segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Minha história nova - O Mundo de Jack-e

Vou postar aqui meus dois primeiros capítulos. Se alguém ler e gostar, me deixe um comentário, por favor. Eu ando totalmente desistimulada para escrever. Começo várias histórias e paro.

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O título provisório eu acabei de inventar (risos!) Juro, inventei agora mesmo, na hora de postar aqui.
X

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Capítulo 1

Aqui estou eu, de joelhos, esfregando o chão depois de arrancar o carpete mofado. Não tenho dinheiro para comprar um novo piso no momento. Dispenso o carpete velho, porque junta mofo e acaro e eu tenho alergia, e sempre sonhei com aqueles pisos flutuantes do tipo Durafloor. Só que cá entre nós, eu estou no meu apartamento! Meu, todinho meu, só meu! Ele já está quitado, então quem liga para o piso?
A companhia de mudanças deverá trazer meus móveis amanhã a tarde, então hoje eu estou aproveitando para dar os últimos retoques. A parede da sala antes cinza de tão encardida, já foi devidamente lavada e limpa por mim e agora eu sinto um cheiro delicioso de tinta azul bebê na parede. Sim, eu realmente acho cheiro de tinta uma delícia. Ainda mais porque é a tinta da parede da MINHA sala. Nunca tive uma sala só minha.
O apartamento é bem pequeno: sala e cozinha numa peça só e quarto e banheiro. A cozinha é minúscula. Mal cabe um fogão, uma geladeira e um armário. A mesa ficará na sala, quase em cima do sofá. Pelo menos eu imagino que ficará assim, porque todos os meus móveis tiveram que ser devidamente medidos antes de selecionados. Não pude trazer todos os móveis da minha mãe. Mãe...
Largo o pano dentro do balde. Suspiro. Que saudades... Mas sei que foi melhor assim...
Preciso me animar. Amanhã chegará a mudança. Começo num trabalho novo. E depois, tem o meu pai. Pai... Novo suspiro. Que medo.
Pego meu celular e o abro. Nenhuma chamada. Quase ninguém tem esse número, até porque eu me afastei de todo mundo há 2 anos. Não foi culpa minha, eu realmente não tinha o que fazer. Meus únicos contatos sociais eram a minha mãe, as enfermeiras e médicos e o Leo.
Bom, eu podia ligar para o Leo. Mas não é justo fazer isso com ele. Ligar só porque eu me sinto sozinha não seria legal.
Continuo a esfregar o chão. Se ao menos eu tivesse trazido um radio, não estaria tão silencioso.
Meia hora depois, o piso está limpo e seco e eu começo a pintá-lo. Sim, com tinta mesmo. É mais barato e eu colocarei um tapete em cima para disfarçar. A tinta que eu escolhi é cinza escuro, como a cor de chão.
Prendo meus cabelos mais uma vez no alto da cabeça, quando eles ameaçam a se soltar. Só que é tarde. Vejo mais um fio marrom encaracolado com a ponta suja. Devo estar parecendo um gatinho malhado.
Com o chão pintado – foi rápido, o apartamento é mesmo pequeno – eu levanto e mentalizo a disposição dos móveis. O quadro da minha mãe acima do sofá marrom. A colcha rosa estendida e bem alinhada sobre a cama. Suspiro. Com passos vagarosos, meus joelhos estão definitivamente esgotados, eu me arrasto até o banheiro.
Franzo o rosto numa careta. Esses azulejos devem ser do século passado, que coisa mais démodé! Mesmo com tudo cheiroso e limpinho, tenho que admitir: meu banheiro é horroroso! Mesmo assim, me esforço para ignorar a mistura do azul e rosa dos azulejos com o verde do vaso sanitário. Pelo menos o chuveiro não é amarelo.
Abro o registro. Meu primeiro banho, no meu banheiro!
Bom... Não sei se posso chamar de banho. Um jato de água saiu para cada lado e eu fiquei parada do meio, com meu rosto quase seco. Foi difícil tirar o shampoo, tive que fazer uma ginástica aeróbica para catar os jatos de água.
Tá bom... Mais um gasto. Anoto no meu bloquinho que já tem uns dez itens: consertar o chuveiro.
Pego um muda de roupas na minha mochila. Olho para o vestidinho branco amarrotado e faço uma careta. Mas não posso escolher outra peça, pois a mudança só chegará amanhã. Assim como o ferro de passar roupas.
Minha barriga ronca, mas eu só tenho uma meia garrafa de água mineral. Quente. E um resto de sanduíche de mortadela. Não tenho forças para me movimentar e ir até o mercadinho da esquina. Como o que tenho, e acabo adormecendo no colchonete emprestado. É daqueles fininhos azuis de ginástica, mas foi o que eu consegui trazer no ônibus antes da mudança.
Desperto com um som insistente. Primeiro a música vai invadindo os meus pensamentos ainda inconscientes. A minha memória alerta que o som é conhecido. Penso imediatamente em Jack Sparrow. Meu pirata preferido.
Enquanto sonho com um beijo de Jack Sparrow, o som continua. E eu acordo. Meu celular! O toque do meu celular é uma da trilha do filme piratas do caribe. Sabe, sou meio viciada. Meio fissurada no Jack Sparow. Talvez pelo meu nome ser Jaque também.
Meus braços tateiam ao redor do colchão. Não preciso de mexer muito, pois meu telefone está logo ali. Eu sempre durmo com ele do lado, porque ele é também o meu despertador. O meu despertador que está programado para me acordar em UMA hora. Puxa, é muito cedo!
- Jaque?
- Hmmm...? – eu bocejo. Meu cérebro sempre acorda depois do meu corpo.
- Desculpa, querida. Eu te acordei? É que o caminhão de mudanças acabou de me ligar... – ele fala numa vozinha constrangida, sabe o quanto eu devo estar exausta. – Eles querem saber se podem ir mais cedo.
- Ah... – eu pisco, tentando acordar – Podem sim, já está tudo pronto.
- Tá. Vou ligar para eles.
Ele sabe que eu provavelmente estou com pouco crédito para ligar. Sim, meu celular é de cartão. Assim que eu receber meu primeiro salário, vou providenciar um de linha. Também não vou gastar muito, porque não tenho ninguém para ligar.
O Leo não desliga. Sinto que ele quer dizer mais alguma coisa, e tento pensar em alguma coisa para falar. Ele parece triste.
- Você está bem, Jaque?
- Sim. Eu estou. É meu primeiro apartamento, Leo. Estou feliz.
- Mas... – ele se cala. Parece pensar. – Você não se sente... sozinha?
Olho para as paredes nuas. Eu estou sozinha. Mas já estou tão acostumada com a solidão, que não ligo muito.
- Sinto falta do meu computador. – eu digo automaticamente.
Meu computador me conecta a um mundo virtual incrível. Era o que me mantinha unida com o mundo quando eu não podia sair de casa.
- Sim. – ele diz. Parece que quer falar mais alguma coisa, mas não faz.
- E você está bem, Leo?
- Não.
Eu logo imagino o motivo e agora me sinto mal.
- Sinto a tua falta, Jaque. – há um silêncio meio constrangedor. Não sei o que dizer. Não sei como dizer de novo para o meu namorado de 5 anos que eu já não o amo mais. Ele sabe. Mas mesmo assim, eu não gosto de repetir.
- Hmmm. Como está o trabalho?
- Tudo igual. – ele responde, sem ânimo. Logo o imagino passando os dedos em seus cabelos castanhos. Seus olhos verdes antes risonhos, agora tristes. E por minha causa. Isso me deixa meio mal.
Eu gosto do Leo. Ele é meu melhor amigo e eu sinto atração por ele. Mesmo nos últimos dias, eu ainda gostava de transar com ele. Era gostoso. Só que entenda... Eu gosto dele como um amigo que eu fazia sexo. Ele é bonito e agradável. Eu só não amo mais ele.
Bom, agora não me lembro se eu já o amei um dia. Talvez no início de relacionamento. Ou talvez fosse só empolgação: porque ele era realmente lindo e estava olhando para mim! E estava interessado em mim, na Jaqueline pernas-finas!
Saí com umas amigas (naquela época eu ainda tinhas amigas e vida social) e foi então que o conheci. Fomos a um barzinho e a Magali me apresentou para alguns os amigos da faculdade. Eles faziam administração de empresas. O Leo era o mais gato. Gato mesmo. Daquele tipo que a gente nem perde muito tempo olhando, porque acha que não terá chances.
Fiquei bebendo cerveja e batendo um papo com um carinha mais feioso. Não que eu estivesse interessada nele, mas para mim é sempre mais fácil conversar com os caras mais feios. Homens bonitos como o Leo me deixam nervosa.
Eu falava alguma coisa, e dava um gole de cerveja. Cada vez que eu baixava a cabeça para o copo, eu virava para o lado e via Leo. E ele me olhava. Céus! Nas primeiras vezes eu juro que fiquei vermelha, e não ouvi o que meu novo amigo tagarela dizia.
Ele realmente me olhava, fixamente até. Mas por quê? Será que eu estava com o rosto sujo? Havia algo nos meus dentes? O que um homem como aquele pretendia olhando daquele jeito para mim? Será que ele pretendia ter uma noite de sexo caliente com uma mulher qualquer e achava que a Jaqueline só por ter as pernas finas e não ter sorte com os homens era uma presa fácil?
Quando eu vi, ele estava sentado do meu lado. Começamos a conversar. Nunca tinha conseguido conversar antes com um homem tão bonito, mas estranhamente com ele eu consegui. Ficamos no bar até que ele fechasse e não restasse mais ninguém. Só nós dois.
Ele me levou para casa a pé. Eu morava perto. E depois pediu meu telefone. Não me beijou na primeira vez, só na segunda. Confesso que quase morri. Ele era muito lindo e eu fiquei deslumbrada com o beijo. Quando finalmente transamos... Nossa! Ele era todo lindo e perfeito! Todo lindo mesmo! Só que eu tive que pedir para apagarmos as luzes, ele era perfeito demais para aceitar meu corpo defeituoso.
Com o tempo, eu relaxei. Ele fazia com que eu me sentisse bonita. Hoje continuo com as pernas finas e com os peitos grandes e não imposto mais de ficar desfilando nua na frente dele. Ele diz que gosta. Mas... Sei lá, deve ser porque ele me ama.
Depois que a minha mãe morreu, eu me senti tão vazia... Um dia parei e fiquei olhando o Leo dormir e percebi. Ele era o meu melhor amigo. O cara que esteve do meu lado e não me abandonou durante a doença da minha mãe. Que compreendeu que eu nunca podia sair de casa, que eu tinha que ficar com ela. Que me ajudava nas vezes em que minha mãe vomitada. Nossa... até me sinto mal agora, o Leo é tão querido, tão bonzinho... Mas naquela noite eu percebi que eu não o amava.
Por que eu não o amava? Me diz? Ele é lindo, querido e bonzinho, mas eu não me sentia feliz. Ele vivia me mimando e fazendo as minhas vontades, mas era tudo tão fácil, tão sem emoção... Sei lá. A gente não manda no nosso coração e o nosso coração é tão idiota às vezes. Mesmo assim, eu ficaria com o Leo. Ficaria sim. Eu não planejava ir embora e partir seu coração, mas depois que eu tive aquela conversa definitiva com a minha mãe antes dela morrer, tudo mudou.
E agora estou aqui. Acordando com dor nas costas por causa do colchonete azul fininho. Com o Leo do outro lado da linha dizendo que sente a minha falta.
- Segunda-feira eu começo no meu trabalho novo – eu digo, para retomar a conversa, já que o silêncio constrangedor continuava.
- Eu sei. – ele podia ser o tipo de idiota que encerraria a frase com apenas eu sei, porque ele realmente sabia, mas ele não faz isso e continua. – E você está nervosa?
- Oh, sim! Estou sim. Mas estou pensando não pensar nisso.
Ele ri.
- E como está tudo ai?
Eu conto sobre o meu chuveiro, que tem um jato de água para cada lado. Conto sobre o vizinho do lado que ficou ouvindo música clássica alta até as 21 horas e sobre a vizinha da frente que tem trigêmios de dois anos.
- Será que ela fez algum tratamento de fertilidade ou foi natural? – eu pergunto, apesar de achar que um morador daquele prédio não teria condições de pagar um tratamento desses.
- Eles são gêmeos idênticos?
- Não sei. Para mim eles têm todos cara de bebês. – eu não entendo muito de crianças.
O Leo acha graça.
- Teu pai vai estar viajando nessa semana, sabia? – ele pergunta com uma voz preocupada. Ele é o único que sabe sobre esse assunto.
- Sim. Eu vi a foto dele no jornal. Ele é bonito, Leo.
- Mas não tanto quanto você.
- Nem como você. – eu respondo com naturalidade, mas não para ser simpática, mas por ser a mais absoluta verdade.
Ele dá risada e eu mesmo do outro lado da linha consigo imaginar a melancolia de seus olhos.
- Vou ligar para a companhia de mudanças, e você pode voltar a dormir, meu a... – ele se corrige a tempo – Jaque.
Depois que eu desligo, eu quase choro. Quase. Porque o sono chega antes e me derruba sobre o colchão fininho.
***
Capítulo 2
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O despertador toca as seis da manhã. Abro as janelas e ainda está escuro.
- Auunnnnw – eu resmungo e bocejo.
Olho para cama e fico tentada e me deitar por mais alguns minutos. Resisto. É meu primeiro dia de trabalho e eu tenho que estar no mínimo apresentável.
Tiro a camisola velha e me arrasto até o chuveiro que agora tem uma cortina de plástico que vai até quase o teto para não encharcar o chão com os jatos de água desalinhados. Depois do dobro do tempo usual, eu me sinto limpa. Eu realmente preciso trocar o chuveiro, mas não posso mais gastar nenhum centavo.
Paro diante do espelho com uma dúvida: devo alisar os cabelos? Eu fico mais bonita com os cabelos lisos, isso é fato, mas eu preciso ficar mais bonita?
Faço uma careta para o meu reflexo e opto por ficar com os cabelos cacheados. É melhor parecer competente do que bonita. Ou não? Ai! Sinto vontade de gritar! O que será que eles esperam de mim?!
Acabo de me vestir com uma roupa mais comportada e coloco meu salto de 5 centímetros. Não muito alto, mas o suficiente para causar boa impressão. E não muito cansativo se eu necessitar passar horas e horas em pé.
Saio de casa tarde. Meu cabelo é volumoso e demora um tempão para secar e não dá para chegar no primeiro dia de cabelos molhados. Devo me lembrar: nunca mais lavar a cabeça quando acordar, a menos que lá no escritório seja moda ir trabalhar de cabelos molhados.
Droga! Quando chego na parada o ônibus acabou de passar. Droga, droga, droga! Olho para o relógio e são 7:29. Por que o ônibus das 7:30 não pode ser pontual e chegar exatamente as 7:30?! Pergunto para a minha companheira de parada quando passará o próximo ônibus e ela diz que em vinte minutos.
Vinte minutos?! Fala sério: eu não tenho vinte minutos! A Estela me disse que eu preciso estar no escritório antes das 8 hoje! É meu primeiro dia! Oh, meu Deus! Não posso chegar atrasada no meu primeiro dia! Ainda nem conheci o meu chefe, e se ele for do tipo carrasco e nada compreensível?
Tudo bem, são só 10 quadras, eu posso ir a pé. Se eu caminhar rápido, consigo talvez chegar em quinze minutos.
O prédio do escritório de arquitetura é deslumbrante. Ele tem três andares e é todo envidraçado. São dois prédios meio que gêmeos unidos por corredores que se enxergam do lado de fora. Lá atrás dos corredores, há um muro coberto de verde. Dá uma impressão boa. Não a do tipo que estamos no meio de uma selva, mas a do tipo que estamos dentro de um jardim bem cuidado de um rico proprietário. É um prédio branco e vistoso. Do estilo que só poderia ser desenhado por um brilhante arquiteto.
Falando nisso, são três sócios e vários arquitetos contratados e estagiários e o meu chefe direto trabalha na área de construção civil. Eu gosto mais da parte de decoração de interiores, mas foi essa a vaga que surgiu e eu não podia me dar ao luxo de escolher. Mas não se empolgue muito com o meu trabalho, eu sou apenas a secretária.
Quando eu estou a uma quadra de distância me escoro num muro e abro minha grande bolsa caramelo. Cato no meu mini arsenal um espelho e uma escova de cabelos. Oh não, eu estou toda suada! Maldito ônibus! Resmungo e esbravejo baixinho. Tento me recompor como posso, mas meu rosto continua brilhante na testa. Talvez eu consiga entrar de fininho e ir direto ao banheiro.
- Jaqueline! – a Estela me vê tão logo eu coloco o primeiro pé no corredor. Ela é a responsável pelo setor de recursos humanos e foi ela quem me entrevistou. – Menina, venha logo! Você precisa se trocar!
- Me trocar?
Sério, como assim me trocar? O que há de errado com a minha roupa? Eu levei horas para escolhê-la!
- Sim, aqui as secretárias usam uniformes, não te falei?
- Que eu me lembre não... – eu respondo bem baixinho. Fico nervosa, será que ela falou e eu esqueci? Que lapso!
- Ah! – ela sorri para mim - Não repare, mas era tanta coisa que eu tinha para te passar, que eu devo ter esquecido.
Relaxo um pouco e a sigo pelo longo corredor.
- Aqui é a sala onde você trabalhará. – ela aponta para uma porta de cerejeira fechada, com uma placa preto e branca que diz: Cristian Benites, arquiteto e urbanista.
Sigo-a de boca fechada e arregalo os olho ao ver meu novo uniforme.
- São três para cada secretária e você é responsável pela higiene das peças.
E ela me entrega três calcas pretas e três blusas brancas. Meu queixo cai quase na altura do chão. Meus olhos quase se enchem de lágrimas. Não posso usar isso, não posso! Mas eu barro as lágrimas no meio do caminho. Estela me aponta um banheiro para que eu me vista e fica a minha espera.
Ai, meu Deus! Eu sempre fugi de calças pretas! Calças pretas sempre me emagreceram e ressaltaram as minhas pernas finas! É sério! Até os 14 anos minhas pernas eram tão finas que eu às vezes colocava duas calças, uma em cima da outra, para engrossá-las. Mas daí lançaram a moda das calças largas. Ainda bem, porque no verão eu quase me desidratava de tanto que eu suava.
Coloco o uniforme e aproveito para dar uma ajeitadinha no meu aspecto. Lavo o rosto, reaplico a maquiagem leve e saio da sala, esperando que a Estela não repare. Atualmente minhas pernas já não são tão finas e há algo muito pior do que as calças pretas.
- Uau! – a Estela exclama, me olhando de cima a baixo. – Como você é peituda!
Eu fecho os olhos. Ela reparou. Ela viu! Droga. E ela fica me observando meio que admirada. Sim, meus peitos são redondos e firmes, e a blusa branca e justa os deixa salientes.
- Eu fiz plástica de redução aos 21 anos...
Hoje isso até parece piada. Plástica de redução com os peitos desse tamanho? Fala sério! Mas é por isso eles são tão firmes.
- É? – ela continua a me observar, agora meio que incrédula.
- É... eu engordei depois da cirurgia – eu logo me justifico. O olhar dela meio que pergunta: mas qual era o tamanho do teu peito antes, 52? Se é que existe 52. - e meus quilos se acumularam aqui – aponto para os seios. – De novo.
Ela olha para as minhas pernas afinadas pelas calças pretas.
- Puxa! – ela para e pensa - Mas você não é gorda.
- Não. Eu emagreci novamente, mas os quilos que eu ganhei aqui em cima ficaram.
- Ah, entendo. É como eu nas coxas. – ela acha graça. – Mas acho que... Fique aqui, vou ver se eu acho um número maior de blusa para você.
Sim, eu estou indecente. Sério! Pareço uma vaca leiteira! Que situação constrangedora! E é meu primeiro dia...
Alguns minutos depois, ela volta, me olhando de cima a baixo e sorrindo. Sua expressão diz algo do tipo: queria ter peitos como os teus. Mas acredite: você não queria, eu respondo mentalmente. É chato! Peitos pesam! E é horrível comprar biquínis e sutians. Uma tortura que ainda é agravada pelo fato de eu usar manequin 36 e sutians 46. Conjuntinhos combinando? Nem pensar. Eu me contento quando acho um que me sirva e que fique bonito sem que eu pareça uma vovó.
- Consegui essa. Não tinha menor. – ela faz uma careta e se desculpa. Eu pego a roupa sem prestar muita atenção e quando vou prová-la percebo o que ela quis dizer.
Meu Deus! A blusa é gigante! Agora sim fiquei ridícula! Enorme em cima e com as perninhas finas.
- É... Acho melhor você trabalhar sem o uniforme hoje. – ela fala e eu consigo respirar de novo. – Fica com a blusa que você veio, mas com a calça preta. Acho que vou providenciar uma blusa verde para você, e não branca. Algumas secretárias usam verde e a branca te deixou peituda. Não que isso seja ruim, provavelmente o Cristian iria gostar e os outros homens também – ela ri - mas se a Patrícia te visse, ela não iria gostar. Mas cá entre nós: ela é uma chata e morre de ciúmes do Cristian. Daí ela pegaria no teu pé.
- Patrícia?
- É, a noiva do Cristian. Ela não trabalha e não faz nada da vida, e vive vindo aqui para encher o saco de todo mundo.
- Ah.
Que maravilha! O meu chefe tem uma noiva pé no saco, então ele deve ser pé no saco também. Ora, mas que ótimo!
- Agora vai. Ele pediu para você ir para a sala dele imediatamente, ele quer te conhecer.
- Eu bato na porta ou apenas entro?
Diante da minha indecisão Estela abre a porta e me mostra uma ante-sala.
- Essa é a tua sala, aqui todos entram sem bater. Aquela outra porta – ela aponta para os fundos – é que é a sala dele. Nessa, você tem que bater sim e anunciar todo mundo que deve entrar. Bem assim. – ela pega um telefone e disca um ramal – Sr. Benites, a Jaqueline está aqui, posso deixá-la entrar? – ela ouve a resposta e coloca o telefone no gancho. Então me mostra algumas coisas que eu tenho que fazer e só depois diz – Você pode entrar. Boa sorte.
E ela sai da sala.
É o meu primeiro dia. E eu vou conhecer o meu chefe! Estou nervosa, respiro fundo e abro a porta. E então estanco. Nada, nem nenhuma preparação mental do mundo, me prepararia para isso.
Oh, meu Deus! Ele está me olhando. O clone do Jonnhy Deep está me olhando e eu não consigo andar!
Não, não, não! Devo estar ficando louca! Isso é um absurdo! Isso não pode estar acontecendo comigo! Como vou poder trabalhar e me concentrar quando sei que o sósia do Jonnhy Deep, o meu maior ídolo, estará do outro lado da porta?
Ele me encara com uma caranca feia. Talvez por eu estar ainda parada na porta congelada. E acho que ele falou algo. Ele parece estar esperando uma resposta minha.
- Aszisshiiming – eu respondo.
A expressão dele do tipo: anda, eu não tenho todo tempo do mundo parece mudar. Creio ter visto um sorrisinho na boca dele. Isso! Ri para mim! Quero ver se você tem algum dente de ouro como o meu pirata Jack Sparrow! Mas ele não sorri, ao invés disso fica sério e me aponta uma cadeira para que eu sente na sua frente.
Eu obedeço, já paguei mico demais.
Ele baixa o rosto, e folheia um papel que eu reconheceria como sendo o meu currículo se eu conseguisse desviar os olhos do rosto dele. Será que ele é irmão gêmeo do JD? Só posso estar doente ou muito fascinada pelo JD para estar vendo-o no rosto dos outros. Eu me esforço para pensar: ele não é parecido com o Jonnhy Deep, ele não é parecido com o Jonnhy Deep... Você está inventando isso, Jaqueline... Você precisa de terapia.
- Então você estudou dois anos de arquitetura.
Faço que sim com a cabeça, sem piscar. Tenho que responder, senão ele vai pensar que eu sou uma retardada mental e me despedirá logo no primeiro dia.
- E por que trancou a faculdade?
Ele me olha e espera pela resposta. Dessa vez, não posso balançar a cabeça, tenho que achar a minha voz.
Devo estar hipnotizada, totalmente hipnotizada, pois não dei a minha resposta vaga usual: problemas de família. Geralmente quando eu digo isso as pessoas se calam porque entendem que eu não quero falar sobre o assunto. Mas ao invés disso, eu despejo, sem parar para tomar fôlego:
- Minha mãe ficou doente e teve que parar de trabalhar. E então eu tive que trancar a faculdade e trabalhar para ajudar nas despesas. Achei que ela ia melhorar e eu ia poder voltar para a faculdade logo depois, mas ela não melhorou. Na verdade, ela ficou cada vez pior. Quero dizer, ela até melhorou em algumas épocas, mas sempre tinha recaídas. A quimioterapia não foi muito eficaz e ela passava muito mal depois das sessões. Ela tinha leucemia. E no último ano eu tive que largar também o trabalho para ficar com ela. Nós sempre fomos muito ligadas, sabe? Eu não conheci meu pai e sempre fomos só nós duas. Na verdade, eu descobri a pouco tempo que eu não fui abandonada pelo meu pai como eu sempre achei que fosse. Que na verdade meu pai nunca soube da minha existência, porque minha mãe fugiu dele e nunca contou. E nós tínhamos um bom dinheiro guardado, eu e a minha mãe, mas ele foi quase tudo gasto para o tratamento dela. Com o que sobrou, eu me mudei, vim para cá e comprei o meu apartamento depois que ela morreu.
Oh, meu Deus! Eu contei toda a minha vida para esse cara só porque ele é a cara do JD! E se ele for um clone do mal?
Ele fez que sim com a cabeça. Tão lindo o meu chefe! Eu não consegui parar, tinha que continuar.
- Eu sempre gostei da área de arquitetura. Mas como não pude voltar para a faculdade, procurei um emprego na área. Se eu não posso ser arquiteta, posso trabalhar com um arquiteto. Eu realmente gosto.
- Você foi muito bem recomendada pelo teu antigo chefe.
- Ah sim. Ele foi muito legal comigo. Eu tive que me afastar, como já contei para o senhor...
Ele me interrompeu.
- O senhor está no céu.
- Ah tá. – sorri meio sem graça. Minhas bochechas devem estar vermelhas. Será que ele estranharia se eu pedisse para tirar uma fotografia dele? Daí eu mandaria ampliá-la para compará-lo com os dois pôsteres do Jack Sparrow que estão na parede do meu quarto. Ao invés de fazer esse pedido absurdo, eu continuo a falar – Mas daí, eu nunca pude voltar. E quando eu contei para ele que a minha mãe tinha falecido e que eu ia me mudar para Florianópolis, ele foi bem legal e me deu uma carta de recomendação.
- Ah, sim. – ele baixa o rosto e corre as duas folhas do meu currículo. E então, como se não tivesse mais dúvidas, ele me explica rapidamente as minhas funções e depois parece reparar – Por que você não está de uniforme?
Agora sim! Minhas bochechas estão rubras! Tenho certeza pois sinto meu rosto pegando fogo! Não posso simplesmente dizer a ele que a blusa não coube por causa dos meus peitos!
- Eu. Estou. Usando. As. Calças. – gaguejo. – A. Blusa. Não. Serviu.
- Ficou muito grande?
Ufa! Que alívio! Ele me achou pequena. Relaxo um pouco.
- A segunda que eu provei ficou.
Ele fala mais alguma coisa e eu saio da sala. Ele deve estar me achando esquisita e meio bicho do mato demais para uma secretária. Eu devo ser simpática e interagir bem com as pessoas, e ele no momento não deve me achar capaz disso.

Depois do meu terceiro dia fazendo tudo certinho, eu meio que já me acostumei com o fato de ter um chefe gato. Quase não babo mais quando ele passa. E descobri conversando com as minhas novas amigas (outras secretárias, porque as arquitetas não fazem amizade com a gente) que elas também acham ele parecido com o JD e que inclusive o apelido interno dele é Jack, por causa do meu pirata preferido. Mas é claro que isso fica só entre nós e que ele não faz a menor idéia.
Então, depois do meu terceiro dia ele me surpreende quando me mostra um projeto dele. Coloca sobre a minha mesa e diz:
- Trouxe para que você dê uma olhada. Sei que você gosta disso. – ele passa rápido e pisca para mim.
Oh, meu Deus! Quase desmaio! O Jack piscou para mim!
Claro eu não é sempre assim. Meu chefe as vezes é meio temperamental e em algumas ocasiões não é muito gentil. Tudo bem, eu relevo. Jack Sparrow também não era gentil o tempo todo em piratas do caribe.

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