, e brinquei, sacudindo meus pés na água - É por isso que as pessoas têm medo de mim?
- Sim. É inerente ao ser humano temer aquilo que não conhece.
- Existem outros como eu?
Ele deu um suspiro contrariado, provavelmente não gostava de falar sobre isso.
- Eu não conheço. Mas não duvido que ainda existam.
- Ainda? Antigamente existiam mais?
- Sim, mas a Igreja cuidou deles. No século passado.
Eu olhei para ele, tentando achar um sentido no que ele me falava. Então eu logo deduzi.
- Oh! Todos os outros morreram! Mas por que eu não?
- Querida, isso aconteceu antes de eu nascer. – ele deu de ombros, como se quisesse dizer: “não sei.” Mas eu era boa em ler expressões, e a sua dizia que ele me escondia informações.
- Tudo bem. – eu disse e sorri. Não queria correr o risco de perder meu único amigo. Nem gostaria de chateá-lo – Posso tomar banho todos os dias? Ou uma vez por semana? É tão bom!
- Vou ver. Aqui embaixo não tem instalação hidráulica, nem elétrica. Mas vou tentar dar um jeito. Você provavelmente gostaria de ter uma televisão e um rádio. Acredito que você adoraria escutar músicas.
- Oh, sim! – eu fiquei tão eufórica! – Eu adoraria! Televisão?! Eu não faço idéia de como seja!
- Pode ter certeza que você iria gostar. – ele olhou para o relógio – Eu tenho que ir, em vinte minutos tenho um compromisso. Vou buscar um espelho para você. Você poderia sair agora, e me esperar vestida?
- Claro que sim! – eu ainda sorria. Uma televisão! Eu teria uma televisão! Como seria mesmo uma televisão?! Eu só a conhecia sua descrição através dos livros!
Deixei as gotas de água escorrerem livremente, deslizando pelas minhas pernas para acabarem umedecendo o chão.
- Clara? – ouvi um sussurro vindo da porta, que se abriu de leve. Os olhos azuis do loiro mais jovem me espiavam. Eu estava nua, distraída, passando meus dedos suavemente pelos tecidos, escolhendo o que vestir sem pressa. Eu me veria no espelho pela primeira vez. Tinha que usar algo bonito. O tecido verde, de um vestido longo, foi o que me cativou.
- Sim? – eu me virei na direção do chamado. Daí lembrei das palavras do padre: “um homem só pode ver uma mulher nua após o casamento.” Mas já era tarde, o homem loiro me vira. Mesmo assim, eu me enrolei na toalha para ocultar meu corpo e segui em direção à porta.
- Você não precisa disso. – ele apontou para a toalha – Podia ter vindo aqui como estava. – seu tom de voz era baixo, quase inaudível. Como se não quisesse que ninguém o ouvisse. Como se fizesse algo proibido.
- O que você quer? – eu perguntei com suavidade, não desejava afugentar o meu segundo amigo.
- Vim ver você, antes que o padre volte.
- Você é padre também?
- Não. Eu sou auxiliar de serviços gerais. Meu nome é Mathias.
- Meu nome é Clara.
- É um prazer, Clara. – ele sorriu para mim de um jeito estranho, não do jeito que o padre Mariano sorria. Tinha algo meio assustador naquele sorriso, como se ele desejasse algo de mim. – Posso voltar para vê-la? Quando você estiver sozinha?
- Você tem a chave?
- Não, mas posso consegui-la.
- Ah. Então eu acho que pode me visitar.
- Agora eu tenho que ir. Mas não conte ao padre que eu estive aqui, está bem? Eles, os superiores, não querem que ninguém lhe faça visitas. Se o padre Mariano souber, tentará me proibir de vir. Você promete que não contará a ele?
- Eu... – parecia errado fazer isso escondido de um amigo tão querido como o padre, mas por outro lado, seria tão bom receber mais visitas. E o Mathias parecia ser um homem legal. – Eu prometo.
Ele sorriu para mim, e eu sorri de volta. Então ele balbuciou algumas palavras de despedida e se foi.
Vesti-me correndo, para que o padre não desconfiasse de nada. Dois minutos após eu enfiar o vestido de qualquer jeito, e de pentear meus cabelos, o padre apareceu. Trazia nos braços um móvel antigo de madeira, com um espelho.
- Isso é uma penteadeira. – ele explicou. – Pertenceu a uma freira, que morreu em 1911. O que acha? Ela agora é sua. E logo você terá também um roupeiro, para guardar suas roupas.
- E a televisão? – eu me mantinha junto à parede, sem coragem para me aproximar e ver o meu reflexo. E se eu fosse mesmo horrorosa?
- Isso eu não posso prometer. Mas vou me esforçar para conseguir. E então? Não quer se ver?
- Eu... Não sei... – eu murmurei.
- - Venha, Clara. – ele estendeu sua mão, e eu a agarrei. Ele me puxou e me fez sentar na frente do espelho. Meus olhos estavam fechados, e eu temia abri-los.
- Não tenha medo, querida. – sua voz era encorajadora.
Eu respirei fundo, e entreabri os olhos. Pisquei, tentando entender o que eu via. Girei-me para ver meu perfil melhor. Depois empinei meu queixo. Cheguei mais perto, para ver meus olhos. Isso não fazia o menor sentido.
- Eu... – estava tão chocada, que mal conseguia falar. – Eu não pareço um monstro...
Os traços do meu rosto eram delicados. Meu nariz era pequeno e afinado. Meus lábios eram avermelhados e levemente carnudos. Meus olhos eram expressivos, com a íris de um intenso verde.
- Não. – ele confirmou e sorriu de leve para mim.
- Eu... – me analisei mais uma vez, tentando assimilar aquele rosto. – Eu sou bonita? – questionei insegura.
Minha pele era pálida, mas não um pálido feio. Era uma brancura atraente, eu acho. Belisquei as bochechas, e elas ficaram parcialmente rubras. Interessante. Porém, assim que eu tirei os dedos, a brancura voltou.
- Não, Clara. Você é linda! Parece um anjo.
Pisquei para o meu reflexo. Minhas pestanas eram longas. Eu diria que eram até sedutoras. Quem sabe, alguém poderia se interessar por mim, afinal. Um homem poderia me amar? Por que mesmo que eu fosse diferente, minha imagem não parecia tão diferente das outras mulheres.
Sorri para o meu reflexo. Meus dentes eram alvos, com um formato mais triangular, se encaixando bem ao meu rosto. E a minha imagem sorridente era agradável de olhar. Quando eu sorria, meus olhos se tornavam menores, mas o verde ficava mais evidente.
Talvez... Eu engoli em seco, pensando. Passei a língua nos dentes, minha língua era vermelha e pontuda. Talvez eu fosse bonita como a Jane de Orgulho e Preconceito, o meu livro preferido. E talvez se um dia eu escapasse desse porão, eu também teria inúmeros pretendentes, como ela.
- Foi por isso que não me mataram e me mantiveram presa aqui? – o padre estava parado às minhas costas, observando a minha expressão. Parecia tão emocionado quanto eu com as minhas descobertas. - Por que eu pareço um anjo?
- Provavelmente, querida. – ele sorriu com simpatia - Olha, agora eu tenho que ir.
- Tá bom. – eu respondi sem olhar para ele. Já abria o estojo de maquiagem, brincando de enfeitar meu rosto recém descoberto com aquela imensidão de cores.
- Até amanhã, querida.
- Até. – e como antes, eu não desviei meu rosto do espelho. Será que aquela cor de sombra verde combinaria com meus olhos? E como seria a forma mais adequada de se aplicar uma maquiagem?
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Capítulo 3
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Como nos outros dias, eu ficava algemada, junto à parede, observando a movimentação das pessoas que transitavam no meu porão. O sistema elétrico já estava instalado há algumas horas. Havia luz acima da minha cama, não que eu precisasse dela, porque a minha visão era excelente. Com ou sem iluminação, eu enxergava da mesma maneira. Mas como eu não queria ser uma estraga prazeres, eu não contei isso ao padre.
Naquela tarde, eles estavam instalando algo que o padre disse se chamar um chuveiro. E depois, eles vieram com uma louça grande branca, que ele disse ser uma banheira. Mas os operários não podiam saber que eu existia, então eu ficava oculta atrás de um biombo, enquanto o padre ficava o tempo todo presente, supervisionando os afazeres, e impedindo que qualquer um ousasse se aproximar de mim.
Se eu quisesse, podia permanecer horas sem respirar, para não me denunciar. Desde que eu não tivesse que falar, porque daí haveria a necessidade de repor o ar.
E eu estava tão distraída com um livro novo, que não sentia a necessidade de espiar. Era um livro sobre medicina. Após eu ter lido “O século do cirurgião”, comentei com o padre o meu interesse e ele me presenteou com várias obras sobre medicina. Esse falava sobre técnicas cirúrgicas. Era um livro voltado para profissionais da saúde, e não para leigos. Mas após as minhas inúmeras leituras, eu já entendia do assunto.
Levou vários meses para que o padre conseguisse autorização para as obras do meu quarto-porão. Eu sei que foram meses, porque agora eu tinha um calendário e podia contar os dias. E também tinha um relógio, podendo prever quando era dia ou quando era noite. Porque no porão não havia janelas, e eu não via o mundo de fora. Não conseguia diferenciar a escuridão da noite da clareza do sol. E eu daria tudo para poder ver qualquer coisa que não fosse aquelas paredes.
- Clara! – o padre me chamou, todo emocionado. – Você pode sair – ele soltou minhas algemas – Todos já foram.
Eu ergui minha cabeça e o encarei de maneira interrogativa. Será que ele me daria mais algum presente? Sorri. Pelo seu entusiasmo, parecia ser algo bom.
- A televisão já está funcionando. Por enquanto só pega a rede globo.
Ele ligou aquela caixa negra e dentro dela apareceram... pessoas!?
- Isso é uma novela, Clarinha. – ele explicou, mediante o meu assombro.
- Como essas pessoas foram parar ai dentro? E como elas saem? – eu sentei na minha cama, e fiquei observando fixamente cada movimento da tela.
Temi por aquelas pessoas. Elas presas naquela caixa, pareciam comigo presa no meu porão.
- Clara. – ele riu – Elas não estão aí dentro. Isso é uma filmagem. Tem uma câmera, e eles são atores. Isso é uma novela. Eles gravam as cenas, fingindo que são outras pessoas.
- Fingindo que são outras pessoas? Então eles são mentirosos?
- Não, meu amor. – ele ainda ria - Eles são atores, mas na televisão eles viram personagens. Eles contam histórias, como as dos livros. Mas nada disso é real. Cada um tem a sua vida fora da televisão. Ai eles só estão interpretando. Depois, quando encerram a gravação, cada um volta para a sua casa. Para a sua vida. Ser ator é uma profissão, como ser médico.
- Isso é uma história? E que história é essa?
- Essa é uma novela chamada malhação. Depois, tem a novela das 18h. Mais tarde a das 19h, e depois a das 20h. Também temos o noticiários. E hoje, como é segunda-feira, tem filme depois da novela das 20h.
Eu balancei a cabeça, fingindo ter compreendido. Na verdade, eu não prestei atenção a nenhuma palavra que o padre dissera. O céu da televisão era tão lindo e azul! E as cores das roupas das meninas, eram maravilhosas! E elas comiam sorvetes!
- Aonde eles estão? – eu perguntei.
- Numa escola.
Depois disso, o padre pediu licença para se retirar. Já era tarde. E eu fiquei ali, parada e boquiaberta, vendo Malhação. Até que ele apareceu. Não sei explicar bem o que aconteceu, mas aconteceu instantaneamente. Tão logo eu coloquei meus olhos nele, eu soube.
- Ele é como eu!
Não sei explicar como eu soube. Talvez fosse pela palidez de sua pele. Ou pelo modo como ele franziu o nariz de forma quase imperceptível numa cena, provavelmente sentindo um odor que não era evidente aos outros. Mas eu logo soube que ele era como eu. E que eu estava destinada a ser dele.
Talvez fosse apenas impressão minha, mas eu precisava desesperadamente conhecê-lo. Eu não sabia como, nem porquê, apenas sabia que eu precisava dele perto de mim. Como se ele fosse um pedaço de mim. Como se estivéssemos de alguma maneira ligados.
Fiquei imóvel, sem respirar, estática como uma estátua de pedra, analisando cada detalhe de suas feições. Seu rosto perfeito em sua brancura, tão pálido como eu. Um rosto lindo, quase um rosto angelical. Mas se observasse com atenção, o olhar dele não era nada angelical. Ele tinha um quê demoníaco. Algo estranho. Que ao mesmo tempo me inspirava medo, mas me atraía. E eu não conseguia deixar de olhá-lo. Quando ele saiu de cena, eu fiquei todo o tempo esperando por ele.
Na última parte da novela, ele estava com uma menina, que parecia fazer o papel de sua namorada. Senti tanta raiva, que desejei matá-la com as minhas próprias unhas. E quando eu sinto raiva, algo horrível acontece comigo, algo que o padre já me explicou que eu devo tentar controlar. Que é ruim. Que é isso que faz com que as pessoas tenham medo de mim. E um dos mandamentos da igreja, que eu devo seguir para Deus me amar, é: “não matarás.”
Tentei me controlar, quando ele sorriu para ela. Para não sentir raiva, logo imaginei que ele sorria para mim. Então, seus lábios tocaram os dela. E eu suspirei... Isso era um beijo!
Eu já conhecia sua descrição pelos livros, mas nunca tinha visto um. E ele beijava outra pessoa, mas eu imaginei seus lábios sobre os meus. Um beijo dele... Eu precisava tanto de um beijo dele... Eu precisava dele! Não sabia como, nem porquê. Mas eu estava ligada a ele.
Quando a novela acabou, eu fiquei com uma sensação de um intenso vazio.
Resolvi assistir toda programação, até de madrugada. Esse sentimento por ele podia ser apenas um entusiasmo bobo. Por ele ser o homem mais bonito que eu já vira.
Mas não foi isso o que aconteceu. Quando eu afinal adormeci, tive certeza. Outros homens bonitos apareceram, alguns ainda mais bonitos do que ele, mas só ele me fez sentir assim.
E eu soube... Eu tinha que encontrá-lo. Mas não fazia idéia de quando, nem como, nem porquê. Só sabia que eu precisava dele e que ele devia estar esperando por mim.
*
Os dias agora eram mais alegres. Eu nem lia mais. Não que eu não gostasse mais de ler, só que a televisão agora era a grande novidade do momento. E eu descobri algumas coisas que me deixaram intrigada...
As mulheres quase não usam vestidos como nos meus livros: elas vestem calças como os homens. E elas trabalham agora tanto ou mais do que os homens. Algumas não sonham em se casar, como nos livros. Preferem ser independentes. Mas isso não foi o que mais me intrigou...
O que mais me intrigou vai contra o que o padre me disse. As pessoas não esperam mais se casarem para... Deixa eu ver como explicar isso, eu tenho um pouco de vergonha para falar sobre esse assunto... Talvez eu seja ingênua demais... Sei lá... Mas assim... Os homens e as mulheres que não são casados se vêem nus bem antes do casamento sem problemas. As mulheres perdem a virgindade cedo e o pior: muitos são infiéis! E tanto os homens como as mulheres podem ter inúmeros amantes antes de escolher um relacionamento fixo. Relacionamento, não casamento.
Aliás, a maioria dos namoros terminam em pouco tempo. E eu me pergunto: o que será que aconteceu com o romance que eu vejo nos livros? Será que ele afinal nunca existiu ou a modernidade o matou?
Não sei... Eu posso ser romântica demais, pensem o que quiserem de mim. Mas o fato é que eu nunca me entregaria a um homem sem amor, como eu já vi as personagem fazendo. As meninas da televisão querem perder a virgindade a todo custo, com ou sem amor. Eu, ao contrário de muita gente, tenho orgulho da minha virgindade. E eu estou me guardando para o Vitor. Sei que nunca poderei ser de outra pessoa a não ser dele.
O Vitor... Ah! – eu suspirei!
Descobri que o nome daquele ator é Vitor e que ele tem 19 anos. Até parece! Os olhos dele transmitem uma maturidade de um homem sábio e muito mais velho. A mesma coisa que eu vejo no olhar do Padre Mariano, e ele é um homem idoso. Acredito que o Vitor seja como eu: ele não envelhece. Preciso encontrá-lo um dia, ele com certeza me explicará o que eu sou. E eu poderei beijá-lo e confessar o meu amor a ele! E a gente será feliz para sempre!
Só preciso sair daqui e encontrá-lo... Sair daqui... Mas como? Talvez isso nunca aconteça...
Tudo tem melhorado agora. Eu tenho roupas, tenho maquiagem. Aprendi a me ajeitar e a ficar mais bonita. Adoro passar horas em frente ao espelho. Não que eu seja vaidosa demais, mas foram anos ignorando a minha própria imagem... Tenho que compensar o tempo perdido.
Agora também posso tomar longos banhos. E o padre sempre que pode me visita. Mas nunca não hora da novela malhação. Ele sabe que eu não deixaria de ver o Vitor por nada, nem mesmo por ele.
*
Eu estava vendo Globo Repórter. Era sexta-feira, tarde da noite. Agora eu podia contar os dias da semana, por causa da programação da televisão. Não perdia nada, nem mesmo as propagandas. Sonhava com os produtos que sabia que nunca poderia consumir, quando escutei um barulho.
Era um som provavelmente imperceptível aos outros. Um deslizar suave de botas pela escadaria. Passos vagarosos, como se temessem ser descobertos. Girei-me na cama, já ansiosa, e visualizei a porta pesada. Alguém estava vindo me visitar! Mas quem seria? Todos ainda me evitavam e o padre estava viajando no fim de semana.
Uma sacudida de chaves e então um ranger de ferro contra argamassa. Alguém abria a porta!
- Clara? – o Mathias sussurrou.
- Oi! – eu sorri para ele. Ele veio me visitar! Ele cumpriu a promessa, mesmo tanto tempo depois! E ele ainda me trazia um pacote de presentes!
- Desculpa não vir antes. – ele fechou a porta e então se aproximou, elevando o tom de voz. – Mas você sabe, ninguém poderia me ver.
- E hoje estão todos viajando – eu concluí, entusiasmada – Por causa do retiro espiritual!
- É. – ele sorriu para mim, apertando seus olhos azuis. Os olhos dele eram bonitos, mas eram muito menos atraente do que o olhar negro do Vitor. Sem comparação – Olha, te trouxe um presente.
Eu abri o pacote numa velocidade assombrosa.
- Calças jeans! Uau! Como os personagens da televisão!
Minha primeira calça jeans! Não resisti e a vesti na frente dele. Ingenuamente, tirei o vestido que eu usava por cima da cabeça, coloquei as calças e fiquei desfilando semi-nua pelo quarto em busca de uma camisa que combinasse na minha pilha de roupas novas.
Peguei uma camisa branca, e antes de trajá-la, observei-me no espelho.
- Mathias, você acha que meus seios são pequenos?
Eu estava sem sutian, e percebi que ele não tirava os olhos de mim. Aquele seu jeito estranho de me olhar. Um brilho perigoso. Mas eu não sentia medo de nenhuma pessoa. As pessoas é que temiam a mim. Não sei porque, mas eu me sentia superior a elas.
- Acho que eles são lindos. Pequenos e empinados – ele levantou e parou nas minhas costas. Eu me virei de frente, para permitir um exame mais minucioso. Tinha que conhecer o pensamento masculino, para ver se o Vitor quando me visse me aprovaria.
- Mas são pequenos. – eu franzi os lábios. – Você mesmo disse...
- São lindos, Clara. – ele repetiu, falando numa voz meio baixa e rouca. Se aproximando de mim. Aquilo me deixou incomodada, e eu decidi colocar logo a camisa. – Você é toda linda. – o hálito dele atingiu o meu pescoço, e eu senti um pouco de nojo.
Suas mãos agarraram as minhas, impedindo que eu ajeitasse o tecido branco, deixando o meu umbigo descoberto. Ele me segurou pela cintura, fazendo com que o meu corpo colasse no dele. Eu estendi os braços, empurrando-o para longe.
- Não, Mathias!
- Clara... Você é o demônio que tem perturbado meu sono. – ele tentou se aproximar de novo. Eu recuei, até ficar encurralada contra a parede. – Você pode ser minha, Clara. E eu posso te tirar daqui.
- Pode mesmo? Me tirar daqui?
Tudo que eu queria era sair dali e conhecer o mundo.
- Sim, eu posso.
Ele colocou seu corpo contra o meu, e agora a sua boca roçou a minha.
- Me deixe te fazer minha, Clara. Eu te quero tanto!
Ele projetou a língua para fora da boca e com ela circundou os meus lábios. Não senti nojo dessa vez. Senti um calor e uma sensação gostosa, mas eu não podia beijá-lo. Ele não era o Vitor!
- Não. – eu virei meu rosto.
- Clara... – ele forçou sua cabeça contra a minha. Seus lábios contra os meus. Sua língua tentando invadir de qualquer jeito a minha boca. Comecei a ficar cansada e irritada. Mas ele não desistiu. Minha irritação foi aumentando, até chegar ao limite. E foi então que aconteceu.
Eu não sabia que eu era capaz disso, por isso eu me assustei tanto quanto ele. Não fazia idéia de que eu era tão forte. E um rugido estranho, como o de um leão selvagem, saiu alto de dentro dos meus pulmões. Com um movimento rápido, eu me livrei de Mathias. Sem a menor dificuldade. Ele voou, e se espatifou contra a parede que havia do outro lado do quarto. Eu juro que não fazia idéia que eu era tão forte!
Corri para socorrê-lo. Em pânico.
Por favor, faça com que ele não tenha morrido! O corpo dele estava inerte, num sono quase inconsciente. A cabeça se chocara contra as pedras escuras. Um filete de sangue escorria pelo pescoço, vindo de trás da cabeça. Cheiro de sangue...
Eu iria socorrê-lo, quando parei assombrada diante do meu reflexo. Meu rosto quase irreconhecível. A irritação trouxe com elas um par de caninos afiados e olhos avermelhados. Um monstro! Eu era mesmo um monstro! Chocada, passei os dedos sobre as pontas dos dentes que agora começavam a desaparecer. Um gemido agudo me tirou do meu torpor.
- Você está vivo! – eu corri para ajudá-lo, ele tentava se ajeitar melhor, sentando. – Desculpa!
A culpa agora me assolava. Tal como a certeza que eu era um monstro. Aquele meu reflexo horrendo estava nítido na minha memória.
Tentei fazê-lo sentar, mas aquele cheiro de sangue atordoava meus sentidos. Lutei contra ele com todas as minhas forças. O Mathias gemeu de dor. O sangue continuava escorrendo. Tirei a camisa dele e comecei a comprimir a ferida, para estancá-lo. Um pouco de sangue grudou nos meus dedos. Não resisti e levei-os os lábios. Tão bom.
O Mathias,abriu os olhos e mesmo quase delirante de dor, propôs:”
- Quer provar?
- Provar?
- Sim, meu amor. Eu não me importo se a tua mordida me matar.
- Matar!? Não! Eu não quero te matar!
- Eu não me importo. – ele estendeu seu pescoço. Sua pele branca ficou evidente, marcada por filetes avermelhados. Irresistível. Passei a língua pelos lábios, olhando fixamente para aquela tentação. – Pode ir, Clarinha.
- Só vou provar. – eu não mais resisti. Os caninos estavam pontudos de novo. Cravei meus dentes naquele pescoço e o provei.
Nossa! Era um prazer incomparável! Um sabor inigualável. Nenhum dos animais que me já alimentaram tinha um sabor semelhante.
O Mathias gemeu, me trazendo de volta a realidade. Talvez se ele não tivesse gemido, eu não conseguisse parar.
- O que foi? – meu tom agora era de preocupação. – Está doendo? – passei os dedos pelas minhas marcas, que já desapareciam.
- Não. – ele me deu um sorriso meio débil, como se estivesse bêbado. – Isso é bom demais, Clara.
- É bom? – eu estranhei.
- Sim. A dor pelos machucados passou completamente, isso é bem melhor do que morfina. – ele então gargalhou. – Me sinto tão bem! Tão feliz! Tão extasiado!
Que estranho, eu pensei.
- Mathias... – eu me ajoelhei em sua frente, e beijei seus lábios de leve. Agora ele me parecia inofensivo e um bom amigo. Beijei-o como forma de agradecer. – Eu sou um monstro, não sou?
- Não, meu anjo. Um monstro não. Você é linda, mas é...
- Eu sou?
- Um vampiro.
- Vampiro?! – eu olhei para o rosto dele, para me certificar que ele não estava brincando. – Não! – eu me enchi de pavor. – Vampiros não existem! – eu argumentei.
- Clarinha, isso é o que você é. – ele respirou fundo, provavelmente por causa da dor que voltava - Mas isso não quer dizer que você é mal. Você não é ruim.
- Não sou?
- Não.
- Mas olha o que eu fiz com você, você está machucado... – eu balbuciei.
- Não se culpe, Clara. Eu procurei por isso. A culpa foi minha também.
- Mas...
Ele estendeu a mão e tocou na minha bochecha, fazendo um carinho gentil. Ele passou o dedo indicador nos meus lábios, num sinal para que eu me calasse.
- Você não percebe, Clara? Essa é a tua chance.
- Chance?
Ele ergueu a cabeça e apontou para a porta.
- Não há quase ninguém aqui, quase todos estão no retiro.
- Oh! – eu entendi. Era a minha chance de escapar dali! De fugir! – Não. Eu não posso te deixar... Você está ferido!
- Clara... Eu estou bem. Não se preocupe comigo.
- Verdade? – eu perguntei, já me levantando. Aquela porta destrancada era tentadora demais. Eu poderia afinal conhecer o Vitor! – Em que estado nós estamos? Em que parte do Brasil?
Eu tinha que ir para o Rio de Janeiro, para encontrar o Vitor. Mas antes tinha que conhecer a minha localização.
- No Sul do Brasil.
- Sul... – eu repeti. Estava parada em pé, intercalando meus olhares entre o Mathias ainda escorado à parede e a porta. Indecisa.
- Vai, Clara! Pode ser a tua única chance!
- É. – eu concordei com um aceno de cabeça. Calcei um par de sapatos com pressa, coloquei meu livro preferido no bolso, que durante anos foi o meu único companheiro, e então parti.

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