quarta-feira, 25 de novembro de 2009

“Como superar um amor em três listas” - primeiros 4 capítulos

Essa é a minha última história. Colocarei aqui os primeiros quatro capítulos. A história esta sendo postada no orkut na comunidade Oficina Romântica, para quem se interessar.
Sinopse:

“Numa noite que parecia comum, Luiza vê sua vida desabar. Do nada o seu marido anuncia (após 10 anos de relação) que está indo embora. Luiza sente o chão ser tirado de seus pés. Dor. Perda. Desilusão. Para ajudar Luiza, as amigas se reúnem. Três listas são criadas. Luiza percebe que sua vida mudou, mas que deve achar forças para continuar. O que fazer?
Acrescente às três listas, três homens: Alex (o ex), Gustavo (o amigo) e Bruno, e você terá a garantia de muita confusão. E agora? Com quem Luiza ficará? As listas Funcionarão?”



Capítulo 01

Alex chegou em casa cedo naquele dia. Achei estranho. Não eram nem 17:30 horas e ainda não escurecera. Raios de sol, entrando pela janela, iluminavam parcialmente a sala. Estávamos no início de setembro e fazia um calor fora de época naquele final de tarde invernal.
Ele chegou batendo a porta e jogou com estrondo a sua pasta de couro marrom impecável sobre a mesa. Até ai parecia mais um dia normal, porque ele sempre fazia isso. Quero dizer, isso de bater a porta e de tocar a sua pasta sobre a mesa de um jeito nada delicado. Mas não de chegar em casa com dia claro. Ele, nas últimas semanas, chegava sempre tarde. Em muitas vezes, inclusive, eu e a Isa já dormíamos.
Aliás, era comum a gente mal se ver durante a semana no último mês. Eu saia cedo. Entrava no hospital às 7 da manhã, e uma vez por semana tinha plantão de vinte e quatro horas. Ele ficava dormindo e só saia depois. Eu voltava cedo (isso quando não estava de plantão), ele chegava bem mais tarde.
Eu deveria ter percebi que algo não estava bem. Deveria ter reparado que ele chegava cada vez mais tarde. Deveria ter notado que os seus jantares com clientes eram cada vez mais freqüentes. Mas o fato é que eu não percebi. O fato, também, é que a gente mal se via, e isso realmente dificultava que eu pudesse observar qualquer coisa.
E o fato – isso não é razão suficiente para desculpar a minha burrice, eu sei - é que Alex sempre teve uma boa lábia. Como um bom advogado, ele sempre tinha um ótimo argumento, sempre tinha uma desculpa preparada na ponta da língua para justificar cada atraso. E eu – também admito - estava cansada demais para reparar. Porque justo nesse mês eu tive que cobrir os turnos de folga da minha colega que estava de férias. Eu estava exausta, trabalhando dobrado. E uma vez em casa, tinha que dar atenção a Isabella. Acredito que até ficava feliz de não ter que dar atenção também ao meu marido...
Então, eu não percebi, quando ele chegou nesse dia mais cedo, batendo a porta, jogando a pasta de couro sobre a mesa, fazendo o que sempre costumava fazer, que esse não seria um dia como os outros. Eu, ao servir o seu jantar, ao jantarmos os três – eu, o meu marido e a nossa filha de 4 anos – como sempre costumávamos fazer, eu não percebi que ele tinha algo a me dizer.
Eu não fazia idéia – eu juro!- que esse não seria apenas mais um comum jantar em família na nossa casa, e sim, provavelmente, o último.
Agora, pensando melhor, eu me pego me atentando aos detalhes, desde que o Alex chegou em casa, as 17:30, até agora, as 21 horas e 22 minutos e dezoito segundos... Dezenove segundos... Vinte segundos... Eu acho que estou amortecida, em estado de choque, porque não consigo me mover, e não consigo sequer desviar os olhos dos ponteiros do relógio, acompanhando cada segundo fixamente, como uma retardada que não tem mais o que fazer. Vinte e dois segundos...
Ouço os passos dele no andar de cima. Ele deve descer nos próximos segundos, deve passar por mim, acho melhor eu parar de olhar para esse relógio estúpido.. Senão, o que ele vai pensar de mim?
É incrível! Parece que a minha vida parou, parece que o mundo acabou, que tudo desmoronou, só que como é que o relógio continua a se mover!? Como pode isso acontecer? Como o relógio ainda se move se o mundo acabou? Não é irônico?
Então... Repassando os minutos, desde as 17:30 até agora... Eu devia ter desconfiado... O Alex estava inquieto, numa agitação nervosa e meio suspeita. E ele estava muito solicito. Solicito demais, eu diria! Ele até se ofereceu para pendurar as roupas que eu lavei (na máquina de lavar, é claro!). Algo que ele jamais fez! E ele lavou toda a louça do jantar sem que eu precisasse pedir! Sim! E eu só pensei, na minha pura ingenuidade: “Nossa, que querido, ele está vendo como eu estou cansada!” Há-há! Que doce ilusão a minha!
E ele colocou a Isabella na cama, como se fosse o pai mais amoroso do mundo. E depois voltou para a sala, e começou a me rodear. Sentou numa cadeira, e logo levantou. Então sentou numa ponta do sofá e começou a sacudir as pernas, cruzando-as, esticando-as, e cruzando-as de novo, várias vezes, até que aquilo me chamou atenção.
- O que foi? – eu perguntei. É lógico que eu percebia que havia algo errado. Depois de 10 anos juntos eu já era PHD em Alex.
- É que... – ele baixou os olhos. Não conseguiu suportar o meu olhar.
- O que é? – eu insisti, fazendo uma voz doce para tornar mais fácil dele me contar. Se eu soubesse, teria feito tudo ao contrário. Provavelmente o meu tom de voz, agora sabendo do que eu sei, seria meio assassino.
Ele inspirou com força duas vezes, talvez para ganhar tempo. E então simplesmente disse:
- Eu... Eu conheci outra pessoa.
Eu franzi as sobrancelhas, intrigada, mas não consegui deixar de olhar para ele. Pelo menos ele estava sendo sincero. Pelo menos ele não estava me enganando...
Mas peraí... Ele conheceu uma pessoa... O meu marido, o qual devia ser fiel a mim, conheceu outra pessoa... O homem a quem eu jurei o meu amor, o qual jurou me amar incondicionalmente e para sempre, conheceu outra pessoa...?
- É... – ele continuou sem jeito, num tom de voz baixo – eu estou apaixonado...
Ele ficou me observando, esperando qualquer reação. Passou os dedos pelos cabelos castanhos escuros, sem deixar de me olhar. E então, eu percebendo seus olhos fixos no meu rosto (olhos que nunca antes haviam me parecido tão assustadores), respondi:
- Ah.
É isso! Tudo o que eu consegui dizer com um pouco de dignidade, quando o homem a quem eu dediquei vários anos do meu amor, anuncia que conheceu outra pessoa, foi: “Ah”.
Mas o que mais eu poderia dizer para o homem que há três meses atrás propôs que nós tivéssemos outro filho? Que há pelo menos dois meses ainda dizia que eu era o amor da sua vida?
- Eu vou morar com ela. – ele continuou.
- Tá bom. – eu disse num fio de voz quando vi que ele de novo esperava uma resposta minha.
Acho que nunca na minha vida foi tão difícil de falar... Acredito que usei o restinho de ar que havia no meu pulmão para pronunciar tais palavras. Eu estava tão em choque que tinha esquecido de respirar.
- Tá bom? – ele parecia perplexo. Mas não menos perplexo que eu, é claro.
- É – eu balancei a cabeça e entreabri um pouco os meus lábios – Tá bom – eu confirmei. E então olhei para o relógio. – Mas vai logo, porque senão vai ficar tarde.
Tarde... Não eram nem 21:30... Mas naquele momento, eu só queria que ele fosse embora. Não era isso o que ele queria? Ele não estava apaixonado por outra? Então que fosse de uma vez! Embora pudesse parecer, eu não sentia raiva. Aliás, eu não sentia nada. Nadinha. Nadica de nada mesmo. No meu peito havia um imenso e enorme nada.
Ele ficou me olhando, esperando que eu me movesse, que eu falasse qualquer coisa. Mas foi a partir desse momento que eu grudei meus olhos no ponteiro do relógio e comecei a contar os segundos. E então, creio que ele cansou de esperar a minha reação e foi fazer sua mala.
21 horas 34 minutos e dez segundos... Onze segundos... Quem é ela? Treze segundos... Há quanto tempo eles se conhecem? Quinze segundos... Quantos anos ela tem? Dezessete segundos... Qual é o nome dela? Qual é a cor do cabelo dela? Será que ela é loira ou morena? Será que ela é alta?
Ai, meu Deus! Eu não vou pensar nisso! Porque eu tenho que agüentar! Porque eu não posso começar a chorar antes dele sair por aquela porta! Vinte e dois segundos...
As 21 horas e 36 minutos em ponto ele voltou, com uma pequena mala na mão.
- Tá tudo bem mesmo? – ele perguntou, parecendo meio inseguro.
- Tá... – eu pigarreei. Minha voz falhou! Droga! Eu tinha que me esforçar mais! Só mais alguns segundos... Só até ele sair por aquela porta - Tá tudo bem.
Então ele se foi... E disse que voltaria no dia seguinte para buscar o resto das suas coisas!
Seu filho da puta! Nossa, quando ele falou isso, aquele vazio foi imediatamente preenchido por raiva! Que porra! O que ele está pensando!? Ele não coloca mais os pés aqui sem a minha presença! Ele quis sair, não quis? Então não vai buscar nada quando eu não estiver aqui!
Abri a lista telefônica e chamei um chaveiro desses do tipo vinte e quatro horas. Troquei as fechaduras da porta. Sentido-me vingada, eu fui me deitar. Droga... A cama estava tão grande... Tão vazia... E aquela sensação de nada voltou... E eu chorei por quase duas horas sem parar até finalmente adormecer...
O Alex se foi... Pausa para choro. E agora? E se ele quiser voltar, ele não vai ter as chaves... Mais choro...

Não sei como consegui, mas eu consegui. No dia seguinte levantei cedo e tentei seguir a minha rotina quase normal. Quase normal, porque muito tinha mudado...
O lugar ao meu lado da cama estava vazio... e gelado. Não tinha sido um pesadelo, era real. O Alex pela primeira vez em anos passara uma noite fora... Estávamos só, eu e a minha filha. E isso significava que ela não poderia ficar na cama. Que ela teria que levantar comigo as seis da manhã! Pobre criança... Aliás, ter que tirar minha filha da cama tão cedo acabou partindo um pouco mais meu coração... Um pouco mais... Por que na verdade não havia restando muito do meu coração...
Vesti uma Isabella semi adormecida e parti para a casa da minha mãe sem comer nada. Estranhamente, eu não sentia fome. Apenas um leve mal estar e um pouco de enjôo.
Minha mãe morava perto da minha casa, com meu pai. Meu pai não havia ido embora e abandonado-a como o Alex fez comigo, pelo menos não ainda. No segundo andar da casa, como se fosse uma segunda casa porque elas tinham entradas separadas e não tinham comunicação interna, morava a minha irmã com meu sobrinho Arthur. Minha irmã era mãe solteira, pois o namorado dela deu no pé assim que ela anunciou a acidental gravidez.
Renata, minha irmã dois anos mais velha, era fotografa e tinha um estúdio fotográfico em casa, naquela que costumava ser a antiga garagem dos meus pais. Eles não se importaram em ceder a garagem para a minha irmã, e vê-la sendo transformada em um estúdio chique. Eles, realmente, não se importaram nenhum pouco. Porque isso facilitava tudo: Renata poderia trabalhar em casa e ainda assim ficar com seu filho. E ela tinha uma babá que nós compartilhávamos. Arthur, com 3 anos, e Isabella com 4, se adoraram e estavam sendo criados juntos, com a supervisão dos meus pais, da minha irmã e da babá enquanto eu trabalhava.
- Filha! – tentei entrar na casa da minha mãe de fininho e colocar a Isa que dormia nos meus braços na cama. Mas não deu, ela já estava acordada e me surpreendeu tão logo eu abri a porta.
- Oi, mãe... – respondi meio sem jeito, e apressei meus passos na direção do quarto. A Isa estava se tornando mais pesada a cada minuto.
- E o Alex? – ela me seguiu e me questionou no quarto da Isa. Sim, ela perguntou isso. Mas não foi por mal, eu sei. Ela apenas achou estranho o fato de me ver, por que quem costumava deixar a Isa lá era o Alex.
- Ah... – coloquei a Isa na cama e a cobri com os lençóis – Ele estava cansado... – respondi – Resolvi deixá-lo dormindo.
- Ah, tá. – ela pareceu satisfeita com a resposta, e eu também. Pelo menos adiaria o conflito. E eu não queria assustá-la, e deixá-la em pânico tal como eu me sentia. Era ainda muito recente, e eu mal tivera tempo de assimilar... E depois, algo que eu aprendi como os anos, é que devemos deixar a família de fora das nossas brigas. Porque depois, com a reconciliação, a gente perdoa, mas a nossa família não totalmente. E meus pais adoram o Alex, e é melhor que isso continue assim, mesmo que a gente realmente se separe, porque ele continuará sendo o pai da Isa... Para sempre...
- E o pai? – eu perguntei.
- Tá deitado ainda.
- Ah... Então eu vou indo. Tchau, mãe.
Antes de ir eu dei uma olhada na minha mãe. Sortuda. O marido continua com ela há trinta anos! Será que ela tem noção de como isso é maravilhoso? O meu, nesse momento, está na cama de outra... Droga! Droga, Luiza, não pense nisso agora! Não desabe! Você tem um plantão de vinte quatro horas pela frente...

- Karen? – chamei a minha colega, a outra médica pediatra do hospital – Você quer que eu cubra teu plantão de hoje a noite?
Ela se virou e me encarou meio incrédula.
- Você quer cobrir o meu plantão de sábado? – ela prendeu melhor seus cabelos castanhos e lisos para o alto, no topo da cabeça e me encarou como se eu fosse uma alienígena. Afinal, eu pedia o plantão de sábado!
- Sim.
- Mas é sábado, Lupi! E você já está a quase vinte e quatro horas aqui! E olha só o teu estado! Você mal se agüenta em pé!
- Eu sei... – eu me encostei na parede do vestiário e suspirei. Eu queria trabalhar até morrer! Até parar de pensar no Alex! Até parar de doer! – Mas eu quero... Posso, por favor, ficar no teu lugar?
- Não. De jeito nenhum! É contra as regras do hospital fazer quarenta e oito horas de plantão seguidas. Vai para casa. Você está péssima.
- Hmmm. – não me convenci. Casa... Sem o Alex...
- Lupi, - ela argumentou - pense nas pobres crianças que terão uma medica insone. Você não acha que elas merecem algo melhor? Você realmente está com uma aparência péssima, de assustar criancinha. Já se olhou no espelho?
- Não. E eu realmente não me importo com isso... – novo suspiro. Não iria falar nada. Não nesse momento. A Karen era uma de minhas melhores amigas, mas eu sabia que se eu começasse a contar o que me afligia, eu faria um papelão. Eu simplesmente não conseguiria me controlar e choraria na frente de quem passasse por ali... E se o meu mundo acabou, o que os outros tem a ver com isso? Realmente nada.
- Mãe – derrotada, peguei meu celular e liguei para minha mãe - eu sai do plantão e estou exausta, posso deixar a Isa ai?
Era tarde. Sábado de noite. Fiquei no hospital até ser praticamente expulsa pelos meus colegas.
- Filha... – eu percebi que ela sentia que algo estava errado. Mas acho que ela resolveu mudar de tática no meio da frase, porque ao invés de me perguntar alguma coisa, ela simplesmente disse – A Isa vai dormir como uma pedra, não se preocupe. Ela não parou o dia inteiro.
- Ah... Tá bom. Então em vinte minutos estou passando ai.
Melhor. Melhor mesmo ficar com a minha filha do que ficar sozinha.
Chegamos em casa tarde. A Isa já havia jantado. Eu não. Mais uma vez, não sentia fome.
- Mãe... – a Isa parou do meu lado com uma expressão desolada – Cadê o papai?
Não faço a menor idéia, filha. E olha que eu cortaria um dos meus dedos fora para saber. – eu pensei.
- Ele... – eu disse - Viajou.
- Papai viajou? – ela não pareceu mais animada – Mas ele nem me deu tchau... – resmungou – E quando ele volta?
- Hmmm. – meu estoque de desculpas acabou – Não sei.
Só que eu sabia que ele não iria voltar. Pelo menos não para mim... Mas talvez ele voltasse para ela...
- Mãe? – ela não se deu por vencida – Liga para o papai?
- Ligo. Mas você fala com ele, não eu.
Eu não podia colocar meus ressentimentos a frente dos desejos da minha filha. Afinal de contas, o Alex ainda era o pai dela.
- Tá bom.
E eu disquei o número, entreguei a ela o aparelho e fui tomar banho. Voltei para o quarto, e Isa via televisão no meu quarto.
- Mãe... Ele não atendeu... – ela choramingou.
- Vamos colocar o pijama, Isa. E depois a gente assiste juntas a um filme na minha cama.
- E eu posso dormir aqui? – ela pareceu mais entusiasmada.
- Pode, pode sim. Mas só hoje.
Não seria uma boa idéia se isso virasse hábito. Se ela estivesse comigo quando eu não mais agüentasse e começasse a chorar...

Negação. Eu tentava negar o que acontecia. Fazia três dias. Mas eu ainda pensava que ele voltaria a qualquer momento e entraria por aquela porta... Mas ele não podia entrar por aquela porta, ele não tinha as chaves...
- Mãe, posso brincar na Verinha? – a Isa perguntou. Era a nossa vizinha da frente.
- Pode, filha.
Domingo. Fiquei de folga o dia inteiro. De pijama. Que cena mais patética... Quando a Isa voltou para casa, eu estava inchada de tanto chorar... Aproveitava cada minuto sozinha para chorar, mas nunca na frente dos outros. Eu não queria parecer fraca, e depois, ninguém tinha mesmo nada a ver com os meus problemas.

Segunda-feira. De novo, as seis as manhã, levei minha filha para minha mãe. Nem sinal do Alex. Nenhum telefonema. Nada. Ele realmente tomou chá de sumiço.
- Filha... – dessa vez eu sabia que ela não ficaria calada, que ela exigiria uma explicação.
Coloquei a Isa na cama, ela ainda dormia, e então falei bem baixinho:
- O Alex me deixou, mãe. Ele arranjou outra. Saiu de casa quinta-feira a noite e eu não soube mais dele. – dei de ombros, como se isso não me afetasse.
- Ele não ligou nem para falar com a Isa? – ela parecia perplexa.
- Não.
- Mas ela é a filha dele!
Claro! Ela é a filha dele, e eu? Eu sou o que? Ah... Agora nada... Agora apenas a ex-mulher dele...
- Ah, mas isso não vai ficar assim! Ele tem que falar com a filha! Vou ligar para ele hoje!
- Tudo bem, mãe... – eu suspirei – Faça o que acha melhor...
- E como você está?
- Péssima. Mas fazer o que? A vida continua.
- Hmmm. – minha mãe me olhou com pesar, e então me puxou e me deu um abraço acolhedor. – Tudo vai ficar bem, Luiza.
Eu esperei alguns minutos e me desvencilhei. Eu não queria consolo. Eu não queria parecer fraca. Eu continuava negando. E talvez continuasse assim por muito tempo, se depois de algumas semanas minhas amigas não tivessem me colocado contra a parede...

Capítulo 2

Meus olhos estavam vermelhos de tanto lacrimejar. Eu aproveitava cada minuto de solidão para chorar. Estava no refeitório exclusivo dos funcionários, quando a Carla e a Josi praticamente me sequestaram, segurando uma em cada braço meu, e me arrastaram para um dos dormitórios. Os quartinhos minúsculos a que a gente tinha acesso para dormir durante os plantões. A Karen nos encontrou no caminho.
- Pronto! Agora você não vai mais se fingir de morta! – a Josi brandiu ao fechar a porta conosco dentro.
- Hmmm. – ouvimos um gemido vindo da cama. Alguém dormia em plena hora do almoço.
- Isso é uma reunião, Gustavo. – a Josi, que não tinha papas na língua, disse. – E você não foi convidado.
Ele, sonolento, sentou na cama, arrumou os cabelos castanhos, penteando-os com os dedos, e colocou os óculos de aros finos marrons.
- Que horas são? – perguntou em meio a um bocejo, com uma expressão carrancuda.
- Meio dia – a Karen respondeu com uma voz estranhamente meiga. Parecia encantada. Que estranho... Seus olhos verdes estavam fixos em algo que ela observava no Gustavo, mas que eu ignorava o que era.
Gustavo Calderas, aliás, era o cirurgião abdominal do hospital. Ele era meio esquivo e anti-social. Não que não fosse simpático, ele até que era, mas evitava se misturar muito. Nunca ia nas festas ou em qualquer evento social. Eu não sabia muito a respeito dele. Mas eu sabia que ele não usava aliança, estava na faixa dos trinta e era extremamente competente em sua profissão.
Ele colocou o jaleco branco enquanto três mulheres olhavam para ele. Duas, as casadas, com um olhar nada amistoso. A Karen daquele modo esquisito. Eu olhava para o chão.
- Gustavo... – a Josi já estava impaciente. Ele se atrapalhava para colocar as mangas do jaleco – Nós temos pouco tempo, quer fazer o favor de sair?
- É. – a Carla disse – Vaza, Gustavo.
Ele, contrariando as minhas expectativas, ao invés de ficar irritado, sorriu. E então se levantou e se despediu. Saiu e fechou a porta.
Sentei na cama em que ele antes dormia. A Carla e a Josi sentaram uma de cada lado. E a Karen continuava olhando para a porta, em pé, como se visse um rastro invisível do Gustavo.
- E então? – a Carla chamou minha atenção, mas eu continuava observando a Karen. Ela parecia ter algo a dizer.
- Vocês viram? – A Karen falou. Pelo visto eu não me enganei. Ela tinha algo a dizer.
- Viram o que? – eu disse, achando graça. Um sorriso mínimo se formava nos meus lábios. Um dos únicos nos últimos dias.
- O Gustavo... – a Karen continuou - Vocês não viram? Caraca! Ele sem os óculos é muito gato! E o que são aqueles músculos do braço dele? Como eu não tinha visto isso antes?
- Ah... – a Carla comentou olhando para as próprias unhas – Ele corre na praia de vez em quando, no calçadão de Ipanema... Já esbarrei com ele algumas vezes... – ela assoprou as unhas, de modo displicente.
- Então... – eu concluí, ainda achando graça – Temos dois médicos gostosos no hospital?
- É. – As três concordaram. A Karen com um aceno de cabeça mais enfático.
- Que bom que eu sou solteira – a Karen afirmou – Por que você três podem olhar, e eu posso, quem sabe, provar, não é?
- Bom... – eu baixei meus olhos e observei meus pés – Eu não me interesso por eles no momento – murmurei – mas eu também estou solteira... Eu acho...
- Rá! Eu sabia! – a Josi gritou. Mas logo se arrependeu. Até porque a Karen e a Carla olharam para ela de maneira fulminante.
Um silêncio desconfortável se fez. As três ficaram caladas, me observando, esperando.
- É... Ele foi embora... Há duas semanas...
- Por que? – a Josi perguntou. – Ora, vocês duas não me olhem assim, eu sou amiga da Luiza, e eu quero saber! Como poderemos ajudá-la, sem saber? É, Lupi. Essa mini reunião é com o propósito de te ajudar. Não agüentamos mais te ver infeliz. Se arrastando pelos corredores. Sabemos que você não está bem.
- Lógico que ela não está bem! – Carla contrapôs – Ela está se separando! – ela se calou e se virou para mim - Mas por que, Lupi? Por que ele foi embora?
- Porque... – eu engoli em seco e continuei olhando para os meus pés. – Ele disse que conheceu outra pessoa, disse que ia morar com ela...
- O QUE? QUE CANALHA! – a Josi gritou.
- É... Mas eu não falei mais com ele... Lá em casa só a Isa atende o telefone. Eu me nego a conversar toda vez que ele liga...
- E ele liga para falar com você? – sensata, a Carla questionou.
- Não, liga para falar com a Isa. Eu não quero falar com ele. Nem vê-lo. Ainda é cedo para mim... Eu ainda não consigo... – cobri meu rosto com as mãos. Eu não iria mais chorar. Já estava farta.
O Alex tinha sumido nos primeiros dias para me dar um tempo, mas antes mesmo da minha mãe ligar para cobrá-lo, ele já tinha telefonado para a casa dos meus pais e falado com a filha.
- Meninas – foi a vez da Karen falar. – Precisamos marcar uma reunião. Um dia que todas nós possamos ir. Vamos ver, de preferência num sábado ou numa sexta-feira à noite...
- Sexta que vem eu não posso, tenho plantão – eu disse.
- E sábado que vem eu tenho um aniversário – Carla falou.
E foi difícil chegarmos a um consenso. Mas, no fim, a reunião ficou marcada para duas semanas, sábado à noite, na minha casa.
- Olha... – a Karen continuou, de um jeito confiante – Eu também fiquei muito mal quando o Michael me dei um pé na bunda, como vocês sabem. Mas umas amigas foram na minha casa, me propuseram algumas listas, as mesmas que nós faremos para a Luiza, e foi assim que eu comecei a melhorar. – ela sorriu, nos deixando bem curiosas.
- Que listas? – eu perguntei.
- É, que listas? – a Josi e a Carla também perguntaram.
- Ah! – a Karen sorriu. Quando chegar o dia, vocês saberão. Se for surpresa, o efeito é mais legal. E vocês verão que elas funcionam. Pelo menos funcionaram comigo. Não é nenhuma receita infalível, vai depender da Luiza.
Elas saíram, voltaram para trabalhar, e eu fiquei sentada mais alguns minutos, sozinha. E pela primeira vez ao ficar sozinha não senti vontade de chorar.
As listas... Que listas? Eu sorri um pouquinho ao imaginar as inúmeras possibilidades de listas... Mas meu pensamento foi interrompido.
- Desculpa... – o Gustavo voltou ao quarto e ficou sem jeito ao me ver ali. – Esqueci meu celular...
- Ah.
- E acho que, provavelmente, você deve estar sentada em cima dele.
- Ah... – eu me mexi, e ele realmente estava embaixo da minha bunda. Que vergonha! Corei de vergonha. Ele sorriu para mim, um sorriso leve, certamente com a intenção de diminuir meu embaraço. E então me deixou sozinha de novo.
Eu também tinha que ir trabalhar. Meu bip vibrou logo em seguida, me chamando para ir ao bloco cirúrgico. Ah... Eu estava sendo chamada para o setor onde o gato do Dr. Bruno costuma operar! Bem... dois minutinhos em frente ao espelho não farão diferença... Agora eu sou uma mulher solteira... Passei um pouco de gloss e amarrei meus cabelos castanhos claros num penteado mais bonitinho. Mas as minhas olheiras profundas, minha face pálida, não cooperaram muito com o penteado bonitinho...
- Gustavo! – eu o chamei. Ele ainda estava no corredor, desligando o telefone no momento em que eu o vi. Ele me olhou – Você pode me fazer um favor? – eu perguntei num impulso, sem pensar.
- Sim?
Não sei da onde veio isso, ele nem era tão meu amigo assim. Era apenas um mero colega de trabalho... Mas e daí? Eu resolvi seguir meu impulso.
- Coloca isso no lixo para mim?
- Isso? – ele franziu as sobrancelhas, de uma maneira intrigada. Sim! Eu estava entregando a minha aliança de casamento para ele colocar no lixo!
- É. Porque eu não tenho coragem de fazer isso, e sei que se eu entregar para as minhas amigas, elas também não o farão. E eu não quero mais ela, entendeu?
- Ah. – ele olhou para o meu anel, que estava agora em sua mão, então olhou para mim, e depois para o anel de novo. – Tem certeza?
- Certeza absoluta.
- Então venha cá. – ele me puxou para o elevador.
- Eu não posso, tenho que ir para o bloco cirúrgico no setor 3. – meu bip tocava novamente.
- Então vamos para o lado de lá. – ele me puxou na direção certa. E então subimos numas escadas, até chegarmos numa janela alta. – Pronto – ele me entregou a aliança e ordenou – Jogue.
- Jogar? Lá embaixo?
- Sim.
- Mas eu não posso!
- Pode sim! – ele ordenou de novo.
- Será? – olhei para ele, olhei para a aliança, e depois para a janela, ainda em dúvida.
Ele sorriu para mim, um sorriso encorajador.
- Você consegue.
- É! Eu consigo! – e eu toquei a aliança com força e fiquei olhando-a se perder no ar. – Legal. – eu esfreguei minhas mãos, mais entusiasmada. – Agora tenho que ir, muito obrigada.
- De nada.
E ele ficou apoiado na janela, provavelmente procurando o meu anel entre os vãos das telhas, enquanto eu me afastava.

Quanto eu cheguei, a sala de cirurgia estava um rebuliço. Vestiram-me às pressas, parecia que todos estavam aguardando por mim. Os auxiliares me ajudaram a colocar a camisa e a calça estéril azuis, o par de pro-pés, gorro e óculos de proteção. No fim nem adiantou a maquiagem, e o mero batonzinho, já que a única coisa que ficou a mostra foi o meu par de olhos castanhos sem graça.
- Desculpem a demora... O que houve aqui?
O Bruno, que estava operando a cabeça da paciente, concentrado em algo que havia em seu cérebro (ele era neurocirurgião), me lançou um olhar tão fulminante e assassino que eu me senti pequeninha. Tudo bem que eu estava atrasada, mas não precisava me olhar como se eu fosse uma criminosa...
- Ela sofreu um acidente de carro. Bateu com a cabeça e sofreu um derrame que estava comprimindo partes importantes do cérebro. Tivemos que operá-la às pressas, senão o dano seria irreversível – Jacson, o anestesista, me explicou. – Ela estava grávida de sete meses, tivemos que fazer uma cesariana de urgência para salvar o bebê.
- O bebê? – olhei para os lados a procura dele. Eu era pediatra, minha função naquela sala seria monitorar o pobre ser pequeninho e indefeso.
- Ele está bem, está na sala ao lado.
- Ok, vou para lá agora.
Antes de sair, olhei novamente para o Bruno. Ele ainda me olhava com uma expressão raivosa. Tudo bem que ele era gato, mas precisava ser tão arrogante?
Quando tudo acabou, e a paciente ainda inconsciente seguiu para a sala de recuperação, o Bruno parou do meu lado. Eu ainda estava cuidando do pequeno ser prematuro. Suas primeiras horas indicavam que ele seria capaz de sobreviver, apesar de ter que passar algum tempo na incubadora. E eu seria uma das pessoas responsável por ele.
- Por que você demorou tanto? – o Bruno praticamente rosnou no meu ouvido, me assustando um pouco com seu tom de voz rude. – Não sabe que em casos como esse, um minuto de atraso pode ser fatal?
Então era isso! Ele estava me chamando de irresponsável! Quanta injustiça! Eu nunca fui irresponsável! Sempre dei o máximo de mim pelo hospital, pelos pacientes! É só que eu não estou bem, ok? Eu tenho o direito de não estar bem uma vez na vida, não tenho?
- Isso é muito anti-profissional, Dra. Luiza – o tom de voz era severo, o que não combinava com o Bruno que eu conhecia. O Bruno que era sempre sorridente e gentil. Que estava sempre flertando com todas as mulheres. – Você não pode deixar que a sua vida pessoal interfira no seu trabalho!
Eu nada falei. Nem me virei para olhar para ele. Então ele me surpreendeu quando sua mão pousou no meu ombro de forma quase gentil. Como se dissesse com esse gesto: eu soube que teu marido foi embora, mas não deixe que isso interfira no teu trabalho, ok? E ele ficou quase um dois minutos com a mão no meu ombro, sem falar nada. E depois foi embora. Estranho...
Nossa! O que foi isso? Eu queria poder ler pensamentos... Como eu queria... O local onde a mão ficou posada pareceu ter ficado formigando... Aliás, que mão...

Era o meu quinto sábado a noite sozinha. Mas dessa vez seria o primeiro em que eu ficaria definitivamente sozinha, já que o Alex estava vindo buscar a Isa para ficar com ele. E no momento eu preparava uma sacola com as coisas dela para que ele levasse.
Será que ele a levaria para conhecer sua nova namorada? Será que a minha filha gostaria dela? Ai, meu Deus! Nem posso cogitar uma coisa dessas! E se a minha filha gostasse mais da sua nova mãe?
Será que o Alex teria a coragem de apresentá-las, sendo algo tão recente? Se isso acontecesse, seria o marco definitivo que a gente não teria mais volta. E pensando bem: eu queria que tivesse volta? Não sei. Eu realmente não faço idéia. Só o que sei é que algo havia mudado em mim, como se eu tivesse levado uma pancada forte na cabeça.
Se por um lado eu ainda sentia muita falta dele, por outro eu não sabia se o queria de volta...
Como ele estaria vestido? Teria comprado roupas novas? Teria feito um novo corte no cabelo? Ele estaria lindo como sempre? Ou ainda mais lindo? Ai, meu Deus! E eu? O que eu faço? Eu não o vejo desde que ele foi embora há infinitas semanas!!!
Nervoso. Muito nervoso. E agora?
Parei na frente do espelho e observei meu reflexo com atenção. Fazia tempo que eu não analisava, por que desde que o Alex se fora eu estava pouco ligando para a minha aparência. Uau! Pouco mais de cinco semanas, e eu claramente já havia emagrecido, pois a bainha do meu shorts estava folgada! E eu sorri. Isso era bom. Pelo menos isso... Quem sabe se eu mudasse de roupa...
Tirei o meu camisetão preferido de ficar em casa e coloquei uma regata justa laranja. Girei na frente do espelho e gostei do resultado ao ver a minha silhueta mais afinada. Mas podia melhorar. Que tal uma roupa mais colada no corpo? Ah, já sei! Posso fingir que eu vou sair! Fingir? E por que fingir? É sábado de noite, e eu estou solteira, e se eu realmente fosse sair?
Liguei para a Karen, a minha amiga solteira, e combinei de sair com ela e com mais duas de suas amigas que eu não conhecia. Isso vai ser legal, eu acho. Tirei do fundo do armário um vestido que não me servia mais. Preto. Justo. E curto.
Uau! Uau mesmo! Girei-me na frente do espelho, sentindo realmente feliz pela primeira vez em dias. Mas podia melhorar, quem sabe se eu tirasse o sutian? Ai, meu Deus! O decote ficou bem insinuante. E agora um par de brincos. Pronto! Escolhi um dourado, comprido, com uma pedra verde água na ponta. Maquiagem. Quando eu terminava de me pintar, ainda descalça, a campainha tocou. Din Don. O Alex chegou. Toda a minha alegria desapareceu no mesmo instante, dando lugar ao medo.
Oh, Deus! Ele está lindo! Definitivamente está lindo! Não consegui me controlar, fiquei parada na porta, pasma, olhando ele passar! Ele é meu marido, meu marido! E de alguma forma ele não é mais eu! Quero beijá-lo, mais não posso mais! Quero abraçá-lo, mas não posso mais! E agora, meu Deus! Como agir normalmente?!! Ele me cumprimentou com um “Oi” meio sem jeito, sem me olhar direito, e disse:
- Vou lá no quarto pegar algumas coisas minhas.
E eu não consegui responder. Onde foi parar minha voz? Ele foi para o quarto, e eu fiquei ainda parada na porta olhando para ele. O meu Alex, o homem que eu amo desde os 19 anos, não é mais meu!!! Como isso foi acontecer? Não era para ser Luiza e Alex para sempre??? Onde foi que eu errei???
- Pai!!! – ouvi a voz da Isa, que corria para ele e certamente se jogava no colo dele. Ela podia fazer isso, eu não. Isso não é justo!
Ele falava alguma coisa para a Isa de um modo carinhoso, mas eu não consegui entender nada. Nada. Sua voz parecia um zumbido. E eu esfreguei a cabeça para passar a dor.
Fechei a porta da casa, que eu ainda mantinha aberta, e fiquei escorada nela, aguardando.
- Bem, nós já vamos. – ele comentou olhando para a Isa que estava em seu colo. Na mão levava uma sacola cheia de roupas.
Eu fiquei olhando para ele, ele não me olhava. Mas eu não conseguia tirar meus olhos de cima dele. E também não conseguia falar. Oh, Deus! E eu que achei que já estivesse bem! Por que eu tenho que ter essa recaída?
Olhei para as mãos dele... E eu engoli em seco... As mãos que costumavam me acariciar agora acariciavam outra! Meu peito se apertou um pouco mais. Na hora que ele passava pela porta, foi que ele reparou.
- Vai sair? – ele perguntou, analisando a minha roupa com uma expressão surpresa.
- Vou... – eu menti. Por que sabia que depois de vê-lo eu não teria mais ânimo para nada. Provavelmente eu me jogaria na cama e me acabaria de tanto chorar. Mas ele não precisava saber disso.
- Vai aonde? – ele perguntou, me surpreendendo. Acho que nem ele esperava por essa pergunta.
- Que? – eu disse num fio de voz, meio perplexa. Por acaso ele ainda se importava?
- Vai aonde e com quem?
- Que? – eu repeti ainda mais atordoada. Aonde e com quem? Para que ele quer saber disso? Será que ele ainda se importa? Será que ele sente ciúmes? Mesmo que eu não quisesse, meu peito involuntariamente se encheu de esperança. E se ele ainda gostasse de mim? E se ele ainda sentisse algo por mim?
Ele também deve ter percebido que suas perguntas não faziam o menor sentido, por que falou:
- Nada. Esquece. – ele ia saindo, mas depois parou, de costas para mim, como se pensasse, e então e disse – Você está muito bonita, Lupi. – E daí sim ele foi embora com a Isa quietinha no colo.
Oh, meu Deus! Mas o que significava isso? Fiquei imóvel uns dois minutos, totalmente atordoada. Depois fui direto para o meu quarto, me joguei na cama e compulsivamente desatei a chorar.


Capítulo 03

Estávamos no refeitório do hospital. Almoçava com a Josi e o Gustavo, que havia se tornado mais meu amigo depois daquele episódio do anel.
- Então? – a Josi enfiava na boca uma folha inteira de alface – O que será que são aquelas listas da Karen? Você não está curiosa, Luiza?
- Claro que sim!
Era terça-feira, quase dois meses sem o Alex... Nosso encontro de meninas estava agendado para esse sábado.
- Que listas? – o Gustavo, até então calado, perguntou para mim. Aliás, o Gustavo era sempre calado e era um milagre ele não estar sentado numa mesa sozinho. Quero dizer, mais ou menos milagre, já que eu praticamente exigi que ele sentasse conosco.
- Umas listas que a Karen disse que me ajudarão a superar... – eu disse e então me calei. Era estranho contar para ele que eu estava mal pela separação. Ele não era tão meu amigo, sei lá... Não me senti a vontade...
- Ah. Entendi. – ele deu um leve sorriso e baixou os olhos para o seu pedaço de bife, começando a cortá-lo.
Nesse momento o meu celular começou a tocar. Eu não fazia idéia de onde ele estava, e logo descobri que a origem do som vinha do bolso do meu jaleco esquecido sobre a cadeira do lado.
- É o Alex! – eu me surpreendi. Ele nunca mais havia ligado para o meu telefone, só para o número de casa quando sabia que a Isa atenderia. Fiquei chocada, olhando para o número que tocava e tocava.
- Atende! – a Karen ordenou.
- Não! – eu disse.
Mas o Alex insistia. A ligação caiu de tanto chamar e logo recomeçou a tocar.
- Quer que eu atenda? – o Gustavo propôs, talvez meio de saco cheio de ouvir a música do meu celular. Mas meu toque era tão fofo: a música Somewhere over the Rainbow versão do Israel Kamakawiwo. Então eu nao entendia como ele poderia se cansar de ouvir.
- É, deixa ele atender! – a Karen se entusiasmou.
- Para que? – eu fiquei confusa.
- Para fazer ciúmes, é claro! – a Karen explicou.
- Ciúmes! – eu disse – Eu não quero que ele sinta ciúmes! Deixa que eu atendo. Com licença.
E eu me levantei e fui para o corredor.
- Alô.
- Oi Luiza, é o Alex!
- Eu sei. – respondi meio de mau humor. – O que você quer?
Ele pareceu não esperar essa recepção, por que ficou sem palavras por alguns segundos.
- Eu... Hã... A gente pode conversar?
- Fala, Alex! – fui super ríspida.
- É... Olha só... Eu queria te perguntar uma coisa... – ele pigarreou e eu logo percebi que eu não iria gostar. – Você acha que a Isa gostaria de conhecer a Nati?
- Quem?! – certo, eu imaginava quem era a Nati, mas levei baita um susto, por que até aquele momento eu não fazia a idéia do nome da ladra de maridos.
- A Natalie... – ele explicou, totalmente sem jeito – Minha namorada.
- Sei lá, Alex! – meu mau humor aumentou. Ele tinha uma namorada! – Você está interrompendo o meu almoço!
Fala sério! Natalie é ou não é nome de puta? Não falo de todas as Natalies, mas nesse caso é sim! Nome de puta! Puta dupla, com dois T de tão puta: P-u-t-t-a!
- Mas eu queria a tua opinião...
Deu vontade de responder de um modo desaforado. Respirei fundo. Tinha que pensar no bem da minha filha.
- Eu acho que é muito cedo para isso. A Isa já está bastante confusa com tudo.
- É. – ele concordou - Eu também acho.
- Então porque me perguntou?!!
- Por que você é a mãe dela...
- E daí?! – eu o interrompi sem a menor paciência – Ultimamente você tem feito tudo sem me perguntar!
- Ah... É... Desculpa...
- Agora eu posso almoçar?
- Lupi...? – a voz dele ficou suave. Certo que ele queria algo de mim – Como foi a noite de sábado?
Sério! Eu me controlei para não rir! Ele estava com ciúmes! Definitivamente ele estava com ciúmes! Vai entender...
- Muito boa.
- Você... Conheceu alguém?
- Um monte de gente.
- Você entendeu o que eu quis dizer.
- Não te interessa, Alex. Minha vida intima não te diz mais respeito. – e eu desliguei. Eu desliguei na cara dele! Ele ficou com ciúmes! Ficou! Voltei para o almoço com um sorriso bobo no rosto.
- E a Josi? – só o Gustavo continuava na mesa.
- O bip dela tocou.
- Ah...
- O que foi? – ele percebeu meu sorriso.
- Nada não...
O Alex estava com ciúmes de mim! Aêêê! Mas daí então eu lembrei que ele tinha uma Natalie, e meu sorriso morreu.
- Você conhece alguma Natalie, Gustavo?
- Eu? – ele franziu a testa, surpreso. – Eu não.
Eu olhei para os cabelos dele. Hmmm... O corte dele era meio nerd, e aqueles óculos ajudavam a criar o visual de nerd... Talvez, ele até pudesse ficar bonito...
- Deixa eu fazer uma coisa... – eu me inclinei em direção a ele. Só havia mais dois médicos mais velhos almoçando naquele momento. E então tirei os óculos dele. Ele ficou surpreso, me olhando. E então em mexi nos cabelos dele, bagunçando-os. – Pronto. Bem melhor. – eu sorri para ele com uma expressão bem cara de pau.
- Hunf. – ele soltou um resmungo, recolocou os óculos e tentou colocar os fios de cabelo no mesmo lugar de antes, naquele seu penteado lambido de vaca no topo da cabeça e com as pontas que pareciam agulhas afiadas, me olhando meio mal humorado. Eu tive que rir dele.
Meu bip vibrou. Que pena, eu tive que ir. Era tão divertido irritar o Gustavo!

Era quinta-feira. O Alex pediu para jantar com a Isa. Eu não tinha nada para fazer... Fui para o vestiário trocar de roupas, eram 17 horas, hora de eu ir embora.
- Gustavo!- ele também estava saindo cedo. – Nossa, que camisa horrorosa! – falei num impulso, acho que o deixei chocado, por que ele me olhou de um jeito... – Já sei! Você tem algum compromisso agora?
- Não, por quê?
- Então vamos para o shopping!
- Para que? – ele não pareceu nenhum pouco agradado com a minha sugestão.
- Comprar roupas para você, ora! Sabe que com o corte certo de cabelos, e com umas roupas mais... – olhei para a camisa solta e grande dele – mais... – procurei a palavra adequada – bonitinhas...
- Caraca! – ele disse.
Uau! Ele falou uma gíria! O Gustavo todo careta e certinho falou uma gíria!
- O que que há, hein, Luiza? Você agora tá sem ter o que fazer e resolveu me infernizar?
- Exatamente! – eu ri. Sério! Quanto mais irritado ele ficava comigo, mais ele me divertia! E isso certamente preencheria o meu vazio.
- Venha! – eu o puxei pela gola da camisa.
- Não, nem pensar! – ele se manteve firme.
- Por favor!
- Não!
- Só uma loja, eu juro que não te faço bater pernas pelo shopping! Por favor!
Ele pareceu pensar.
- Só uma loja – ele afirmou e pareceu rosnar. Que bonitinho, ele rosna! Isso vai ser divertido!

- Nossa, já são 8 horas! O tempo voou! – eu comentei.
- Só ser for para você. – ele resmungou. – Para mim foram as horas mais longas da minha vida.
- Ah, Gustavo, qual é? Eu só te levei para uma loja, tal como eu prometi.
- Mas me fez provar uns 10 pares de calças, e umas 10 camisas...
- Há há há. A loja era grande. – eu ri. – Para onde nós vamos?
- Para o estacionamento. Ir embora. – ele respondeu decidido. Alargou os passos.
- Mas... – eu fiz uma carinha de cachorro pidão, algo que costumava funcionar com o Alex. – Nós não vamos jantar aqui?
- Jantar? Eu e você?
- É! Minha companhia é tão desagradável assim? – eu caprichei mais um pouco na minha expressão de pidona.
- Não. Mas eu quero ir para casa.
- Tá bom. Eu janto aqui. Sozinha. – fiz bico.
- Cara!!! – ele resmungou de novo. E então suspirou. Encarou-me com uma cara amarrada – Tá bom. O que você quer comer?
Eu apontei na indicação da minha escolha e encaixei meu braço no dele. Ele me olhou como se meu braço tivesse dado um choque nele e eu me afastei depressa.
- Quero deixar bem claro – ele parou de andar e me disse – Que eu não estou interessado em um relacionamento. Só para esclarecer.
- Nem eu! – eu retruquei, meio ofendida.
- Não é nada pessoal, Luiza. Você é uma mulher bonita, mas eu estou muito bem sozinho.
- Ah... – o meu cérebro filtrou e selecionou suas palavras preferidas – Você me acha bonita?
- As vezes.
- Puxa... As vezes?
- É. As vezes.
- Grosso – eu belisquei o braço dele e então sorri. – Eu não estou em busca de um relacionamento também. Na verdade, eu só quero um amigo. Ah! E talvez um pouco de sexo também – ele me encarou perplexo e eu logo acrescentei – Mas não com você.
Sentamos e pedimos dois chopes e ficamos analisando o cardápio.
- Por que não?
- Hmm? – eu estava concentrada da lista de alimentos.
- Por que você quer sexo, mas não comigo?
- Por que? Posso fazer uma lista de motivos. Porque – comecei a enumerar com os dedos - você é meu colega de trabalho. Porque você atualmente, pode parecer patético, mas você é o meu melhor amigo homem. Porque eu não te acho bonito. Acho que você tem potencial para ser tornar bonito, mas no momento não me atrai. Mas quem sabe, na próxima vez que a gente sair, a gente possa providenciar um corte nesse teu cabelo, ou...
- Não! – ele me interrompeu com o cenho cerrado.
- Não o que?
- Chega de comprar roupas para mim ou de querer me arrumar!
- Mas o teu cabelo é feio...
- Eu gosto dele assim.
- Se você diz... Então, o que você quer comer?
- Nada.
- Nada?
- É. Nada.
- Mas você não vai jantar?
- Eu não como nada fora de casa.
- Não come nada..? Por que não?
- Porque não.
- Mas por que não? – eu insisti. – No hospital você come.
- Não sei como os alimentos são limpos. A cozinha do hospital eu conheço, dou uma conferida nela todos os dias.
- Credo! Há há há. Como você é cheio de manias!
- Hfm. – ele resmungou. De novo.
- E resmungão. – eu acrescentei.
Eu sentei mais perto dele, e segurei os cantos das suas bochechas, forçando um sorriso.
- Você não desiste, hein? – ele então não se agüentou e riu.
- Olha! Ele sabe rir! – debochei - Ah, bem melhor. – eu peguei o cardápio de novo - Eu vou querer um hamburger. Tem certeza que não vai querer?
- Tenho.
- Então eu proponho uma troca! Cubro um plantão teu se você comer um hamburger!
- Verdade? – ele pareceu interessado.
- Sim!
- Meu plantão da segunda que vem.
- Feito! Posso pedir dois hamburger?
- Pode.
- Então? – ele olhava o hamburger com desconfiança, como se o pedaço de carne fosse feita de algum animal exótico. Até que, sob o peso do meu olhar, se arriscou a morder um pedaço. – E ai? Gostou?
- Gostei. – ele admitiu. – Só espero não passar mal amanhã.
- Há há. Também espero. Já sei! Semana que vem, se você não passar mal, vamos sair e comer sushi!?
- Não, nem pensar. De jeito nenhum que eu comerei peixe cru.
- Então pizza? – eu arrisquei.
- Hmmm – ele pareceu pensar - Tá bom. Pizza.
- Que dia?
- Quarta? Terça você estará cansada por ter feito o meu plantão. – ele provocou. Mas eu não liguei. Estava me divertindo na companhia dele.
- Tá bom. Quarta a gente sairá para comer pizza. E você pode até escolher a pizzaria. – tomei um gole do meu chopp – Sabe, Gustavo, se você cortasse esse cabelo...
- Não! Deixa o meu cabelo em paz!
- Tá bom. Eu só ia dizer que se você cortasse esse cabelo – eu sorri, totalmente debochada – Eu até pensaria no caso de fazer sexo contigo.
- Verdade?
- Não. – e eu gargalhei.
Ficamos conversando e bebendo chopes até quase dez horas.
- Onde você está? – o Alex ligou para o meu celular. Eu ainda estava no shopping.
- Jantando fora. – eu sorri. Tinha bebido três chopes e me sentia tão bem. – Por quê?
- Porque eu estou na frente de casa, com a Isa, e não tenho as chaves! – ele estava irritado. – Você trocou a fechadura, lembra?
Não pude evitar uma risadinha.
- Luiza!
- Ah... Tá... Vocês já chegaram... Bom... Eu deixei meu carro em casa, então tenho que pegar um táxi...
- Eu vou te buscar. – o Alex disse. Nesse momento o Gustavo pediu a conta e fez um sinal para mim.
- Ah, não precisa. O Gustavo me leva. Tchau, Alex.

- Sabe que eu acho estranho, Gustavo? – eu comentei no carro. Ele me levava para casa. Íamos rápido, porque nessa hora quase não tinha trânsito - O meu marido me dá um pé na bunda, arranja uma namorada que se Natalie, deve estar morando com ela, e ainda assim, acha que pode me controlar. Não é irônico?
- Não. É perfeitamente normal.
- Normal?
- É. Sentimento de posse.
- Posse?
- É. Ele pode estar apaixonado por essa Natália...
- Natalie – eu corrigi, dando ênfase no l-i-e. Ops. Minha língua enrolou um pouco.
- Mas não quer que você arranje outro, por que ainda te vê como uma propriedade dele.
- Ah... É só isso? Propriedade? Como uma casa ou um carro?
Fiquei desiludida. Então não era por que ele sentia algo por mim? Ou por que ele estava arrependido?
- É.
- Hmmm. – eu suspirei, desanimada.
- Você ainda o ama, não ama?
- Sim...
- Você vai superar isso, não se preocupe. – ele mudou a marcha do carro e então acariciou rapidamente a minha mão, para me consolar.
- Gustavo! – eu sorri para ele – Você está sendo gentil comigo! Até parou de resmungar! Aliás, - eu olhei para o relógio – Faz mais de uma hora que você não resmunga, sabia?
- Ah – ele também sorriu – deve ser por causa do chopp, não pela companhia.
Ele estacionou na frente da minha casa.
- Eu me diverti hoje, apesar de tudo. – ele comentou enquanto eu abria a porta.
- Eu também.
- Então, semana que vem, pizza na quarta-feira. – ele disse, retomando o nosso compromisso.
- É. Pizza. – então eu lembrei - Ou sushi.
- Não – ele não pode evitar uma careta – Pizza. É mais seguro.
Sai do carro rindo, e foi assim que eu encontrei o Alex. Na mesma hora parei de rir.
- Mamãe, tô com frio! – ela correu ao meu encontro - Abre a porta?
- Desculpa, filhinha. – eu me apressei em pegar o molho de chaves, mas tive dificuldades de encaixá-las no buraco da fechadura. Nossa! Não fazia idéia que eu estava bêbada!
- Dá isso aqui! – o Alex arrancou as chaves das minhas mãos. Ele parecia ultra irritado.
Ao ver a porta aberta, a Isa correu para dentro.
- Quem é esse Gustavo? – ele perguntou.
Eu ia dizer: não te interessa, mas mudei de idéia.
- Um amigo.
- Tem certeza que é só amigo?!! Você não acha que é muito cedo para você arranjar um namorado?
É sério! Ele falou isso! E ele disse isso com todas as letras!!! Ele tem uma namorada e teve a cara de pau de me dizer um ultraje desses! Nossa, que ódio!!! Totalmente exaltada, eu bati a porta com força na cara dele! Era isso, ou esmurrar o nariz dele na frente da Isa. E ainda falei:
- Vai se catar!

Capitulo 04

- Oieee! Então, eu fui a primeira a chegar? – a Carla entrou na minha casa. Era sábado a noite.
- Não, a Josi e a Helô já chegaram. Há meia hora.
- E vocês começaram a beber sem mim? – a Carla resmungou ao entrar na sala.
- É óbvio, né mulher! – a Helô, irmã da Josi e a única não médica que participaria da reunião falou ao se levantar para cumprimentá-la. Ela era tatuadora! Desenhava e fazia tatuagens incríveis! – Quanto tempo, Carlinha. Nossa, uau! Como você cresceu! – ela brincou apontando para uma parte agora mais evidente do corpo da Carla.
- Pois é. Silicones. – a Carla sorriu orgulhosa dos seus novos seios. – Gostou?
- Sim! Arrasou!
- Escuta só, Carla. Escuta o que a Lupi estava nos contando. – a Josi disse.
- O que? – a Carla me olhou.
- O Alex não queria ficar com a Isa hoje. Ele achou que eu ia sair com alguém! – eu ri.
- É sério? – a Carla ficou intrigada. – Mas com quem?
- Com o Gustavo! – a Josi respondeu por mim.
- Com o Gustavo? – a Carla estranhou – Com o nosso Gustavo? Com o nosso colega Gustavo?
- É. – eu confirmei, sem desmanchar o sorriso.
- E por que ele estaria com ciúmes do Gustavo? – a Carla continuou sem entender. – Ele nem conhece o Gustavo.
Então eu contei da nossa jantinha no shopping na terça e de todo o resto.
- Ah... – a Carla sorriu.
- Mas isso não vem ao caso! O que importa – a Helô comentou exaltada – é que ele está com ciúmes!
- Será que ele está arrependido? – a Carla pensou em voz alta.
- Não está! – eu disse – Ele queria apresentar a querida Natalie para a Isa hoje!
- Cachorro! – a Josi grunhiu apertando os dentes.
- Sarnento! – a Helô completou.
- Verme nojento! – a Carla se uniu ao coro.
E elas ficaram me olhando, esperando que eu dissesse algo.
- Hmm... – eu estava sem inspiração, então repeti – Cachorro, sarnento, verme nojento e...
- E???
- Ai, não sei! Ele na verdade é lindo, e não é sarnento, e não é um verme, e...
- Ai, meu Deus! – a Helô colocou as mãos sobre a cabeça de maneira dramática – Bebe mais um pouquinho, bebe. – ela me alcançou a caipirinha de limão que estávamos tomando.
- Vou fazer uma caipira de morango. – a Josi ergueu uma sacolinha que ela trouxe com morangos. – Alguém quer?
- Eu! Eu! Eu!
Nesse momento a campainha tocou.
- Karen!!! – todo mundo começou a gritar. E eu fui abrir a porta.
- A menina das listas! – a Helô berrou.
- Ih! – a Karen fez uma careta debochada – Pelo visto cheguei tarde! Vocês já estão bem alegrinhas! – ela riu.
- Karen! – a Carla falou – Você sabia que a Lupi tem saído com o Gustavo?
- Ah é? – ela olhou para mim. – Bom, tem a minha aprovação. Acho ele bem gatinho.
- Não tenho saído com o Gustavo nada – eu contrapus – ele é meu amigo e a gente só jantou uma vez!
- É! Mas vão jantar de novo quarta que vem – a Josi me denunciou.
- E daí? – eu retruquei – Ele é meu amigo! Não significa nada.
- Bom, bom, bom. – a Karen pegou uma folha em branco e uma caneta – Isso nós leva a primeira lista.
- A primeira lista! – a Helô repetiu com os olhinhos brilhando. Estávamos todas curiosas.
Nós quatro sentamos no sofá e ficamos olhando para a Karen. A Josi abandonou na cozinha a sua caipira de morango em fase de preparo.
- Sim. – a Karen olhou para mim. – Mas tem que pensar rápido. Lembrem-se, foram dez anos de relacionamento. A primeira lista é dos proibidos.
- Proibidos? Que papo é esse? – a Josi franziu a testa, meio frustrada. A Helô bateu no braço dela para que a irmã calasse a boca.
- É, Lupi. Pense rápido! Cinco homens que você pensou em beijar nesses dez anos!
- Claro! – a Carla gostou da idéia – Ela não podia, mas agora pode!
- Bruno. – foi o primeiro que veio a minha cabeça. Nossa! Eu tinha muita, mas muita queda por ele! Eu e todas as mulheres do hospital, diga-se de passagem – E o Tiago, primo gato do Alex. Ah! E um carinha que fez residência na mesma época que eu, o Pablo. E... Ah! O Rodrigo Lombardi!
- Rodrigo Lombardi? – a Helô me encarou, surpresa. – Esse não vale, é ator! É inacessível!
- Mas eu já vi ele jogando futevôlei na praia... – eu me expliquei – e ele é tão gato pessoalmente... Ai... Gato mesmo...
- Viu! – a Karen se entusiasmou – É essa a função da lista! Desviar a atenção! Fazer com que ela não pense no Alex e sim nos homens da lista!
- Então o Rodrigo Lombardi vale? – a Josi perguntou.
- Sim! Claro que vale! – a Karen disse.
- E ai? – a Helô me encarou. – Tá faltando um!
- Ah é... Mas é que o Rodrigo Lombardi... – eu estava em choque, só conseguia pensar em beijá-lo. Com um Rodrigo Lombardi e um Bruno na lista, quem precisaria dos outros três?
- Não, não. – a Helô retrucou – Falta um.
- O Gustavo! – a Karen propôs, já colocando o nome dele no papel.
- Não! – eu disse – Eu não quero beijar o Gustavo!
- Por que não? – ela perguntou.
- O cabelo dele é feio! – eu argumentei.
- Não é feio, só comprido. – a Carla disse.
- E repicado nas pontas – a Josi acrescentou – Parece roído por traças!
- É! E ele não quer cortar! – eu afirmei - O Gustavo não!
- Tá bom. – a Karen riscou o nome com apenas um traço em cima, deixando-o visível – E então quem? – ela me olhou, esperando.
- Então quem... ? – eu fiquei pensando e subitamente me veio na cabeça – O teu irmão!
- Meu irmão? – a Karen ficou chocada – Mas ele só tem 23 anos! E você tem 29!
- E daí! Ele é um gato! – eu disse. – E 23 aninhos... Humm... Tá no ponto. – eu provoquei. – Aliás, dizem que o ápice sexual do homem é aos 20 anos, e o da mulher é aos trinta... Não é perfeito?
- É Karen! – a Helô falou meio risonha – Se o Rodrigo Lombardi pode, o teu irmão também pode!
- Tá bom, tá bom! O quinto da lista: meu irmão! – ela rabiscou a lista apesar de contrariada. – Toma, Lupi. – me passou o papel. – Primeiro tema de casa: nas próximas cinco noites, você irá dormir pensando em cada um deles. Uma noite para cada, não é para fazer suruba, viu? E para não pensar no Alex, vale fantasiar bastante, tá? Só não abusa muito do meu maninho, tá?
- Há há há. – eu achei graça. – Eu vou fantasiar com o Rodrigo Lombardi! Vou beijá-lo e fazer sexo com ele em pensamento! – então arregalei os meus olhos e subitamente fiquei chocada – E se eu tiver sonhos eróticos com o Bruno? Como trabalharei com ele depois? Ai, meu Deus!
As quatro riram da minha expressão de pavor.
- Fácil! Você agarra ele no vestiário depois e mata a tua vontade! – a Josi riu – Ele é um galinha mesmo, vai até ficar feliz.
- Rá-rá – eu ironizei.
- Agora esperem! Nada de próxima lista, até que eu traga a minha caipirinha.
Alguns minutos, a Josi voltou com a caipirinha de morango. Todas bebemos mais um pouquinho. Eu dei um último gole na de limão, antes de provar a de morango. Delícia! Delícia como o Bruno... e como o Rodrigo Lombardi! Não é que essas listas realmente funcionam? Quem é Alex mesmo?
- Segunda lista – a Karen falou e fez-se milagrosamente o silêncio. – Liste cinco características que você quer num próximo namorado.
- Como assim? – eu não entendi.
- É! Assim ela pensa no que não gostava no Alex – a Karen explicou – e tenta arranja um melhor. E pensar nos defeitos que ela não gostava, ajuda a esquecê-lo mais rápido.
- Faz sentido... – as minhas outras três amigas balbuciaram entre si.
- E então? O que você quer num próximo namorado? – a Karen perguntou já com um novo papel e uma caneta na mão.
- Eu quero que ele me deixe ler na cama! Por que o Alex nunca deixava, dizia que a luz machucava os olhinhos sensíveis dele! – eu ironizei. – E quero um homem que saiba cozinhar e que cozinhe para mim! E um homem que consiga prolongar o tempo do sexo, porque com o Alex era quase sempre três minutos no máximo! E um homem que não fique controlando os meus gastos, por que fala sério: eu trabalho e ganho o meu dinheiro e devo gastá-lo como eu quiser! E um homem que me deixe dirigir de vez em quando e que não diga que as mulheres são barbeiras! E um homem que goste de dançar! E que note quando eu corto ou pinto o meu cabelo ou compro uma roupa nova!
- Foram sete. – a Helô me interrompeu.
- Hã? – eu a olhei, surpresa.
- É, foram sete características. Eram para ser só cinco.
- Pronto. Aqui está a tua lista. – A Karen me estendeu o segundo papel – Guarde esse papel para se lembrar quando conhecer alguém. E quer um conselho – ela riu - Fique satisfeita se achar duas características dessas em um homem. Não existe homem perfeito, amiga – ela confidenciou – Eu ainda estou procurando.
- E a terceira lista? A primeira é para sonhar – a Carla concluiu – a segunda é para destruir os sonhos – ela riu – e a terceira?
- A terceira é para a Lupi melhorar. Diga rápido cinco coisas que você gostaria de mudar em você.
- Meu cabelo. Perder 2 ou três quilos. Começar a fazer exercício. Comprar roupas novas, gostaria de mudar meu estilo. E hã... o meu nariz.
- Teu nariz? – a Josi e a Helô olharam direto para ele.
- Mas o teu nariz é tão bonitinho... – a Carla disse.
- Mas ele é meio batatinha, queria que ele fosse mais arrebitado. – puxei a pontinha dele para cima. – Acho que as mulheres de nariz arrebitado, como a Nicole Kidman, parecem tão mais poderosas!
- Perder peso você não precisa mais – a Helô falou ao olhar a minha lista. – Você está super bem, só precisa, talvez, endurecer um pouco. Criar músculos.
- Endurecer? – a Josi encarou a irmã.
- É! Ela é meio molenga. Alias, com exceção minha e da Carla, todas vocês precisam endurecer, amigas. Sem querer ofender, é claro.
- Mas o Otávio não reclama! – a Josi exclamou, parecendo ofendida.
- O Alex também não reclamava, não é Luiza? – a Helô não se deu por vencida e alfinetou. Queria claramente dizer: e viu o que aconteceu com a Luiza?
- Você está insinuando que o Otávio vai me largar? – as duas irmãs começaram a se estranhar, como muitas vezes acontecia. Elas se adoravam, mas em algumas ocasiões brigavam como cães e gatos.
- Se você diz... – a Helô acrescentou, com um ar falsamente inocente.
- Tá. Chega vocês duas. – a Carla ralhou e então propôs – Amanhã a Luiza vai começar a fazer academia comigo! Tem uma perto da minha casa que abre no domingo.
- Eu vou? – eu estranhei. Não estava com a menor vontade. Academia? Exercício? Eca!
- Sim! Vamos bolar uma estratégia! Primeiro, modelar o corpo! Depois roupas novas! – a Carla, nossa amiga geração saúde e agora siliconada acrescentou - E por último um corte de cabelo radical.
A Helô me puxou e me fez ficar em pé. Elas ficaram levantando e abaixando o meu cabelo, que atualmente estava mais de um palmo baixo dos ombros.
- Um dedo abaixo do ombro. – a Karen disse e segurou meu cabelo na posição indicada.
- Não! Deixa assim, nesse comprimento, e faz umas mechas loiras. – a Helô deu outra idéia.
- Quem sabe nessa altura – a Carla mostrou um dedo apenas mais comprido que a idéia da Karen.
- É! Também acho que mais curto ela fica mais fatal! Perde esse ar de menininha. – foi a vez da Josi falar. – E mechas loiras. Eu também sou a favor. A Lupi é meio branquinha. Ficaria bem com mechas loiras.
- E o nariz? – eu perguntei.
- Deixa o nariz! – todas exclamaram.
- É! – a Helô, mais sincera ainda que a irmã, como se isso fosse possível, disse: - Ele é um charme assim, meio batatinha.
- Verdade? – eu a encarei, ainda me sentindo insegura com relação ao meu nariz.
- Verdade. Alguma vez eu te menti?
- Não...
- Então... – a Karen concluiu – A estratégia é: sonhar com os homens da lista, procurar nos outros homens as qualidades que o Alex não tem e depois que a gente trabalhar o teu novo visual, garanto que você terá conhecido alguém.
- Eu não quero conhecer ninguém. – eu objetei.
- Então... – a Helô deu um gole na caipirinha – quem sabe a gente muda o prêmio: depois que acontecer tudo isso, garanto que você fará um sexo bem gostoso com o Bruno. – ela sorriu, com uma expressão meio marota.
- Ah é? – meus olhinhos brilharam. Sexo com o Bruno... Que ótimo prêmio de consolação!
- Viu? – a Josi gargalhou – Ela gostou! Agora vamos pedir a pizza? Tô morrendo de fome!
- Vamos!!!

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