sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Vim aqui para falar sobre: NADA!

De vez em quando é bom pensar em nada. Deixar um vazio no cérebro e esquecer dos nossos problemas. Eu consigo fazer isso muito bem. Isso de chegar em casa e não pensar em problemas. Por que eu simplesmente não consigo pensar em nada.
Meu cérebro não delisga nem na hora de dormir. Ele não descansa. Mas o meu cérebro é esperto: ele não pensa em problemas, ele pensa em histórias. E meu cérebro é sábio: ele relaxa criando romances. E depois ele simplesmente ordena minhas mãos - ele é realmente mandão! - que quando livres começam a digitar, juntando letras em formas de palavras, e eis que surge mais um texto.
*****
Estou fazendo uma oficina de literatura, e vou postar o meu conto - tema de casa (nossa, que legal: tema de casa! Até parece que eu voltei para a escola!) aqui:
****
Noite de Agito
*
Nove da noite de domingo. Véspera de feriado. Corpus Christie. Um calor atípico para a época. Sufocante. Vento soprava abafado em seu rosto, gotas de suor escorriam de sua testa. As ruas estavam vazias, e Solange seguia a pé. Suas sandálias de salto faziam ruídos que ecoavam no chão de concreto. No céu, poucas nuvens. Provavelmente a meteorologia erraria mais uma vez. Sem sinal de chuva para o dia seguinte. Sem sinal de alívio. Solange sentiu-se ainda pior. Aquele aperto em sua garganta se exacerbou. Calor. Uma sensação ruim. Amanhã visitaria o tumulo de seu marido pela primeira vez. Dor. O que não daria por um cigarro. Sem pensar muito, acelerou o passo, dobrou a direita e rumou até a recepção num caminhar firme. Um cigarro. Ela se fingiria de cega, por um cigarro. Se houvessem gritos, ela taparia os ouvidos, por um cigarro.
*
Sônia estava bêbada. Quase inconsciente. Mas Edgar não se importava. Ele se escorou na parede e ficou observando ao longe a pele nua sobre a cama redonda. Sua boca secou. Faminta. Cheia de expectativa. As pupilas dilataram. Mais cedo ou mais tarde, ela acordaria. Mais cedo ou mais tarde, ela finalmente seria sua. Dessa vez, ele não seria paciente como sempre fora. Mesmo parecendo errado. Mesmo ela sendo casada e fiel ao marido. Afinal, o marido não estava ali, mas ele estava. Sempre aguardara por ela. Só que agora cansara. E ela logo acordaria e seria dele. Querendo ou não. Girou mais uma vez o envelope entre os dedos. Não. Um só seria insuficiente. Pegou um segundo e, transtornado, gargalhou meio maleficamente.
*
Túlio e Magali colocavam suas roupas, cheios de pressa para partir. Ele ainda esbravejava. Ela se mantinha calada, comprimindo os lábios. Ele gesticulava. Ela se enrijecia. As palavras dela não lhes trouxeram consolo. Aquilo só piorava. O que deve ser dito quando algo assim ocorre? Silêncio. Tensão. Constrangimento. Nada acontecera como o planejado. Simplesmente não funcionou. A culpa não era dela, ela sabia. Ou era? Não era porque ela estava feia demais? Ou gorda? Ela analisou o seu reflexo antes de sair. Definitivamente não estava gorda. Nem feia. Magali sorriu: não! A culpa não era dela! Se ela soubesse, teria se precavido e trazido um daqueles famosos comprimidos.
*
Teodora sorriu, emocionada. Conseguira ludibriar Otavio! Ele acreditara nela! Era um tolo! E a máquina fotográfica oculta entre suas roupas, seria a grande prova. Não haveria dúvidas. Raquel, ao ver o retrato de sua irmã com seu marido, ambos nus, não teria como negar a traição. Raquel, sua irmãzinha caçula mimada, aquela pequena víbora, teria enfim o seu conto de fadas arruinado. Não era justo a vida de Raquel ser sempre tão perfeita! Não, não era. Teodora sorriu sedutoramente encarando sua vítima que esperava ansiosa por ela. Com um chicote na mão, fez Otavio ficar só de cuecas. Sacudiu os longos cabelos loiros e empinou os fartos seios de silicones, portando-se como a verdadeira deusa erótica que era. Ele não recusou.
*
No último dormitório ocupado, apenas um comum casal de namorado. Com dois anos e meio de relacionamento, essa teria sido apenas mais uma noite rotineira de fim de semana. Tudo sempre igual. Só que dessa vez, não foi.
*
Alguns depois contariam: “eles apareceram do nada!”. Três homens armados, com revólveres e facas, invadiram o pequeno motel. Ocultos por assustadoras toucas ninjas, fizeram 13 reféns. Portas arrombadas. Pessoas surpreendidas. Algumas em poses ilícitas. Expostas. Celulares e dinheiros roubados. Gritos de pânico. Sonhos desfeitos. Dois recepcionistas rendidos. Suas cabeças cobertas por edredom e tíner. Ameaças de fogo.
*
No escritório revirado, duas camareiras amarradas. E Solange. Aquela que só queria um cigarro. Que só estava de passagem. Seu cigarro foi retirado de seus dedos após uma única tragada. O pequeno alívio logo substituído por pavor. Quem sabe, se reagisse, aquela arma dispararia e então tudo acabaria. Ela se juntaria ao marido no túmulo. Alívio. Não. Solange logo afastou a idéia. Era melhor esperar. Quando tudo acabasse, ela reacenderia seu cigarro e acharia outro método de consolo. Quem sabe.
*
Quartos invadidos. Túlio e Magali, dois ressentidos, foram atacados ainda na garagem. Levados de volta ao quarto. Túlio, ainda mal humorado, não foi tão compreendido pela dupla de bandidos como fora por Magali (o terceiro elemento ficou na recepção, procurando por dinheiro). Devia saber controlar seu gênio. Foi amordaçado, ameaçado de morte, ficando só de cuecas. O estrado da cama, jogado sobre ele. Magali se compadeceu. O medo uniu os dois. Abraçados, agora sozinhos, esperaram em silêncio os gritos cessarem nos quartos vizinhos.
*
A meia noite e meia, tudo acabou. Os criminosos se foram, com os objetos furtados. 500 reais do caixa do motel, celulares, relógios e carteiras. Os bens levados poderiam ser recuperados. Ou não. Mas algumas coisas mudaram para sempre. Outras não. Afinal, não fora uma noite de véspera de feriado normal. Foi uma noite de agito.
*
Planos foram interrompidos. Edgar perdeu sua única chance com Sônia. Chance que afinal nunca existiu. Teodora, crente que o assalto fora um castigo divino, nunca mais quis nada com Otávio, que até hoje espera ansiosamente por ela. Otávio, nas raras vezes em que faz sexo com a esposa, é na irmã dela que pensa. Túlio e Magali se apaixonaram naquela noite. Hoje em dia, um comprimido azul é o suficiente para resolver os seus problemas. Solange fumou seu cigarro, mas com ele não veio a paz. Ela continua vagando pelas ruas e procurando por ela. Para o casal de namorados, nada mudou. Eles apenas têm agora uma história interessante para contar aos amigos.
******
A tarefa era: escolher uma notícia de jornal e escrever um conto. Logicamente, não dava os dados sobre os casais. Só que eram 4 casais, 13 refens, entre eles a mulher que entrou somente para pedir cigarro. E então eu pensei: o que será que eles podem ter interrompido? E surgiu a história. Se ficou bom? Não sei. Só o que eu sei é que foi bom escrever. - :)

Nenhum comentário:

Postar um comentário