sexta-feira, 26 de março de 2010

Tempo de Ser Feliz - Capítulos 5 a 9


Capítulo 5

Era novamente sexta-feira e fazia uma semana que Isa trabalhava no Pub. Naquele dia saberia se seria ou não aprovada. Saberia se poderia manter o sonho de permanecer naquele país tão distante de casa, onde podia – finalmente - sonhar com uma vida nova e onde o passado parecia não persegui-la com tanta intensidade. Erik estava sempre com ela, não importava o lugar, ele estava sempre em seu coração. Mas pelo menos na Inglaterra tudo era novo, e os lugares pelos quais passava não lhe traziam tantas lembranças. Achava o sotaque inglês fascinante, e estava encantada com as novas amizades que fizera tão rápido. Era como se começasse a se abrir novamente, pois sentia-se ultimamente como se estivesse fechada num casulo, um casulo que ela mesma construíra para se proteger e que agora estava com dificuldades para romper.
Ia caminhando até o Pub feliz, carregando a certeza de sua aprovação em sua mente. Sabia que Gerard estava satisfeito com o seu trabalho e não apenas com o seu trabalho – andava e ria sozinha – sabia que ele estava encantando com ela também. Percebia os olhares disfarçados que ele lhe lançava a cada vez em que cruzava o seu caminho. Aquele olhar intenso, que parecia penetrar-lhe a alma. Era certo que se não fosse por Rebeca, já estaria em seus braços. Ele era um homem irresistível e despertava nela emoções que há muito tempo adormecidas.
Tinha visto Rebeca apenas duas vezes rapidamente, pois ela não costumava ficar muito tempo no Pub. Como Melanie lhe informara, Rebeca era exageradamente ciumenta e seus ciúmes já tinham provocado diversas brigas entre o casal. Então, ela evitava ao máximo ver Gerard em seu ambiente de trabalho, onde a bebida e a paquera rolavam soltas e onde podia perceber olhares descarados sobre o “seu homem”, como ela fazia questão de enfatizar.
Rebeca era uma mulher alta e magra, com porte de modelo, muito elegante e bem arrumada. Estava sempre com enormes saltos que a deixavam ainda mais alta, quase da mesma altura de Gerard. E com seu grande tamanho tentava intimidar um pouco Isabela, fazendo questão de empinar o nariz e a olhar de cima. Por onde passava, deixava atrás de si um rastro de perfume: um cheiro suave e envolvente. Tinha cabelos compridos e castanhos claros, quase na altura da cintura, liso, mas com algumas ondulações leves nas pontas. Isa percebeu que ela era linda, e que tinha um sorriso encantador, embora não tivesse sorrido para ela. Pelo contrário: olhou-a com a cara amarrada, deixando claro que não estava satisfeita com sua presença.
- Que bom que você chegou, Isabela! Temos que ter uma conversa, pois nosso prazo de uma semana encerra hoje.
- Eu sei. E então? Estou aprovada? – indagou, deixando transparecer sua ansiedade.
- E ainda tem alguma dúvida? – perguntou, com um leve sorriso nos lábios.
Isa sentia-se imensamente feliz naquele dia. Tanto pela certeza da aprovação, quanto com a possibilidade de rever Dilan. Era novamente sexta-feira, o dia em que ele e seus amigos costumavam se reunir no Pub e ela o veria pela segunda vez. Estava ansiosa e agitada, se apegara rapidamente a ele, necessitava desesperadamente de sua amizade e também da companhia de outras pessoas. Precisava conversar, dar risadas, como fizera com Vicky e Melanie. Cansara de ficar sozinha e agora reascendia nela a vontade de estar cercada de pessoas.
Dilan foi o primeiro a chegar, como sempre acontecia, e a cumprimentou com alegria, com um beijo no rosto. Conversaram animadamente e Isa logo lhe deixou a par das novidades. Tudo para ela era novo e ele a escutava atentamente, ficando sinceramente contente pelo progresso da nova amiga.
Após sua chegada, veio George, seguido de Melanie e Thompson, Valentine e por último Vicky e Adam.
Embora Isa não pudesse sentar-se com eles, pois tinha que trabalhar, percebeu que se divertiu muito nos poucos momentos em que permaneceu entre o grupo. Até Adam lhe pareceu mais simpático e George menos cafajeste. Mas ela estava carente de pessoas, o que fazia que apreciasse a companhia de todos e inclusive os visse com melhores olhos. Apenas Valentine era uma exceção, pois continuava a tratando com antipatia e, além disso, era amiga de Rebeca.
- Isa, você quer sentar e conversar um pouco com eles? – Gerard chegou por trás dela, sorrateiramente, e falou próximo ao seu ouvido, como num sussurro. Isa deu um pulo, assustada com a aproximação, encolheu um pouco os ombros e virou rapidamente para ele, com o rosto vermelho. E o salto nervoso - e ao mesmo tempo engraçado - provocou algumas risadas entre os dois.
Ele estava muito próximo, e ela procurou se acalmar para se concentrar em sua pergunta e poder responder adequadamente.
- Sentar com eles? Mas eu não tenho que trabalhar? – balbuciou.
- Hoje estamos com pouco movimento e eu posso liberá-la agora. – fez uma pausa e a encarou, com um sorriso nos lábios. Ele sabia o quanto ela se sentia sozinha e achava que dar esse tempo a ela lhe faria bem - Mas com uma condição.
- Qual? – gelou.
- Preciso da sua ajuda. Venha comigo. – ele saiu e a pegou pela mão, puxando-a pelo caminho. Isa lhe seguiu, calada, confusa e agitada. Sua mão era grande, mas se encaixava com perfeição a dela.
“Essa mão deve ser capaz de fazer maravilhas!”- refletiu, fitando suas mãos entrelaçadas. Mas logo se policiou para controlar seus pensamentos.
Assim que pararam em seu destino, passando por um corredor curto e estreito, Isa tentou respirar normalmente para que ele não percebesse o efeito que tinha sobre ela. “Se ele souber, estou perdida.”- pensou.
- Não repara a bagunça, Isa. Aqui é o nosso depósito. Quase ninguém vêm aqui.
Isa encostou-se na parede, apreensiva. Estavam sozinhos e longe dos olhares curiosos, e ela se perguntava o que ele queria com ela. A sala era pouco iluminada, com várias caixas de cerveja espalhadas pelo chão, algumas vazias e outras caixas carregadas com garrafas cheias de cervejas de várias marcas.
- Já que não vai mais trabalhar, Isa, e sei que gosta de cerveja, quero te pedir um favor.
- Hum?
- Eu e meu primo Adam estamos tentando desenvolver uma cerveja artesanal, que seria uma exclusividade da casa. Mas está difícil de acertarmos a receita. Sempre acho que falta algo, mas penso que desta vez estamos próximos do resultado final. Quero que você a prove, pois preciso da sua opinião.
- Minha opinião? E se eu não gostar? Posso ser sincera?
- Mas é claro! Eu preciso de sua sinceridade, Isabela. Não posso correr o risco de lançar uma cerveja sem estar certo de sua qualidade. Ela é produzida de acordo com a Reinheitsgebot, lei alemã da pureza de 1516. Conhece essa lei?
- Não.
- A Lei de Pureza consiste na composição: água, malte, lúpulo e fermento, sem nenhum conservante. Ela dura menos tempo e por isso deve ser consumida num prazo menor. Nossa produção tem como objetivo atingir um público de apreciadores com paladar requintado, que conheçam uma boa cerveja, sabendo diferenciá-la, a cerveja pura, de uma cerveja com química. “Life is too short to drink cheap beer” (a vida é muito curta para bebermos cerveja barata).
- Meu paladar não é muito requintado, será que eu saberei apreciá-la?
- Certamente. Não digo essa nova, pois ainda está em fase de teste, e não sei se possui o sabor adequado. Mas assim que você provar e se acostumar com esse tipo de cerveja, não irá mais querer saber de nenhuma outra.
Isa concordou em provar. Ele a fitava com atenção, enquanto ela sorvia lentamente a bebida.
- E então?
- Não sei... Está boa, mas falta alguma coisa.
- Viu? Eu disse! Mas o quê? Eu já provei tantas vezes e fiz tantas modificações que não consigo mais apontar o defeito!
- Ela está boa, mas está meio choca.
- Choca? Como assim?
- Sabe quando a gente esquece a cerveja no freezer e a bebemos no outro dia após descongelar e ela fica meio sem graça? Para mim é uma cerveja choca.
Ele deu uma risada.
- É isso mesmo, Isa! Acho que até sei como corrigir. – Agradecido, deu um beijo em seu rosto. Isa corou.
- Posso beber um pouco mais? – ela perguntou.
- Ah, você gostou então?
- Eu adoro cerveja, e como não bebi nada a semana inteira fiquei com vontade. Estou com abstinência. – gracejou.
- Claro, Isa. Mas posso te oferecer uma melhor do que essa. – abriu outra garrafa – Essa também é artesanal, mas não foi feita por nós. Quero chegar a um sabor semelhante a essa.
- Hum... muito boa! – bebeu tudo meio rapidamente, pois queria sair logo dali. Não era adequado ficarem tanto tempo sozinhos, ele tinha namorada e era o dono do bar. – Vamos voltar para lá?
- Ainda não.
- Não? Mas por quê? Ainda tem algo para me mostrar?
- Tenho. – afirmou com convicção ao mesmo tempo em que se aproximou, a tomou nos braços e a beijou desta vez na boca.
Isa não teve tempo de esboçar nenhuma reação. Se tivesse podido pensar, teria se esquivado e fugido desse contato. Mas ele a abraçava com firmeza, e ela não conseguia se soltar. E nem sabia se queria realmente se soltar. Estava carente, então se permitiu a entrega.
Durante o beijo, que durou alguns minutos, muitas coisas passaram por sua cabeça, que fervilhava com mil pensamentos. Entre eles pairava a duvida se ela havia desaprendido a beijar. Gerard era um homem tão lindo, tão maravilhoso, e era impossível que o beijo dele fosse ruim daquela maneira. Não mesmo. O problema devia ser com ela, pois estava sem prática.
Ela a beijava com a boca tão aberta, que Isa tinha a sensação que seria engolida por ele. Seus lábios encobriam os dela, e sua língua a invadia de uma maneira meio bruta, explorando-a de um modo desconfortável.
“Que estranho – ela refletiu - será que desaprendi a beijar?”
“Agora só falta ele lamber meus dentes”- pensou e abafou o riso em meio ao beijo.
Ela não estava gostando, queria encerar logo o beijo. Mas como fazer isso sem ser indelicada? Como se afastar dele sem que ele percebesse o que ela sentia?
“Que situação que eu me meti!” – pensou ainda agarrada a ele, mas louca para sair correndo dali. Queria cavar um buraco para se enfiar e simplesmente sumir. Mas ela não teve que se preocupar muito tempo com isso, pois foram interrompidos por batidas na porta.
Isa se afastou rapidamente e se deparou com Adam parado, de braços cruzados, encarando-os com um semblante visivelmente contrariado. Parecia irritado.
Pega em flagrante numa situação que sabia ser errada, Isa sentiu-se envergonhada. Corou e desviou o olhar, não conseguindo encarar nem Adam, nem Gerard. Mais uma vez, desejou sair correndo e fugir das conseqüências de seus atos, feito criança.
Gerry tinha namorada e ela sabia que não devia ter permitido esse beijo. Sabia que não era certo e não queria ser responsável pela separação de um casal que, apesar de tudo, parecia feliz. Se ao menos o beijo tivesse sido bom, não se sentiria tão culpada e arrependida. Mas tinha sido horrível e ela se amaldiçoava por ter tirado o beijo de Erik de seus lábios. Sempre que pensava em um beijo, pensava na boca de Erik. Sempre que tocava em seus lábios, lembrava com saudades que ele fora o último homem que ela beijara. E achava que evitando outros beijos, sentiria o gosto de Erik ainda sobre os seus lábios. Que fazendo assim, prolongaria o contato com ele. E agora, depois desse beijo, sentia-se como se o Erik partisse um pouco mais.
Após alguns segundos de um silêncio constrangedor, Adam falou:
- Rebeca está a sua procura, Gerard. Eu sabia que os encontraria aqui. – fez uma pausa e emendou – E imaginei o que vocês poderiam estar fazendo. – mas não havia malicia em sua voz.
- Rebeca está aqui?
- Sim, está lá no bar.
- Com licença, Isabela. – Sorriu sem graça e saiu apressado.
Isa se viu sozinha com Adam e naquele momento não sabia o que dizer. Tomou coragem e timidamente subiu o rosto e o encarou. Mas ficou confusa com o que viu. Não sabia se era apenas sua impressão, mas achou que seu rosto refletia preocupação e não mais a irritação que vira anteriormente.
Ele se acercou um pouco mais, se posicionando ao lado dela. Permaneceram mudos, olhando para frente e evitando se encarar. Então ele indagou:
- Como você está Isabela? – e a fitou de um modo carinhoso, que ela estranhou.
As palavras de Melanie logo lhe vieram à mente: “Adam é um amigo dedicado e tem um ótimo caráter.”
Ele era um amigo dedicado, mas ela mal passava de uma desconhecida, por que ele se preocuparia com ela?
- Eu estou bem – balbuciou, constrangida – Obrigada.
- Falei tantas vezes para meu primo se manter afastado de você, mas de que adiantou? – discorreu nom tom indignado – Gerard não toma jeito, não pode ver uma mulher bonita que não consegue se controlar! Mas você não merece isso, Isabela. Você deve se afastar dele.
Deixou a voz morrer, mas ficou no ar o que queria dizer. Embora ele não falasse claramente, ela entendeu: você não merece isso porque já sofreu demais com a morte do seu marido. Você não merece sofrer novamente se envolvendo com alguém feito Gerard.
Isa estava confusa: por que ele se preocupava com ela? Justo com ela que o julgara tão mal a princípio. Que falara mal dele até para seu melhor amigo. Ele não era chato, afinal. E agora, analisando-o com atenção, percebeu que ele não era feio. Pelo contrário: era extremamente bonito. Ele a fitou e percebeu que estava sendo observado e sorriu com um dos cantos dos lábios.
“Melanie tinha razão – pensou – com um sorriso no rosto ele fica lindo.”
“Ele disse que Gerard não resiste a uma mulher bonita, será que agora eu fui promovida de sem sal a bonita? O que será que esse homem misterioso pensa a meu respeito?“
Isa retribuiu o sorriso e decidiu que agora se dedicaria a desvendar esse mistério. Afinal, o beijo do Gerard tinha sido tão ruim, que ela não estava mais interessada nele.
- Você está bem mesmo?
- Estou. – foi sincera e sorriu, para não deixar dúvidas. – Não se preocupe que isso não vai mais se repetir. Não tenho a menor intenção, pode acreditar, de beijar teu primo novamente.
Ele a encarou - confuso - sem saber se podia acreditar nela ou não. Será que finalmente achara alguém que sairia imune das garras de Gerard? Resolveu mudar de assunto e perguntou:
- Vejo que provou a nossa cerveja. – reparou na garrafa aberta.
Ela consentiu com um balançar de cabeça e um sorriso maroto no rosto. Estava decidida a desvendar esse homem, nem que para isso precisasse testá-lo.
- E então, o que achou?
- Não sei bem... – ela então pensou e decidiu provocá-lo. - Para falar a verdade, não vi nada de especial nela. Parece meio sem sal – afirmou com deboche, olhando-o com firmeza e com um olhar provocativo.
Ele ficou envergonhado, mas manteve o olhar.
- Mas...? Como..? – ele se atrapalhou, mas continuou encarando-a – Sim... Sim... Foi o que eu falei... – ele coçava o canto do queixo enquanto parecia se esforçar para recordar de suas palavras exatas. Não havia dúvidas. Ela sabia - Dilan te contou?
Não queria que ela soubesse o que falara a seu respeito, ainda mais agora que a sua opinião começava a mudar.
- Não. Eu ouvi.
- Ah. – ele não soube o que responder. Mas vendo a maneira como ela o enfrentava, só o que pôde pensar foi: interessante!
Ela agora disfarçava um sorriso, sentindo-se vitoriosa, e percebendo o embaraço dele, prosseguiu:
- Vamos sentar lá com os outros? Estou louca para beber alguma coisa.
- Pelo jeito você já este perfeitamente recuperada. Sabe que encontrará Gerard com Rebeca?
Ela deu de ombros.
- E sabe que eu não ligo a mínima para eles?
- Hum... Que bom para você.
- Adam...- ela murmurou no caminho, enquanto voltavam à parte movimentada – Promete que não conta para ninguém o que você viu?
- Sim. Prometo.
- Obrigada. Não vou esquecer disso.
“Nem eu”- ele concluiu.
**
Isa chegou em casa cansada, estava arrasada naquela semana, pois tinha recebido a confirmação do diagnóstico de seu pai: câncer! Aquela palavra forte que agora não saia de sua cabeça: então era isso, seu pai estava com câncer de próstata. E só de pensar nessas seis letrinhas unidas tinha vontade de chorar. Parecia que seu mundo estava desabando. Seu pai poderia morrer, pois o tumor já estava em estágio avançado e o médico lhe dera poucas esperanças. Porque isso tinha que acontecer com seu pai? Seu amado e amoroso pai! Não era justo: ele não fumava, bebia pouco, tinha recém feito 56 anos, fazia exercícios regulares e preocupava-se com sua saúde. E era novo demais para morrer, idéia que Isa não podia sequer conceber. Proporia que fizessem todos os tratamentos disponíveis, usaria todos os recursos necessários para salvá-lo. Nem que para isso se endividassem e tivessem que morar embaixo da ponte.
E com esse estado de ânimo chegou em casa. Só queria chorar e buscar consolo nos braços de Erik. Seu amado Erik, que nessas horas sempre sabia como acalmá-la, sempre sabia o que fazer, mesmo que não usasse as palavras adequadas. Só o seu abraço, o seu olhar, um simples toque nos cabelos, eram capaz de consolá-la. Mas ele não estava em casa. Ligou para o celular dele:
- Onde você está Erik? Você disse que chegaria cedo! – ela resmungou, quase chorando – Preciso de você aqui comigo.
- Calma, Isa. Já estou chegando. É que tenho uma surpresa para ti.
- Uma surpresa? Está bem, mas não demore tanto, não quero ficar sozinha. Por que você levou a Meggy junto? Queria ela aqui comigo.
- Ah.... Ela pediu para vir junto com tanta insistência que eu não pude negar. Você sabe como ela adora andar de carro, não é?
- Sim, meu amor, eu sei... Mas volte logo, está bem? Eu não quero ficar sozinha.
- Está bem. Já estamos a caminho.
Isa abriu a porta para recebê-los com os olhos vermelhos da tanto chorar. Passara o dia dando apoio para sua mãe, não demonstrando a tristeza que lhe consumia, querendo ser forte e aparentar calma – quando o que sentia era justamente o contrário – e quando chegava em casa deixava as lágrimas aflorarem. Chorara tanto durante essa semana, mas não era capaz de parar. Ela sabia, embora não comentasse com ninguém, ela sabia que seu querido pai morreria. Sempre tinha esses pressentimentos, era muito sensitiva, e poucas vezes costumava errar. Conseguia fazer previsões, ver além dos outros. Não sabia por que, mas era assim.
- Erik! – Jogou-se nos braços dele quando ele ainda estava no meio do corredor. Ele a abraçou, carinhoso, e a levou para dentro. Meggy pulava nas pernas de Isa, fazendo festa.
Após ficar um tempo agarrada a ele, como se precisasse das energias do corpo dele para repor as suas, é que ela percebeu que ele trazia junto algumas caixas.
- O que é isso? – indagou, confusa. – Erik, o que são esse monte de caixas? O que foi que você comprou dessa vez? Não podemos gastar dinheiro, Erik! Meu pai está doente! Não podemos comprar nada! Podemos precisar de dinheiro, Erik!
- Mas, meu amor... Vi que a nossa poupança tinha bastante dinheiro e resolvi fazer compras para ver se te deixava um pouco mais animada.
- Mais animada, Erik? Como vou ficar mais animada se meu pai está com câncer?!! Como vou ficar mais animada se meu pai pode morrer, Erik?!! – ela gritava, exasperada – E o dinheiro na nossa conta, você sabe para que é, não sabe? Você sabe que há anos estou economizando para viajarmos para a Europa! Que eu sonho em conhecer a Inglaterra e a França! Mas nunca consigo ir, porque você está sempre usando o dinheiro que eu economizo e gastando em besteira! Pelo jeito vou morrer sem conhecer a Europa, Erik! Me sinto uma fraude, sabia? Vendendo viagens e falando empolgada de um lugar que eu não conheço! Mas já vi: vou morrer sem conhecer a Europa!
- Pare de falar em morte, Isa! Teremos muito tempo pela frente, teremos muito tempo ainda juntos para viajarmos por todo o mundo.
- Ah, é? E como você sabe disso?
- Por que somos jovens e cheios de vida, meu amor.
Ela o fulminou com o olhar:
- E desde quando os jovens não podem morrer? – encarou-o com raiva.
- Você não quer mesmo ver o que eu comprei para ti?
- Não. – irritada, foi para o quarto e bateu a porta. Naquele dia, decidiu tomar banho sozinha e trancou a porta do banheiro para que ele não pudesse entrar. Sempre tomavam banho juntos, todos os dias. Aquele era um momento que compartilhavam. Era um momento dos dois: gostavam de conversar, se abraçar, ensaboar um ao outro, embaixo do chuveiro.
Mais tarde Isa descobriu o que ele comprara: um home teather. Comprara pensando somente nela, já que era ela que costumava ver muitos vídeos. Isa era uma devoradora de filmes, especialmente romances. Erik não assistia junto, pois não era um gênero que lhe atraísse. E enquanto ela via filmes, ele muitas vezes sentava ao seu lado no sofá e ficava lendo ou fazendo outra coisa qualquer. Ele e Meggy eram suas companhias, mesmo que às vezes não estivessem participando das mesmas atividades e que não compartilhassem sempre dos mesmos gostos.
Naquele dia, Erik tinha passado na locadora de vídeos e alugado uma comédia romântica, um filme que sabia que ela gostaria de ver. E mesmo odiando esse tipo de filme, estava disposto a assistir com ela. Tudo que ele queria era ver se conseguia animá-la um pouquinho, pois lhe partia o coração vê-la sofrendo daquela maneira.
E agora, pensando nesta briga, Isa se arrependia amargamente. Como queria poder voltar no tempo e mudar tudo. Poder apagar todas as brigas e retirar todas as coisas ruins que dissera para ele. Quanto tempo perdido! – refletia e se amaldiçoava.
Se ela ao menos soubesse que teriam tão pouco tempo juntos, se tivessem dito a ela que ele partiria tão cedo, teria feito tudo diferente... Mas como ela poderia desconfiar? Se soubesse, teria aproveitado mais cada segundo do seu lado. Teria curtido cada momento, ao invés de perder tempo com coisas tão pequenas. Agora percebia que brigas eram perda de tempo. Agora estava mais madura, ela sabia, e seu comportamento era outro. Evita discutir, evitada ficar de mal com qualquer pessoa. Sempre que brigava com alguém, rapidamente pedia desculpa. Pensava: “sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas, pode ser a última vez que a vemos.” E ficava feliz ao lembrar que estavam bem quando se viram pela última vez. Sentia-se leve ao recordar a última frase dita a ele: “Não demore muito meu amor, eu te amo.” Pelo menos isso. Não agüentaria se ele partido após uma briga.
**
Capítulo 6
*
A semana passou rapidamente, sem nenhuma intercorrência. Gerard continuava cercando Isabela de atenções, mas ela não dava abertura para novas investidas. Não tinha a mínima intenção de repetir aquele beijo. O fascínio que Gerard exercia sobre ela foi todo perdido depois daquela ocasião.
“É incrível o efeito de um beijo ruim – refletia analisando Gerard de cima a baixo - eu ainda o acho bonito, aliás, muito bonito, mas não sinto mais nenhuma atração por ele. Melhor para mim!”
Depois do beijo, passou a trabalhar mais desarrumada, com o cabelo desarranjado e roupas folgadas. Queria que Gerry (era esse o apelido de seu charmoso chefe) a achasse feia para deixá-la em paz. E ele tinha Rebeca, que era linda e maravilhosa, não precisava dela.
Mas naquela sexta-feira, acordou com a energia renovada e percebeu algo diferente em si mesma: sentiu vontade de ficar bonita, de chamar atenção. Naquele dia, ela acordou com a certeza que não queria mais ser considerada sem sal. E embora não admitisse, queria que certa pessoa a promovesse de sem sal à bonita. E apesar de não saber bem o que fazia, a certeza que o veria, melhorava seu ânimo e alterava seu comportamento.
Decidiu que sairia para comprar roupas depois da aula de Melanie, algo que não fazia há muito tempo. Não pensava mais nela, não pensava em se cuidar desde que Erik se fora. Tudo que tinha de novo eram presentes, a maioria presentes de sua mãe e de Ilana, outros de algumas amigas. Um dia, assim que ela tivesse em condições, agradeceria da forma adequada a todas essas pessoas queridas que cuidaram dela, quando ela não tinha condições de cuidar de si mesma.
- Oi Melanie! – abriu a porta sorrindo para a nova amiga. Era a sexta aula de português e Melanie fazia progressos lentos. Não que ela tivesse dificuldades de aprendizado, mas pela complexidade do idioma.
- Oi Isa!
A cada nova aula crescia a intimidade entre elas. Com apenas essas poucas aulas, elas sentiam-se a vontade uma com a outra como amigas de longa data. Compartilhavam segredos e opiniões que não gostariam que outros soubessem. Isa achava isso incrível, já que suas melhores amigas eram antigas, a maioria do tempo do colégio e outras poucas da vizinhança, amizades que mantinha desde que era criança. Mais velha, aumentava a lista de conhecidas, mas nenhuma nova amiga era adicionada. Percebeu que a cada ano ficava mais difícil para ela fazer uma verdadeira amizade. Talvez porque com a idade se sentisse ressabiada, percebendo que nem todas as pessoas eram boas e sinceras e não se abrisse com a mesma facilidade com que fazia quando mais nova. Mas com Melanie foi bem diferente: gostou dela de imediato, confiando plenamente nela. Logo percebeu que Melanie também se sentia sozinha e tinha a mesma necessidade de se agarrar a ela. Melanie tinha nascido e crescido em Londres, e lá deixara toda sua família e amigos. Embora fosse perto, não podia vê-los tanto como desejava e os únicos amigos que tinha em Birmingham eram os amigos de seu marido Bill Thompson.
- E então, pronta para mais uma aula?
- Sim, fazer o quê? – suspirou resignada e logo após sorriu – E você, Isa? Pronta para hoje à noite? Aliás, ainda não acredito que você achou o beijo de Gerard ruim! Não consigo acreditar que aquele homem possa fazer qualquer coisa ruim!
- Pois é, Mel. Ainda bem que eu não segui teus conselhos de não beijá-lo. – riu – Agora estou perfeitamente curada e anti-Gerry.
- Que bom, querida. E quanto ao Adam?
- O que tem ele? – se fez de desinteressada. – Vamos à aula, Mel?
Melanie deu uma gargalhada.
- Sempre tentando mudar de assunto quando eu toco no nome dele.
- Mas é que não há nada para dizer.
– Sei - Melanie a encarou de uma maneira como se soubesse de algo que nem Isa sabia.
- Está bem, eu confesso: acho ele bem interessante! Você tinha razão: ele é bonito, querido e tem um sorriso cativante. Mas quero apenas ser amiga dele, Melanie. Não estou pronta para me envolver com ninguém e fiquei um pouco traumatizada depois de beijar o Gerard... – fez uma careta.
- Está bem. Me convenceu. Você tem o seu tempo e eu não te forçarei a nada – sorriu e pensou: “Mas espero que ele te force”.
- Vamos à aula então?
- Claro! É só para isso que eu estou aqui, não é mesmo? – zombou.
**
Isa fez algumas compras durante a tarde. Empolgou-se com várias roupas, como há muito tempo não fazia, mas só pôde comprar duas peças pela falta de dinheiro. Escolheu uma calça preta e uma blusa branca. Iria aproveitar a sua boa forma para usar cores claras, que normalmente evitava quando estava com sobrepeso. Mas com o sofrimento e a perda de apetite emagrecera muito. Agora, voltando a comer normalmente, recuperara alguns quilos e se mantinha magra, mas na medida certa. Sabia que estava com um corpo bonito.
“Pelo menos isso – pensou – pelo menos sofrer serviu para me deixar magra. Adorei essa blusa branca: ficou perfeita!”
Pegou-se pensando: “Espero que ele goste também”.
Com surpresa percebeu que estava se preocupando demais com “ele”.
“Talvez eu deva beijá-lo também, para ocorrer o mesmo que aconteceu com Gerry.”
“Não, melhor não. É tão gostosa essa nova sensação de ter em quem pensar, de ter com quem se preocupar, que eu não vou beijá-lo nunca para não passar.”
Naquela noite, Dilan chegou cedo e para a surpresa de todos, Adam foi o segundo a chegar. Normalmente, era o último aparecer, quando o fazia, porque costumava faltar com freqüência a esses encontros. Adam trabalhava demais e constantemente perdia a hora dos encontros. Seus amigos diziam que ele era viciado em trabalho.
Quando ele chegou, Dilan estava sentado na mesma mesa de sempre, enquanto Isa lhe servia e eles conversavam alegremente. Ao percebê-los, Adam voltou a ter aquela cara amarrada que Isa já conhecia, fato que a deixou intrigada.
- Oi? – ela falou e mal ouviu a resposta.
“Estranho” – pensou ao se afastar, deixando os dois amigos à vontade.
- Adam! Que falta de educação! Isso é maneira de cumprimentar a Isabela? E o que você faz aqui tão cedo?
- É, eu devia ter chegado mesmo mais tarde para não interromper o papo. Vocês pareciam tão empolgados! – respondeu com rispidez.
Dilan fitou o amigo, intrigado.
- Adam, meu amigo, você não está com ciúmes, está? Por acaso está interessado nela? – não escondeu a satisfação com tal possibilidade, apesar de estar assombrado com tal possibilidade - Por que se estiver, quero te informar desde já que somos apenas bons amigos. E já te disse antes que acho que ela é a mulher perfeita para ti.
- Não Dilan. Claro que não estou com ciúmes! Que idéia! Aliás, não estou nenhum pouco interessado nela. E só vim mais cedo porque resolvi encerrar antes o expediente.
Dilan concordou com a cabeça e fingiu acreditar.
- E além do mais – Adam resolveu acrescentar - Gerard chegou primeiro.
Dilan passou a olhar na mesma direção de Adam, que prestava atenção em seu primo e Isabela.
- Mas ela não me parece interessada nele. – Dilan comentou ao observá-los.
“Porque você não sabe o que eu vi”- pensou, mas nada disse. Prometera a ela que contaria a ninguém e manteria sua palavra.
Nesta noite Valentine e Vicky não compareceram. Tinham o aniversário de uma amiga em comum.
Sentaram-se à mesa Melanie e Bill Thompson, George, Dilan e Adam, que bebiam cerveja e conversavam. Adam permanecia com o semblante sério e Isa o achou mais calado do que nas outras vezes. Ficou um pouco triste, porque gostaria de ter a sua amizade. Não sabia por que, mas se importava com ele. Queria saber o que ele pensava a seu respeito e por que ele a evitava quando tinham se dado tão bem no último encontro.
Melanie estava um pouco deslocada no meio dos homens, e sempre que podia Isa ia lá falar com a nova amiga. Conversava com os outros também e eram todos muito simpáticos com ela, todos com exceção de Adam. E Isa estava novamente começando a sentir raiva dele.
Como não podia permanecer com o grupo por muito tempo, fazia visitas rápidas e logo voltava ao trabalho.
Quando estava próxima do balcão, ajeitando uma bandeja com copos para servir, Gerard chegou por trás dela e falou-lhe ao pé do ouvido, num tom sedutor:
- Então, Isa? Quer que eu te libere mais cedo de novo?
Ela se manteve de costas para ele, e percebeu que Adam os observava atentamente com seu rosto inexpressivo.
- Depende do que eu tiver que fazer para isso. – ela respondeu, meio acuada.
Ele deu uma risadinha e Isa ficou apreensiva com o que ele lhe proporia em seguida. Passou a olhar para o chão, visivelmente contrariada, e quando levantou os olhos levou um susto ao perceber Adam parado diante deles. Ele reparou que ela não estava satisfeita com a abordagem de Gerard e resolveu interferir, pois não achava certo esse comportamento de seu primo.
- O que foi Adam, o que você quer? – Gerry perguntou sem disfarçar o mau humor.
Isa estava colocada entre os dois e notava a troca de olhares irritados de ambas as partes. Gerard tinha segundas intenções, e Adam era novamente o seu salvador. Ela só não entendia por que ele se importava, já que a ignorara no restante do tempo. Olhou para a mesa em que os outros estavam, e ficou embaraçada ao perceber a atenção de todos sobre eles.
- Você vai liberar Isabela mais cedo hoje? – Adam questionou num tom amigável.
- Acho que sim, por quê?
- Por que combinei com ela que hoje EU a levaria para provar a nossa cerveja.
- Hum... – apesar de contrariado, Gerry conseguiu disfarçar - Isso é verdade, Isabela? Você combinou com Adam?
- Sim – ela respondeu com firmeza, apesar de estar um pouco confusa com a situação.
- Está certo, então. Podem ir. Fiz as últimas modificações que combinamos, espero que agora você aprove Isabela.
Ela assentiu, e logo foi puxada por Adam.
Ainda que ele mantivesse a mesma cara amarrada, ela sorria por dentro. Sentia-se feliz, pois dois homens lindos haviam acabado de disputá-la. Embora um dele não quisesse nada com ela – ela tinha certeza- ele a protegia e se preocupava com ela. E ela não pôde abafar mais o sorriso. Ria em silêncio enquanto ele a puxava para aquela mesma sala que Gerard a levara há uma semana.
- O que foi? – ele percebeu sua expressão alegre.
- Nada. Só estou feliz. Obrigada por me salvar.
Ele parou de andar e a fitou com atenção. Naquele momento teve certeza que agira certo. Levantara e a tirara de Gerard num impulso e não pensara direito a respeito. Então retribuiu o sorriso.
- Você vai me dar mesmo cerveja ou foi só uma desculpa para me afastar do Gerard?
- Não sei. Você quer?
Ela assentiu, movimentando a cabeça e sorrindo.
- Ela está mesmo diferente? Ou vocês ficam querendo me trazer para essa salinha com segundas intenções? – gracejou.
- Ela está mesmo diferente. Eu sei, porque fui eu quem fez as modificações. Mas tenha certeza que Gerard tinha segundas intenções.
- Eu sei. E obrigada por me salvar.
Ele se afastou um pouco e abriu uma garrafa.
- Já que é para provar vou te servir só um pouquinho, está bem?
- Sim. Mas se eu gostar quero o copo cheio.
Ele sorriu.
- E então? – a observava atentamente, ansioso pela aprovação.
- Hum... Agora sim! Está muito boa! – ela estendeu o copo - Quero mais.
Ele, satisfeito, serviu até a borda.
- E você não vai beber também? E vai desperdiçar essa cerveja maravilhosa? – ela indagou com um ar maroto.
- Está boa mesmo?
- Sim. Claro que sim. Por acaso está me chamando de mentirosa? – ela provocou, brincalhona.
Ele não disse nada, apenas sorriu, mas ficou satisfeito com a informação. A elaboração dela tinha lhe consumido muito tempo. E foram vários meses até chegarem àquele resultado.
- Então vou me servir um copo também. Mas não podemos voltar para lá com ela. Teremos que tomá-la aqui mesmo, pois até o lançamento a manteremos em segredo.
- E quando será o lançamento?
- Ainda não decidimos. Talvez semana que vem. Tem certeza que está boa?
- Claro! Mais do que boa, está ótima. Você não nota quando bebe?
- Claro que sim. Mas como fui eu que fiz, não sei se a acho boa porque quero que ela esteja boa.
- Ah! - Ela achou graça e riu.
Ele ficou em silêncio e passou a analisá-la, discretamente. Espantou-se ao lembrar que um dia a considerara sem graça quando na verdade ela era linda. Logo não sabia mais o que dizer e ficaram em silêncio. Se não estivesse tão perturbado com sua presença, certamente agiria diferente. Mas ele estava interessado nela, encantado com ela e simplesmente não sabia como se portar. Ficava nervoso e não sabia sobre o que falar. Diante dela, ficava mais sério e calado do que era normalmente.
- E nós vamos ter que beber esse copo enorme em pé? – ela rompeu o silêncio.
- Hum... Podemos sentar lá fora se você quiser. Tem uma mesinha aqui atrás e podemos beber a vontade.
Ele a fitou de uma maneira que Isa não soube o que pensar. Aquele homem era um mistério. Mas ela não teve a menor dúvida e sem qualquer hesitação aceitou o convite. Ela ficaria sozinha com ele numa mesa, longe de todos. Extremamente tentador.
A noite estava agradável para sentar na rua, não estava frio e o céu estava bonito e estrelado. Aquele lugar poderia ser muito romântico, se eles estivessem no clima para isso. Mas ambos travavam batalhas internas que não permitiam tal envolvimento, a menos que alguém desse o primeiro passo, só que nenhum dos dois estava disposto a isso. Então, mantinham em segredo esse interesse mútuo que despertava de forma surpreendente em seus corações.
- Posso buscar a garrafa para gente beber o resto? Será que eles não sentirão a nossa falta? – ela indagou.
- Podem até sentir, mas acho que ninguém se importará se ficarmos um pouco mais aqui. Você quer voltar?
- Não. Você quer?
- Não.
Isa já estava mais solta pelo efeito da bebida e falava pelos cotovelos. Contava sobre sua vida, falava de vários assuntos, inclusive sentia-se a vontade para lhe fazer algumas confidências. Sentia-se bem com ele e embora ele fosse quieto, recebia o encorajamento que necessitava em seu olhar.
- Semana que vem a tua amiga volta?
- Sim! E minha irmã Ilana virá junto e trará Meggy! Ah, desculpa, eu já te falei isso, não é?
- Sim, Isy. – ele achou graça - Três vezes contando com essa.
Isy... Ela estranhou quando ele a chamou assim pela primeira vez, diferente dos outros. Mas gostou daquele novo som em seus lábios e não se opôs.
- Mas é claro! Só eu que falo. Você só escuta.
- Mas você não me deixa falar.
- Ah, desculpa. O que você iria me perguntar mesmo?
- Se você precisará de algum lugar para ficar quando tua amiga voltar.
- Ah, sim. Na semana que Ilana estiver aqui ainda ficarei na casa da Claudia, mas depois tenho que procurar outro lugar. Não posso ficar para sempre com eles. Mas por que a pergunta?
- Por nada. Só pensei numa possibilidade... Só tenho que ver se o local que eu pensei ainda está disponível e depois eu te aviso.
- Está bem. Mas agora me conte algo também. Eu falei toda a minha vida já, assim não é justo – ela resmungou.
- Eu não tenho nada para contar. Acho que a minha vida não é tão emocionante quanto a tua.
Ela fez uma careta.
- Ah não.... Se você não me contar nada eu também não irei mais falar. E ficaremos em silêncio até terminarmos a cerveja e daí eu irei embora sem me despedir. – ameaçou.
- Ah, Isy... Eu não me sinto a vontade para falar. Ainda mais que recém nos conhecemos... Não me sinto ainda à vontade para contar a minha vida.
- Como assim? – ela elevou a voz, indignada – Eu te conto toda a minha vida, achando que somos amigos, e depois tenho que ouvir que eu não passo de uma desconhecida?
Levantou do banco, furiosa.
- E você acha que eu, por acaso, costumo sair contando sobre a minha vida para qualquer um? – pronunciou, exaltada – Eu não devia ter me aberto com você! Não devia ter te falado nada! Devia ter ficado com a primeira impressão que eu tive de ti: que você é um chato e insuportável! E agora tenho certeza disso! Com licença, que eu vou embora.
Virou as costas e saiu bufando, deixando atrás de si um Adam estupefato. Ele franziu a testa confuso. “O que foi isso?” – se perguntou, inicialmente sem reação. Isabela ficou tão furiosa que nem ao menos percebeu que fazia uma tempestade num copo d`água. Por que ele tinha que ter esse efeito sobre ela?
Ela iria entrar no Pub, mas lembrou que encontraria todo mundo e não estava com nenhum ânimo para conversar. Então deu meia volta, para sair pelos fundos, e teve que passar novamente por ele.
- Isy! – ele a chamou, mas ela o ignorou e continuou seu caminho, decidida.
- Isy!
Ela continuou ignorando e ele resolveu então correr atrás dela. Não a deixaria ir sem uma explicação.
- Isy, desculpa. – Ela a segurou pelo ombro, fazendo com que ela parasse. Nossa! O toque de seus dedos em seu ombro... O que era isso? – Você tem razão. Eu agi como um tolo. Me perdoa?
- Não. – como uma criança birrenta, ela não queria dar o braço a torcer. Isa estava assustada com tudo aquilo.
- Isy, por favor. – ele suplicou e ela enfim encarou aquele lindo par de olhos azuis. – Me dá mais uma chance?
- Chance?
- Sim, Isa. Me dá outra chance de ser seu amigo.
- Amigo? – pensou – Está bem, mas com uma condição.
- Qual?
- Você vai ter que me contar algum segredo da próxima vez que nos encontrarmos. Um segredo que ninguém saiba. Mas tem que ser um grande segredo, porque dessa maneira você mostrará que confia mesmo em mim. Daí poderemos ser amigos.
- Um segredo?
- Sim! – ela já se sentia mais a vontade - Um grande segredo, ou dois segredos menores se eu não aceitar o primeiro.
- Está bem. Se não tem outro jeito...
- Não, não tem outro jeito.
Ela ficou feliz ao perceber que ele parecia mesmo abatido. Percebeu, naquele momento, que ele se importava realmente com ela.
- Então agora eu vou embora. Até logo. Pense num grande segredo para me contar.
- Mas vai sozinha? Deixa que eu te levo.
- Não, obrigada. Eu gosto de caminhar.
- Mas pode ser perigoso a essa hora. Deixe-me ao menos acompanhá-la.
- Se você faz mesmo questão. – fingiu não ligar.
- Eu faço questão.
- Então eu aceito a companhia, mas com uma condição.
- Outra condição? – ele resmungou - O que é dessa vez?
- Eu prometi que não falaria mais contigo e não falarei até você me contar um segredo. Então a condição é irmos em silêncio, pois você ainda não está perdoado.
- Está bem. – ele assentiu, abafando a vontade de rir. Certamente seria muito mais fácil para ele ficar calado do que para ela.
E conforme o combinado, foram todo o trajeto sem trocar uma palavra, o que foi mesmo mais difícil para ela. Mas ela se controlou, achando a situação extremamente divertida, tal como uma brincadeira entre duas crianças que não queriam dar o braço a torcer.
- É aqui que eu fico, Adam. Obrigada por me acompanhar.
Deu um beijo em seu rosto e se despediu, deixando-o parado observando-a se afastar.
**
- Oi Isa! Trouxe uma nova aluna, conforme combinamos.
- Oi Mel, oi Vicky.
- Isa, que bom que você permitiu que eu acompanhasse as aulas. Prometo que ficarei bem quietinha e não atrapalharei. – Vicki afirmou.
- Você pode participar também Vicky, se quiser. Mas acho que não irá entender muito porque a Melanie já está 7 aulas à tua frente.
- Ah, Isa. Na verdade eu não estou interessada em aprender português, vim mais pela companhia e para ouvir vocês conversando. Acho lindo o som de um idioma tão diferente.
E assim foi feito: Vicky não interferiu em momento algum, apoiou a cabeça sobre os cotovelos e ficou escutando-as, como que encantada. Isa percebia que estava sendo analisada, e aproveitava para fazer o mesmo quando podia. Ela era tão diferente do irmão: embora fosse um pouco tímida, sorria com facilidade e se esforçava para ser simpática. E além da diferença de comportamento, havia a também a diferença física, que era marcante: Vicky era loira e tinha os olhos castanhos, com um tom amendoado, e Adam tinha cabelos castanhos escuros e os olhos azuis – um azul que mudava conforme a luz: em algumas ocasiões eram translúcidos, refletindo o céu em um dia claro, e em outras se tornavam mais opacos e mantinham aquele quê de mistério. E se não fosse pela altura e alguns traços em comum que ela se esforçara para encontrar em seus rostos, ninguém diria que eram irmãos.
- Bom, Isa, tenho que ir. Fiquei de encontrar o Bill para almoçar. – olhou as horas em seu relógio de pulso. – E já estou atrasada! E se eu demorar mais, ele ficará impaciente e terei que ouvir mil e uma reclamações! Ele detesta esperar, como todos os homens. – sorriu.
Isa riu e concordou com a cabeça. Seu marido Erik também costumava ser muito impaciente, e alguns minutos de atraso tinha sido a causa de diversas brigas. Se ela demorava um pouco mais ou estava insegura quanto ao que vestir, não podia contar com a sua ajuda: Erik ficava inquieto e mal humorado. Não agüentava esperar e logo descia para esperá-la no carro. E Isa, que já estava atrasada, tinha que fechar toda casa, ajeitar as coisas da Meggy e perdia o tempo extra que teria para se arrumar. E como odiava isso! E agora pensava com saudades naquilo que antes era um motivo de irritação.
Logo percebeu que Vicky relutava em ir com Melanie e que tinha intenções de ficar um pouco mais. Embora estivesse surpresa com esse súbito interesse dela, resolveu averiguar:
- Quer almoçar comigo, Vicky? Vou fazer uma comidinha leve, nada muito incrementado, mas acho que é o suficiente para duas pessoas.
- Eu adoraria, Isa, se não for nenhum incômodo, pois gostaria de conversar com você.
Isa era uma ótima cozinheira, sabia misturar os temperos, criar pratos novos e mesmo com poucos ingredientes a sua disposição, era capaz de fazer maravilhas.
- Hum... o cheiro está ótimo! – Vicky comentou, já salivando.
- Ah... Eu adoro cozinhar, mas hoje não tenho quase nada para te oferecer. Espero que não se importe com o prato único.
- Claro que eu não me importo. Até porque tenho certeza que está uma delícia. Mas Isa, na verdade eu não vim aqui para comer, vim para te conhecer melhor. Deve ter notado que eu estava te observando.
- Sim, eu notei... – afirmou, encabulada.
Por um momento, ninguém falou nada. Vicky achou graça do embaraço de Isabela e resolveu ficar em silêncio. Precisava de coragem para abordar o assunto que tinha motivado a visita.
Então Isa aproveitou a oportunidade para virar novamente de costas para ela. Voltou-se para o fogão, fingindo controlar a comida que fazia, enquanto refletia:
“O que será que ela quer dizer com isso? Será que Adam falou algo a meu respeito e ela veio até aqui para me analisar? Para ver se eu sou adequada ao seu irmão? Não, não deve ser isso. Ela deve ter outro motivo: mas o quê?” - pensava, pensava, mas nenhuma resposta lhe vinha à mente.
- Meu irmão falou que você precisará de um lugar para morar – ela enfim desabafou.
- Ah! – Isa sorriu ao perceber o assunto – Sim. Precisarei, tem alguma sugestão?
- Na verdade queria saber se você gostaria de morar comigo.
- Morar como você? – não escondeu seu espanto.
- Sim, Isa. Não agüento mais morar com meus pais, eles são muito controladores e estou louca para sair de casa. Mas eles não me deixam morar sozinha e nem com nenhuma das minhas amigas, pois dizem que elas são um “bando de cabeças ocas” e que são uma péssima influência para mim. – suspirou – mas de repente se for para morar contigo eles me permitam.
- Comigo? Mas eles nem me conhecem!
- Mas foi Adam que deu a idéia e ele falou muito bem a teu respeito para eles.
- Adam falou bem de mim? – balbuciou, confusa. Não conseguiu imaginar esse diálogo e ficou extremamente curiosa.
Vicky concordou, em silêncio.
– Mas o que ele falou? – seus olhinhos brilhavam, por mais que ela tentasse disfarçar.
Vicky não percebeu o interesse de Isabela, pois estava ansiosa demais pela resposta e não pensava em mais nada.
- Ah, o que ele falou exatamente eu não sei, só sei que convenceu meus pais. E eu hoje vim aqui para te observar para ver se essa idéia poderia dar certo. Sabe que eu fiquei com medo que você fosse como o meu irmão? Porque se ele gostou de você tão rápido, fiquei com medo que vocês fossem parecidos – deu uma risada leve – E outro Adam na minha vida: controlador, sério e carrancudo, eu não agüentaria! Mas não repara, Isa. Eu amo meu irmão, é que as vezes ele me sufoca! Ele e meus pais estão sempre querendo mandar em mim e decidir tudo por mim e eu não agüento mais isso! Já estou com 20 anos e quero viver minha vida! Não sou mais uma criança e eles não conseguem perceber que eu cresci.
- Ah, entendo....- deu um leve sorriso e acrescentou - Mas não precisa se preocupar, que eu não sou nada parecida com Adam.
- Eu percebi, Isa. Vi que você é bem diferente dele. É bem humorada e está sempre procurando sorrir. E percebi que poderia dar certo. Quantos anos você tem, Isa?
- Em tenho 30, recém feitos.
- Nossa, Isa! Nem parece! Te daria no máximo 25. Você tem quase a idade de Adam e ele parece muito mais velho do que você. Se bem que aquele jeito sério dele o envelhece muito.
- Que bom! Não gostaria de ter cara de 30. – brincou antes de tomar coragem para perguntar algo que gostaria muito de saber - Mas quantos anos o teu irmão tem?
- Adam tem 31, mas faz 32 esse ano. Mas sabe que, pensando bem, é bom que você seja mais velha? Porque assim meus pais acharão que você me cuidará de mim e me controlará.
- Mas eu não tenho a menor intenção de fazer isso, Vicky! – ela retrucou rapidamente - Você já tem idade suficiente para saber o que quer dar vida, sem que ninguém precise interferir. Eu comecei a namorar Erik com 19 anos, mais nova ainda do que você, e ainda com essa idade nós dois tomamos a maioria das decisões que definiram o nosso futuro. Como vê, acho que você já é adulta e não pretendo me intrometer na sua vida.
- Que bom, Isa. Agora tenho certeza que você é a pessoa certa para morar comigo na minha casa.
- Na tua casa?
- Sim, a casa é minha, não te contei? Não precisaremos pagar aluguel. Meus pais deram uma casa para mim e outra para o Adam, mas não me permitem morar nela, embora Adam já more na dele há alguns anos. E eu acho isso tão injusto! Espero que agora a gente consiga convencê-los do contrário. Só temos que combinar quando você irá a minha casa para conhecê-los. Minha mãe quer marcar um jantar. Quando você estará disponível, Isa?
- Conhecê-los? – indagou, apreensiva.
Naquele momento tomou consciência que tal visita seria tão difícil para ela como ir numa entrevista de emprego ou – pior – como ser apresentada aos sogros! E Isa não gostava ser testada e analisada. E nesse momento sentia-se menos preparada para tal teste: não estava pronta para provar para ninguém quem ela era, pois isso era algo que nem ela sabia mais direito.
- Sim, Isa. O que você acha de marcamos o jantar ainda nessa semana? Estou louca para me mudar!
- Mas amanhã minha irmã chegará, não posso marcar nenhum compromisso sem consultá-la. E Ilana só ficará por uma semana.
- Então a convide para ir junto. Como ela é? É mais nova ou mais velha? Ela poderá ajudar a impressionar os meus pais? – indagou com ansiedade.
- Ela é mais velha e tem a cabeça mais no lugar do que eu. É calma e sensata e com certeza é capaz de impressioná-los muito melhor do que eu. – sorriu.
- E então, Isa? – suplicou – Leve-a junto! O que você acha de marcarmos neste sábado?
- Olha, Vicky – achou graça de sua reação e sorriu – Não posso prometer antes de falar com ela. Posso te responder na quinta-feira?
- Claro, claro que sim!
**
Capítulo 7
*
- Isa, você tem certeza que esta é a melhor decisão a ser tomada?
- Mãe, certeza eu não tenho. Aliás, não tenho certeza de mais nada nessa vida. – suspirou – Só o que eu sei é que isso é algo que eu quero fazer. É algo que eu preciso fazer.... E eu devo isso ao Erik, mamãe.
Ficaram em silêncio, refletindo.
- Mas filha, você vai gastar todo o seu dinheiro, tudo o que lhe restou... Tem certeza que isso é o certo?
- Mãe, eu não quero mais esperar. Essa viagem sempre foi um sonho meu e do Erik. – ficou quieta, ganhando tempo – E de que adiantou tanta espera? Ficamos sempre esperando pelo momento certo, pela melhor oportunidade. Planejamos tantas vezes essa mesma viagem e sempre tinha algo que nos fazia alterar os planos. E agora Erik se foi, mãe.... E ele não poderá mais viajar. Mas eu posso e sinto que é isso que ele quer que eu faça, sabe? Acho que eu devo isso a ele e eu não quero mais esperar. Não posso esperar eu ter dinheiro suficiente, eu me sentir preparada... A oportunidade certa poderá nunca vir.
- Mas filha, depois quando você voltar, como será? Você gastará todo o seu dinheiro. O que você fará depois?
- Não sei, mãe. Não tenho planos e nenhuma pretensão para o futuro. Mas sinto que isso é algo que eu devo fazer. Preciso pôr a cabeça no lugar, para pensar. Já faz quase 2 anos que Erik se foi e eu sinto que não posso mais viver à sombra dele, simplesmente me escondendo e fugindo da realidade. Preciso acordar para a vida. Sei que ele não vai mais voltar, mãe. E isso dói demais. Preciso ficar sozinha, preciso conhecer pessoas novas, lugares diferentes. Acho que isso me fará bem e fará com que eu me sinta melhor. Além do mais, de que me adianta economizar? De que adianta não gastar se o dinheiro não me trará felicidade? Erik se foi, um dia eu também irei, mas antes eu quero aproveitar o que ele não pôde. Eu quero fazer essa viagem por nós dois. E algo me diz que ele me acompanhará. Ele estará comigo, mãe.
- Mas filha, eu só temo pelo teu bem estar. Não quero que você sofra. Você ficará sozinha num país estranho e quando voltar, como será? Eu também estou quase sem dinheiro. A poupança que seu pai me deixou está quase no fim. Só temo pelo nosso futuro.
- Mãe, em primeiro lugar: o futuro pode não vir, sabia? E eu estou decidida a aproveitar o presente. E em segundo lugar: caixão não tem gaveta. De que adianta a gente economizar, não aproveitar a vida se depois podemos morrer de uma hora para a outra como aconteceu com o Erik? De que adiantou a gente ter economizado tanto? Trabalharmos um monte, sempre, se depois ele não pôde levar nada com ele? De que adiantou tudo isso?
- Isa, você sabe que eu sempre estarei do teu lado e que pode contar sempre com meu apoio, filha.
- Eu sei, mãe. Obrigada. Você é a melhor mãe do mundo. E Ilana é a melhor irmã do mundo. E agora que ela voltou a morar com a gente, sinto que é a hora certa para eu viajar. Você não ficará sozinha e vocês duas poderão cuidar da Meggy para mim.
- Filha, você não sabe como eu fico feliz por te ver outra vez sorrindo. Perder o teu pai foi muito difícil para mim, mas penso que acompanhar teu sofrimento foi algo que me afetou ainda mais. Acho que não existe amor maior do que amor de mãe, minha filha. E eu te amo muito e me preocupo contigo.
- Eu sei, mãe. Mas o pior já passou. Agora já me sinto melhor. Agora já me sinto preparada para seguir meu caminho sem o Erik. É difícil, mas sei que conseguirei. E tenho que ter fé.
Naquela semana, Isa havia completado 30 anos. E ter chegado àquela idade – tão simbólica e redonda – a fez refletir. Estava com 30 anos, morando novamente com sua mãe e agora também com sua irmã, não tinha emprego, não tinha curso superior e nem uma profissão definida, não tinha filhos, nem marido e nenhuma expectativa de vida. Não tinha nenhum plano e nenhuma pretensão. E ter chegado àquela idade lhe fazia pensar: o que queria fazer de sua vida? Afinal, quem havia morrido era o Erik e não ela, embora um pedaço dela tivesse sido enterrado junto com ele. Precisava achar uma resposta, pois simplesmente não poderia continuar vivendo daquela maneira. E mesmo que quisesse, não seria mais possível, pois o dinheiro que lhe restara estava se esgotando rapidamente.
Desde cedo, ela e Erik trabalhavam muito e logo montaram seu próprio negócio: uma agência de viagens. Foi uma decisão em conjunto largar a faculdade e se ariscar nesse investimento. Erik estudava direito e Isa ciências contábeis, como sua irmã Ilana, e ambos não estavam satisfeitos com seus cursos. Para a felicidade do casal, a escolha do ponto foi acertada e logo a agência prosperou. Desse modo, conseguiram pagar suas contas e manter tudo em dia, embora chegassem apertados ao final do mês e muitas vezes entrassem no cheque especial. E quando tudo começou a melhorar, eles decidiram se casar. Nesse tempo, já contavam com dois anos de relacionamento e estavam noivos há um.
Isa não era muito consumista e não gastava com frivolidades. Invejava as inúmeras roupas novas de suas amigas, que andavam sempre na moda, enquanto que ela se controlava o tempo todo para não gastar. Lustrava e engraçava seus sapatos velhos na tentativa de deixá-los com aparência de novos. E assim, eles conseguiam pagar todo mês seu apartamento e seu carro, entre outras contas. Estavam investindo e economizando para ter um futuro estável. Os únicos gastos de que não abriam mão eram os feitos com viagens: ambos adoravam viajar. Já conheciam a maioria dos estados brasileiros e inúmeros países da América. Mas a tão sonhada viagem para a Europa nunca acontecia: acabava sempre substituída por outra - às vezes por falta de dinheiro, outras por falta de tempo. E eles acabavam indo para o Chile, para Argentina ou para Bolívia, por exemplo. Destinos mais pertos e mais baratos. E novamente adiavam a viagem para a Inglaterra e França (sonho de Isa) para o próximo ano, sem saber que desta vez o próximo ano não chegaria para Erik.
Isa se viu sem marido aos 28 anos. E a partir dali, mesmo estando cercada de pessoas, sentia-se como se estivesse sempre sozinha. Não importava onde estivesse, com quem estivesse, sentia-se sempre pela metade. Não sentia vontade de fazer mais nada, nem mesmo as necessidades mais básicas: não queria comer, não queria tomar banho, só queria dormir. Dormir e nunca mais acordar. Ou acordar e perceber que tudo não passara de um pesadelo. Que Erik ainda estava com ela e que ela estivera sonhando. Abria os olhos e procurava por ele todas as noites e logo percebia que a cama estava grande demais. Ele não estava mais ali para lhe roubar as cobertas no meio da noite, para acordá-la com um ronco mais alto ou mesmo acordá-la com um chute involuntário quando ele se mexia demais. Agora havia espaço para ela se esticar, se assim desejasse. Agora a cama era toda dela. Mas ela permanecia em seu canto e não ousava ocupar o espaço destinado a ele - caso ele resolvesse voltar no meio da noite.
E levou alguns meses para ela conseguir voltar a viver. Para ela conseguir voltar a raciocinar com clareza. E assim que retornou a rotina, percebeu que estava endividada. Havia abandonado e negligenciado sua agência de viagens deixando-a nas mãos de sua mãe. Ilana naquela época morava com Daniel em uma cidade do interior e não podia ajudá-la. Sua mãe não entendia muito do assunto, e deixou praticamente tudo nas mãos de uma funcionária que parecia responsável e de confiança: mas não era. Quando Isa percebeu inúmeras contas não haviam sido pagas, os juros estavam correndo e, além de tudo, muito dinheiro havia desaparecido. E eram tantos problemas que ela simplesmente não conseguia solucionar. Não era mais a mesma Isa. Não tinha mais as respostas na ponta da língua. Não conseguia pensar e tudo estava mais difícil de definir sem o Erik. Então resolveu vender a agência. E logo não teve como continuar pagando as parcelas do financiamento do apartamento e acabou se desfazendo também do carro. Mas apenas poucas parcelas do carro haviam sido pagas, e antes que se endividasse completamente, acabou vendendo também o apartamento e voltando a morar na casa de sua mãe. Assim, as duas mulheres passaram a fazer companhia uma para a outra. E agora Ilana também havia se juntado à elas. Eram novamente, na medida do possível, uma família unida e feliz.
E quando Claudia lhe ofereceu a casa, em Birmingham, Isa sentiu que finalmente chegara o momento de viajar. Não deixaria sua mãe sozinha e teria quem cuidasse de Meggy. Sentiu que aquela era a hora certa. Que tinha que conhecer a Inglaterra e que não poderia adiar essa viagem novamente. Era o seu destino e ela teria que ir.
**
Naquele dia, Adam foi o primeiro a chegar ao Pub e desta vez estava de bom humor.
- E então? Tua irmã está gostando daqui?
Ele estava sentado sozinho na mesa usual e ela lhe servia um copo da cerveja dele, que estava sendo lançada naquela noite.
- Sim, ela está adorando. Claudia e Ilana foram ontem para Londres e só voltam hoje à noite. Mais tarde elas ficaram de passar aqui.
- E você não quis ir com elas?
- Ah, eu não pude, tinha que trabalhar. E depois, eu já conheci Londres.
- E a Meggy? Quando irei conhecê-la?
- Ah, isso depende. Você ainda não me contou seu segredo, lembra? E só apresentarei a Meggy aos meus verdadeiros amigos – implicou.
- Ah... Achei que ficaria livre dessa. – suspirou, fingindo-se contrariado.
- Pode ter certeza que eu não me esqueço tão fácil, Sr. Adam – gracejou – Promessa é divida e eu sou uma ótima cobradora.
- Está bem, está bem. Então devo te dizer que meus segredos estão preparados e eu pretendo revelá-los mais tarde a você.
Ela sorriu, satisfeita.
- Ok. Acho que eu posso esperar, mas agora preciso trabalhar.
Isa se afastou com o coração saltitando. Isso era possível? Era possível que ele estivesse cada dia mais lindo?
**
- Ilana! Reservei uma mesa para vocês. Que demora! Eu já estava achando que vocês não vinham. – resmungou.
- Desculpa, Isa. A culpa é toda minha. Não consegui sair cedo do trabalho hoje e pedi para que elas me esperassem.
- Tudo bem, Dado. Está desculpado. – Sorriu para Eduardo, o marido de Claudia e seu amigo também.
- Quero apresentar meus novos amigos a vocês, mas hoje vieram poucos. Apenas Adam, Dilan, George e Valentine estão aí. Melanie ficou de chegar mais tarde. E queria que vocês conhecessem a Vicky. Especialmente você, Ilana, já que amanhã jantaremos na casa dela. E então? Querem beber alguma coisa? Posso oferecer a vocês a cerveja que está sendo lançada hoje?
- A famosa cerveja? – Claudia indagou, maliciosa.
- Hunrum.
- Quem é o Gerard, Isa? Aquele gato atrás do balcão? – Ilana perguntou.
- Ele mesmo.
- Hum... interessante. – Claudia comentou.
Dado lançou um olhar indignado à esposa. Mas era apenas brincadeira, já que não era muito ciumento.
- E o Adam? Estou louca para ver quem ele é. – Claudia afirmou.
- Louca para ver quem ele é? Posso saber o motivo? – Dado resmungou.
- Ai amor, é só para ver se eu aprovo o novo namorado da Isa. Deixa de ser chato.
- Ele não é meu namorado. É só um amigo.
- Mas pode vir a ser. E quem é aquele loiro que está vindo para cá? – Claudia inquiriu.
- Aquele é o Dilan.
Ilana virou-se para olhar o homem que se aproximava.
- Isa! Você não tinha comentado que ele era tão bonito! – ela cochichou em seu ouvido.
Isa fitou sua irmã com espanto. Dilan e Ilana! Como ela não havia pensado nisso? Certamente um faria bem ao outro. Dois corações machucados evitariam se magoar.
Ilana ficou estática e após vê-lo não reparou em mais nada. Não ouviu mais nada. Era como se tudo parasse e ela só percebesse aquele loiro lindo se aproximando.
- Isa, vim aqui conhecer teus amigos.
- Essa é a Claudia e o marido dela, Dado. E está é a minha irmã Ilana. Mas Ilana não fala inglês muito bem.
Depois de cumprimentar rapidamente Claudia e Dado, ele deu um aperto de mão mais demorado em Ilana. Ambos pararam frente a frente e com as mãos ainda entrelaçadas ficaram um instante se fitando, olhos nos olhos, esquecendo por alguns minutos das outras pessoas ao redor.
- Isa não tinha me dito que você era tão bonita.
Ilana não tinha pleno domínio do idioma e estava menos familiarizada com o sotaque britânico do que com o americano, mas entendeu o que ele quis dizer e sorriu. Beautiful... Isso ela entendia...
Não falou nada, pois seu inglês deixava muito a desejar e ela tinha vergonha de sua pronuncia arrastada. Apenas sorriu e logo foi correspondida por ele no sorriso. Um sorriso é uma linguagem universal. Quando perceberam, ainda estava com as mãos unidas. Dilan ficou um pouco embaraçado e, embora relutante, resolveu finalmente soltar a mão de Ilana.
- Vou ver se Gerry arranja uma mesa para sentarmos todos juntos. – comentou com Isa. – Vocês gostariam?
- Claro, Dilan. Apenas que eu ainda estou trabalhando e acho que Gerard não planeja me liberar cedo hoje. – Desde que ela tomara aquela cerveja com Adam, Gerard mantinha-se sério com ela e a evitava.
- Mas ele vai ter que te liberar. Nem que eu precise obrigá-lo a isso!
- Ilana, penso que agora você deve estar arrependida de não ter feito aquelas aulas de inglês comigo. – Comentou com a irmã, ao ver Dilan se afastando.
- É. Um pouco. Mas eu acho que não precisarei falar inglês para me comunicar com ele. Eu entendi tudo que ele disse! Pelo menos, acho que eu entendi. E também não preciso falar nada, posso só ficar olhando para ele que já me basta. – suspirou encantada.
- E eu que não acreditava em amor à primeira vista – Claudia afirmou, rindo.
- E eu que achei que não fosse mais sentir isso por ninguém depois do Daniel... – Ilana franziu a testa numa expressão claramente apaixonada e ficou admirando Dilan ao longe.- E onde está o Adam? Se você disse que ele era bonito e não falou nada a respeito de Dilan, logo imagino que ele seja um Deus.
- É Isa, também estou curiosa. – Claudia comentou.
- Não sei, não o vi mais. Será que ele foi embora?
Isa procurava disfarçar sua ansiedade, mas estava aflita a procura de Adam. Não o via há quase uma hora, ou alguns minutos, não sabia bem, perdeu a noção de tempo, pois estranhamente não conseguia raciocinar. Estava atordoada e perdida em seus pensamentos: “Será que ele foi embora sem se despedir?” Apreensiva, comprimiu os lábios.
E percebeu que Valentine Stevens também sumira...
“Será que eles sumiram juntos? Será que eles têm algum relacionamento e eu não reparei?” – um ciúmes intenso a corroeu.
- Pronto, Isa! – Dilan voltou logo com uma alegria evidente – Consegui fazer com que Gerard te liberasse. Mas você tinha razão, não foi uma tarefa fácil. Ele está meio mal humorado. Você fez algo que lhe desagradasse?
- Não – ela procurou disfarçar. – Claro que não.
- Mas enfim, consegui a mesa. Vamos nos sentar lá? É lá na rua, e hoje está um clima tão agradável, que penso que foi a melhor escolha.
- E onde estão os outros, Dilan? – Isa questionou.
- Os outros? Ah... Melanie e Bill já estão devem estar chegando. George está tocando na banda, como você pôde ver. Vicky confirmou agora que não vem e Adam saiu com Valentine para dar uma volta. Parece que ela queria conversar com ele, mas penso que logo estarão de volta.
- Ah, claro. Vamos sentar então? Não vejo a hora de beber uma cerveja agora que estou oficialmente de folga.
Isa disfarçou bem o que sentia. Até porque nem ela sabia o que sentia. Sua cabeça fervilhava e a cada momento ela olhava para os lados a procura de Adam. “Onde ele estará que não volta? Ele sabia que eu gostaria que ele conhecesse minha irmã e os meus amigos. E o segredo que ele queria me contar?”
- O que foi, Isa? Estou te achando um pouco tensa, você está nervosa com alguma coisa? Por acaso você está gostando de Dilan? – Claudia indagou à amiga, ao perceber que algo a perturbava. Ilana e Dilan não se desgrudavam: sentaram lado a lado e apesar de não falarem o mesmo idioma, conseguiam se entender e praticamente ignoravam a presença dos outros.
- Não, Claudia! Que idéia! Claro que não.... É só que... – fez uma pausa - Nem eu sei, amiga... Mas não é ele que me perturba, pode ter certeza.
Claudia pegou na mão de Isa e a encarou:
- Está bem, amiga. Se você diz, eu acredito e fico mais tranqüila. Estava achando mesmo estranho, afinal você e Ilana nunca tiveram os mesmos gostos. – riu. – E que eu saiba, você sempre preferiu morenos.
- Ah... – Isabela ficou sem graça, mas a chegada de um casal de amigos lhe abstive de responder. - Melanie! Que bom que vocês chegaram! Deixa eu te apresentar a minha irmã Ilana, meus amigos Claudia e Dado. E estes são Melanie e Bill Thompson.
Thompson, vendo que Dilan estava ocupado, sentou-se ao lado de Eduardo e eles engataram uma conversa, deixando as mulheres mais a vontade. Melanie, Claudia e Isa praticamente cochichavam para não serem ouvidas, já que agora falavam em inglês e Dilan e Thompson poderiam ouvir.
- E sua irmã e Dilan? Nossa! Nunca vi Dilan interessado assim por alguém! Quer dizer, depois de Kate. – Melanie observou.
- E nem Ilana depois do Daniel. – Claudia comentou.
- Daniel? – Melanie indagou.
- Sim, o ex dela. – Isa explicou - Mas é uma longa história, Mel. Outro dia te conto.
- Ok. Isa, estou te achando um pouco estranha. Você está muito calada. Algo a perturba? – Melanie percebeu.
- Viu? Eu também reparei! – Claudia concordou - Mas ela nega e diz que não há nada.
As duas amigas encararam Isa e ela mais uma vez tentou disfarçar e mudou de assunto. Mas logo em seguida reparou em duas pessoas que apareciam caminhando ao longe. Eram apenas vultos e mal dava para definir suas silhuetas, mas Isa já sabia quem era e seu coração se agitou. Não prestou mais atenção ao diálogo.
- Isa? Isa? Estamos falando contigo. – Claudia chamou a amiga de volta à realidade.
- Ah! Ela nem precisa falar, Claudia. Descobri o que a perturba. – Mel apontou com a cabeça o casal que agora estava visível.
- Quem são eles? – Claudia perguntou, enquanto Isa permanecia muda.
- São Adam Simons e Valentine Stevens. Mas, Isa, ele não tem nada com Valentine, se é isso que te perturba. Tenho certeza disso. Ele não quer mais nada com ela.
- Mais nada? – Isa indagou, arqueando as sobrancelhas. – Isso quer dizer que ele já quis um dia?
- Ah... Longa história Isa, depois te conto. Agora disfarça, porque eles estão vindo para cá.
Mas Valentine entrou no Pub, visivelmente irritada, e apenas Adam seguiu na direção deles. Estava com um semblante mais sério do que nunca, mas ao percebê-las suavizou suas expressões, esboçando um leve sorriso.
- Desculpe o atraso, Isabela. Tive que resolver uns problemas.
- Tudo bem. – ela suspirou, tentou sorrir e logo deu início as devidas apresentações.
Após a troca de alguns diálogos, conforme manda a educação, as amigas Claudia e Melanie inventaram uma desculpa qualquer para se afastar de Isa. Cada uma sentou ao lado de seu respectivo marido, deixando Adam livre para se aproximar de Isabela, se assim desejasse. O que ele fez rapidamente.
Desta vez ela não sorriu, apenas o observou calada. E ele também não falou nada nos primeiros minutos.
- Você está chateada comigo? – ele perguntou.
- Eu? Não. Por que estaria?
- Não sei, você está quieta. E você não é quieta.
- Mas você é. E qual o problema se eu quiser ser quieta de vez em quando? Preciso falar o tempo todo? – retrucou meio ríspida.
Ele a fitou com atenção.
- Venha, Isy. Vamos dar uma volta. – estendeu a mão para puxá-la, gesto que ela relutou em aceitar.
- O que você quer? – indagou, contrariada, olhando para a mão ainda estendida.
- Quero te contar o meu segredo. Não era isso que você queria? Ou agora mudou de idéia e não quer mais minha amizade?
- Não sei.
- O que você tem?
- TPM, eu acho – debochou. – É sério. Não brinque com meus hormônios, que eu fico muito mal humorada.
- Hum... Então acho que é melhor deixarmos essa conversa para outro dia.
- Nem pense nisso! Agora que já estamos aqui não te deixarei mais voltar. Sabe para onde eu gostaria de ir?
- Aonde, Isy?
- Naquela árvore em que eu e Dilan enterramos as nossas alianças. Sabe que nunca mais voltei lá? Aquela pode ser a árvore dos meus segredos.
Ela a fitou e deu um sorriso torto, com o canto dos lábios.
- E então, qual é o teu segredo, Adam Simons?
- Vamos sentar naquela ponte sobre o rio? Acho que fico mais a vontade para falar sentado.
- Claro.
Sentaram na pequena passarela sobre o rio e ficaram com as pernas suspensas, lado a lado.
- E então? Não me enrole mais, quero saber. – sorriu.
- Pelo visto você já está voltando ao seu estado normal.
- Como assim?
- Está sorrindo. Gosto de te ver sorrindo.
Falou e a olhou nos olhos, como se quisesse enxergar além do que via. Isa ficou envergonhada e desviou o olhar. Ambos ficaram calados, olhando para o rio que refletia a lua. Aquele era um local calmo e quase não passava ninguém naquele horário. Ninguém os perturbaria e eles poderiam ficar à vontade.
Permaneceram lado a lado sem nada dizer. Estavam tão próximos que apenas poucos centímetros os separavam. E o silêncio era tão intenso que podiam ouvir a respiração um do outro. Isa lutava contra seus sentimentos, não estava pronta para se envolver novamente e não permitiria que ele se aproximasse. Adam, por sua vez, era puro autocontrole. Sua mão estava tão perto do corpo dela e tudo que ele queria era poder tocá-la. Pegar em sua mão, acariciar seus cabelos, tocar em qualquer parte dela. Mas se policiava para não fazê-lo. Enquanto não tivesse certo de seus sentimentos, não daria nenhum passo nessa direção. Não gostaria de magoá-la e talvez o que ele sentisse fosse apenas atração física.
O silêncio estava ficando perigoso e Isa resolveu rompê-lo.
- E o segredo?
-Você ainda não desistiu?
Ela fez que não com a cabeça, com uma expressão divertida no rosto.
- Deixa eu ver... Isso é algo muito íntimo, Isy. Nunca contei a ninguém. Posso confiar em você? Promete que isso não sairá daqui? E promete que não rirá?
- Prometo.
- Está bem. Quando eu tinha 20 anos estava muito nervoso com uma situação que a minha família enfrentava, estávamos atravessando uma crise, meu pai havia feito alguns maus investimentos, e estávamos todos muito apreensivos. E então...
- E então?
- Não gosto de falar sobre isso, mas já que você está praticamente me obrigando...
- Estou mesmo – riu.
- Um dia, com 20 anos na cara, eu acordei com os lençóis encharcados...
- Você fez xixi na cama com 20 anos? – ela não se agüentou e deu uma sonora gargalhada.
- Por isso não queria te falar, mas você pediu algo que ninguém mais soubesse. E você prometeu que não riria – ele resmungou.
Ela continuava rindo.
- Desculpe, Adam. Mas é engraçado. E esse é o teu grande segredo?
Ele assentiu, mudo e envergonhado.
- Ah, não. Não posso crer que esse seja o teu único segredo. Deve haver algo mais para me contar. Por exemplo, o que você tem com Valentine?
- Valentine? Não tenho nada com ela. E não é segredo para ninguém que tivemos um relacionamento há alguns anos.
- É? Eu não sabia disso.
- Claro que não. Ainda não passei no teste para ser teu amigo, esqueceu? Há muito sobre mim que você não sabe.
- Ah... Está bem. Mas esse segredo é muito fraquinho, irá precisar de outro melhor para me convencer.
- Eu já sabia disso, Isy.
- Sabia?
- Sim e tenho outro bem pior. Só espero que você ainda queira ser minha amiga depois desta revelação. Eu guardei esse segredo comigo durante anos e penso que será bom compartilhar com outra pessoa. Talvez me ajude a tirar essa carga sobre mim. Você tem certeza que quer saber?
- Sim. – respirou fundo e o encarou - Nem adianta tentar me intimidar, Adam Simons. Eu não mudarei de idéia.
- Eu sei. Já notei que você pode ser bem teimosa e persistente quando quer.
- Sou tão transparente assim?
Ele assentiu e sorriu. Sentia-se bem na presença dela, sentia-se tranqüilo e à vontade com ela. Junto dela, sorria com facilidade.
- É sobre Dilan e Kate... e eu. – engoliu em seco e desviou o olhar.
- Você gostava dela também? – indagou com apreensão.
- Não. Eu não gostava dela, mas penso que ela gostava de mim. Na verdade, gostava era do meu dinheiro. Antigamente, minha família era muito rica, Isabela, e Kate vivia se atirando para mim. Somente quando teve certeza que não teria chances comigo é que acabou se acomodando com Dilan. Mas ela não prestava e eu fui um péssimo amigo ao não alertar Dilan sobre seu caráter.
- Hum... E esse é o teu segredo? Não vejo nada de mais nisso, você só não disse nada ao Dilan porque não queria magoá-lo e talvez ele não acreditasse em você. Acredito que eu agiria da mesma forma.
- Mas não é esse o meu segredo, Isa.
- Não? Então qual é?
- Eu me envolvi com Kate quando ela já estava com Dilan. Fui um fraco e me deixei levar por ela. – suspirou – Nunca contei isso a ninguém, pois é algo que eu me envergonho. Ela e Dilan ainda não eram namorados, mas ele já estava apaixonado por ela. Foi apenas uma noite, mas eu fraquejei. E como eu me arrependo! Depois, me afastei dela. O que me consolava era pensar que talvez ela e Dilan não dessem certo. Ela não era mulher certa para ele.
Isa fitava-o em silêncio, pois não sabia o que dizer. Tentou não arregalar muito os olhos para não refletir como se sentia. Ele continuou:
- Mas eles viraram namorados e logo em seguida foram morar junto. E aquele segredo que eu carregava ficou cada vez mais pesado, mas já era tarde para eu contar. Devia ter falado no momento certo, depois ficou complicado. E eu fui um péssimo amigo. Com um amigo como eu, ninguém precisa de inimigos.
- Mas o que houve entre você e a Kate? Por que você se envolveu com ela?
- Você nunca a viu, não é mesmo?
Isa negou com a cabeça.
- Kate é uma mulher linda, aliás, bem parecida com a tua irmã fisicamente. Mas é uma mulher perigosa. Usa o seu charme para conseguir o que quer. E ela me seduziu de uma forma que eu não pude resistir. Quando vi, já estava em seus braços. Quando percebi, era tarde demais para voltar. Nem sei bem como tudo aconteceu e não posso justificar meus atos.
- Hum... Não sei o que te dizer.
- Não precisa dizer nada, Isa. Eu fui um canalha mesmo. Eu errei, fui fraco. Mas pelo menos Dilan agora está livre daquela mulher. Sabe? Assim que eles terminaram, eu procurei ser o melhor amigo do mundo. Como se pudesse compensar o que eu havia feito. Mas não dá para a gente apagar nossos erros. Não podemos voltar atrás para mudar as coisas.
- É, não podemos. Se eu pudesse voltar atrás teria ido com Erik na festa no dia em que ele morreu. Talvez ele não tivesse morrido ou eu tivesse morrido com ele, o que de certa forma aconteceu. Mas não podemos voltar atrás. E esse teu problema é pequeno. A única coisa que não tem solução é a morte. Você traiu Dilan, mas continuam amigos e talvez se contasse agora ele nem se importaria. Porque você não tenta?
- Tentar o quê? Contar para ele?
Ela assentiu.
- Você acha que eu devo?
- Acho que sim. Pelo menos tiraria esse peso das suas costas e creio que agora isso não teria mais tanta importância.
- E se ele perder a confiança em mim?
- É um risco que você teria que correr.
- Hum... Vou pensar. – fez uma pausa – E então? Amigos?
- Sim, agora podemos ser amigos. – Ela sorriu.
- Porque você não foi na festa com Erik, Isa? – ele indagou após refletir a respeito do que ela dissera.
- Porque eu estava doente, eu estava com febre naquele dia. E era o aniversário de um dos melhores amigos dele e ele não poderia faltar. Mas eu devia ter ido, mesmo não me agüentando em pé, eu deveria ter ido. Quem sabe assim ele não estivesse vivo?
- Mas o que mudaria se você tivesse ido?
- A gente iria com o nosso carro, como sempre acontecia. Eu não estava bebendo naquela época e voltaria dirigindo. Mas como eu não fui, ele resolveu ir de carona.
- Hum.... Entendo.
Ele a fitou e percebeu que ela estava com os olhos molhados, prestes a chorar.
- Isy, não fica assim.
- Desculpa, Adam. É que ainda dói muito. – falou, com a voz embargada.
- Venha cá.
Ele a trouxe para junto de si e a abraçou, buscando consolá-la. Isa não ofereceu nenhuma resistência e alinhou-se em seus braços, apoiando a cabeça em seu peito. E estava tão bem acomodada, que logo esqueceu de seus problemas. Ficaram em silêncio, ambos perdidos em seus próprios pensamentos. Aquele contato, estando tão perto um do outro, podendo sentir a respiração, tocando-se pela primeira vez, impedia que ambos raciocinassem com clareza.
- Está melhor? – ele perguntou, dando um beijo em sua cabeça.
- Sim, obrigada. – Mas não esboçou nenhuma reação, não pretendia sair daqueles braços. Estava tão bom.
E assim ficaram, abraçados e calados durante um bom tempo.
- Está ficando tarde, acho melhor a gente ir. Amanhã tenho que acordar cedo, pois fiquei de sair com Ilana.
Ela se desvencilhou de seus braços, levantando rapidamente.
- Venha, vamos embora. – ela o chamou, vendo que ele permanecia na mesma posição.
Ele levantou, relutante. Não queria mais sair dali. Agora tinha certeza de seus sentimentos. Agora sabia o que queria.
- Isy... – ela estava de costas para ele, e ele a puxou pelo ombro, fazendo com que ela se virasse e o olhasse.
- Hum?
- Estava pensando sobre nós.
Ela o encarou, apreensiva.
- Sobre... – engoliu em seco - Nós? – arqueou as sobrancelhas, visivelmente nervosa.
Ele a olhou no fundo dos olhos, com uma expressão no rosto que Isa achou triste. Percebeu que ela não queria se envolver, mas não deixaria de tentar.
- Você tem certeza que só quer a minha amizade? Eu poderia te oferecer muito mais, se você permitisse.
Ela baixou os olhos e pensou um pouco antes de responder.
- Se fosse em outro momento, tudo poderia ser diferente. – respirou fundo - Mas agora, não tenho nada para te oferecer além na minha amizade. Não sobrou nada para eu te oferecer, Adam. Mesmo se eu quisesse.
- Está bem. Então seremos grandes amigos e eu cuidarei de você.
- Obrigada. – ela sorriu, mais aliviada.
- Venha, vamos embora.
Tomou-lhe o braço e seguiram de braços dados.
- Até amanhã. Esteja preparada para as inúmeras perguntas que a minha mãe te fará.
- Ai... Não gosto de ser testada. Tenho que ir mesmo neste jantar?
- Sim, Isy. E Vicky conta contigo, logo você não poderá fugir. E minha irmã está muito feliz com a possibilidade de finalmente sair de casa.
- Mas você estará do meu lado, não é?
- Sim, Isy. Estarei com você.
- Obrigada, Adam. – Foi dar um beijo no rosto dele, mas ele segurou seu rosto com as duas mãos, levando seus lábios em direção aos dela. Trocaram um selinho.
- Adam, amigos não se beijam na boca assim! – ela riu meio sem graça.
- Mas nós não seremos amigos convencionais.
- Não?
Ele negou com a cabeça, enquanto depositou mais um beijo carinhoso nos lábios dela selados. Ela dessa vez sorriu em resposta.
- Está bem. Esse tipo de beijo eu permito, mas só assim.
“Por enquanto”- ele pensou, mas fingiu concordar com ela.
**
Capítulo 8
*
- Adam, finalmente você chegou! Já estamos te aguardando há mais de quarenta minutos. – sua mãe levantou-se para recebê-lo próximo à porta de entrada e longe do campo de visão dos convidados.
A Sra. Simons tinha alguns anos a menos do que sessenta e era uma senhora de poucos sorrisos, mas bem educada e gentil. Elegantemente trajada, mantinha com freqüência seus cabelos presos num coque impecável, sem nenhum fio solto ou fora do lugar. E seus cabelos castanhos escuros estavam sempre recém pintados, pois o tom branco peculiar da idade nunca era perceptível.
– Que feio deixar as visitas esperando dessa maneira, meu filho. Seu amigo Dilan já chegou há mais de meia hora e as irmãs Gusmão também. Já esgotei os assuntos e não tenho mais sobre o que falar. Ilana não domina nosso idioma, o que limita qualquer conversa. E Isabela é muito simpática, mas já não tenho mais assunto. – suspirou, desgostosa - Agora vá e receba as visitas adequadamente. Eu irei providenciar para que sirvam logo o jantar. Não é porque você não mora mais aqui que não deve se comportar como um verdadeiro anfitrião.
- Está bem, mãe. Desculpa pelo atraso, achei que conseguiria sair mais cedo. – deu um beijo carinhoso em sua bochecha.
- E seja simpático desta vez.
- Vou tentar – esboçou um sorriso meio debochado. – Cadê o pai?
- Ele apenas cumprimentou as visitas e voltou a se trancafiar no escritório, como sempre – falou em tom de reprovação.
- Mãe, não exija muito dele. Ele tem feito lentos progressos, mas muito mais do que os médicos previam. E você sabe disso.
- Eu sei. Mas se não fossem pelas minhas exigências ele talvez não tivesse melhorado nem a metade do que melhorou.
- Isso é verdade. E você tem sido uma verdadeira heroína.
- Eu faço o que eu posso, meu filho. – balançou a cabeça em gesto afirmativo.
Adam caminhou apressadamente até a sala de estar, cumprimentou Isa, Ilana, Dilan e Vicky, e sentou-se ao lado da irmã, no único local disponível. E assim o jantar transcorreu com alguma formalidade, com todos reunidos à mesa, inclusive o Sr. Leopoldo Simons, que pouco falou. Inicialmente, Dilan não fazia parte dos convidados, mas sua vontade de ver novamente Ilana fez com que ele insistisse m participar. Como ele era intimo da família, pôde se convidar.
- Ah, finalmente consegui falar contigo. Minha irmã não te deu nenhuma folga – Adam resmungou, insatisfeito, e faz Isa sorrir. Isa havia se afastado do restante do grupo ao perceber uns livros numa estante em outro cômodo. Ela tinha adoração por livros, e não resistiu a chance de dar uma olhada na enorme coleção. Adam aproveitou a oportunidade e a seguiu, para finalmente ficarem a sós.
- Será que tua mãe gostou de mim? - indagou, apreensiva.
- Claro que sim. – ele parou ao seu lado.
- Não parece. Ela foi tão séria comigo. – ela o encarou, após devolver um livro para a prateleira.
- Ela é séria, Isy. É o jeito dela.
- E o teu pai?
- O que tem ele?
- Ele... – ela fez uma pausa, pois não sabia como abordar o assunto. Passou a olhar para o chão, pensando na melhor maneira de prosseguir, enquanto enrolava uma mecha do cabelo com o dedo, como se tentasse fazer um cacho.
- Ele teve um AVC há poucos anos Isa, quando as empresas dele faliram.
- AVC?
- Sim, ficou com paralisia do lado direito da face e por vários meses não pronunciou uma só palavra. Mas minha mãe insistiu em um tratamento desacreditado pelos médicos e agora ele está assim. Está quieto e não participa muito, mas quando ele quer, ele conversa. Apenas não estava à vontade hoje, pois não conhecia vocês.
- Parece alguém que eu conheço. – debochou.
- Hum? – arqueou as sobrancelhas.
- Não se sente à vontade com desconhecidos. Você não foi nada simpático comigo quando nos conhecemos. – sorriu com o canto da boca.
- É verdade e eu não nego. Mas agora me sinto perfeitamente à vontade contigo. Mais até do que com muita gente que eu conheço há anos.
- Também sinto isso, sabia?
Ele assentiu e também sorriu de leve.
- Vamos? Prometi a tua irmã que te levaria para casa, mas tenho uma idéia melhor. E garanto que ela e Dilan também não irão direto para casa.
- Que idéia?
- Estava pensando em te levar para conhecer a casa de Vicky, a casa que vocês irão morar. Você está interessada?
- Claro! Que ótima idéia! Será que ela não gostaria de ir com a gente?
- Vicky? Não sei, você quer que ela vá junto?
- Quero sim, a gente aproveitaria para ver logo o que iremos precisar.
- Ah... – fez uma pausa, pensativo - mas vocês não combinaram de ir amanhã?
- Sim.
- Então? Agora eu gostaria de conversar contigo, de preferência sozinho. Não com a minha irmã. – colocou o braço esquerdo atrás das costas, num gesto de insatisfação.
Ele a encarou e ela tentou aparentar calma, mas estava tensa e não sabia o que dizer.
- Não se preocupe, Isy. Prometi que seriamos apenas amigos e não descumprirei minha promessa. – olhou-a de um modo que ela percebeu que podia confiar nele.
Ela respirou fundo e concordou. Também gostava de ficar sozinha com ele. Gostava de conversar ou até mesmo de ficar em silêncio em sua companhia. Sentia-se bem e feliz ao seu lado.
- É aqui perto, no mesmo bairro, você gostaria de ir a pé?
- Ah sim! Eu adoro caminhar e hoje está tão agradável.
- Aproveite Isy, porque costuma fazer muito frio no inverno. Você está acostumada com o frio?
- Não muito, acho que no Rio não faz tanto frio quanto aqui.
- E então? Vamos? – indagou esperançoso, temendo que ela mudasse de idéia.
- Claro, deixa eu só me despedir dos teus pais e de Vicky. Não posso convidá-la mesmo?
- Não.
- Tá bom.
**
- A casa é mobiliada?
Eles caminhavam pelas ruas vazias.
- Hum?
- Se já tem móveis, porque eu não vou poder comprar muita coisa. Sabe, gastei o resto do meu dinheiro para estar aqui. – embaraçada, passou a fitar o chão, como se procurasse algo.
- Sei como é ficar sem dinheiro, Isy. Não precisa se envergonhar. Como já te disse, as empresas dos meus pais faliram e ficamos praticamente sem nada. Tivemos que vender e nos desfazer de muitas coisas. Mas a casa é mobiliada sim. A gente morava numa casa bem maior e sobraram alguns móveis que foram distribuídos entre as três casas: a nova de meus pais, a minha e a de Vicky.
- Ah... – ela emitiu um resmungo e como não soube o que dizer, passou a observar a vizinhança. As casas pareciam todas iguais e a região era tranqüila e quase não passava carro. Pelo menos pela rua que eles andavam.
- Você está com frio?
- Um pouco.
- Um pouco? Mas você está toda encolhida. – comentou e tirou o casaco e pôs sobre os ombros dela, já aproveitando a oportunidade para colocar o braço também em seu ombro. E assim continuaram o resto do caminho: praticamente abraçados, com o braço dele sobre o ombro dela. O que Adam mais queria era tomá-la nos braços e beijá-la ali mesmo, mas prometera respeitá-la e assim pretendia agir, mesmo lutando fortemente contra sua vontade. Não avançaria o sinal até sentir que ela estava pronta. E até isso acontecer, desfrutaria de sua companhia.
- É aqui que você vai morar.
Ela parou e olhou para a casa admirada. Tinha dois andares e era conjugada com outra, como muitas nesta vizinhança. Era de tijolos a vista, com porta e janelas brancas e com um jardim agradável à frente, que estava mal cuidado, e ela logo imaginou que tipo de flor plantaria ali. Na parte superior, a casa possuía duas janelas sendo que uma delas pertencia a de seu quarto, como Adam explicou.
- Adorei! – fitou-o e sorriu com alegria. – A Meggy vai gostar muito se puder ficar solta. Será que dá para a gente colocar uma cerca para ela não fugir?
- Uma cerca? Acho que dá sim. Você quer entrar?
- Claro que eu quero! Você tem a chave?
Sorriu e mostrou o chaveiro, sacudindo-o no ar.
- Sou um homem prevenido. – comentou, com um sorriso iluminando o rosto.
- Será que tem luz? – tentou espiar pela Ilanala.
- Tem sim. Venha, vamos entrar.
Não demorou muito para abrirem as duas fechaduras e logo entraram na casa. Ele na frente, e ela em suas costas, agarrada a ele, pois não se sentia a vontade na escuridão. Adam tateou um pouco as paredes e rapidamente encontrou o interruptor. A luz aos poucos clareou o ambiente e ela pode perceber uma meia dúzia de móveis bem dispostos na pequena sala. Um sofá amarelo ocupava quase todo o espaço disponível e havia uma lareira que parecia ter sido usada recentemente.
- Hum, pelo visto minha irmã andou trazendo alguém aqui. – resmungou ao reparar que a sala estava meio bagunçada, como se tivesse sido recém utilizada.
- Deixa de ser ciumento. – ela zombou. – E além do mais, pode ter sido só suas amigas. Ela me comentou que costuma vir com elas aqui para assistir filmes e para pedir pizza também.
- É, mas não é para ficar trazendo qualquer um aqui. – contraiu as sobrancelhas, levemente irritado.
- E como você sabe que ela trouxe qualquer um? – ela achou graça e debochou.
- Não sei. Mas pode ter trazido, não pode?
Ela deu uma risada e o cutucou, batendo com a mão direita em seu ombro.
- Pará de controlar sua irmã, coitadinha. Vicky não é mais uma criança. Eu com a idade dela já estava praticamente casada.
- Casada? Não. Minha irmã é muito nova para casar.
Ela achou graça, mas resolveu mudar de assunto.
- E o que tem lá em cima? – ela perguntou, já subindo as escadas. – Ah, o banheiro é aqui, antes dos quartos. Mas qual será o meu quarto? Hum... .Esse deve ser o de Vicky, está com as coisas dela e esse deve ser o meu. Deixa eu ver.... Hum... Nada no armário e espaço suficiente para eu colocar as minhas roupas. Adorei! E aqui será o canto da Meggy. Posso mudar a minha cama de lugar? Gostaria de colocá-la aqui, perto da janela. Adoro acordar com o sol batendo no meu rosto. – fechou os olhos e imaginou a cena, sonhadora.
- Sério? Eu odeio. Sempre coloco várias cortinas ou persianas nas janelas para impedir a claridade.
Ela olhou para ele e sorriu.
- Ah... Deixa eu experimentar meu colchão. – pulou na cama feito criança – Não é dos melhores, mas pelo menos acho que não me dará dor nas costas. Quer ver? Venha aqui, prove o colchão comigo.
Ele estava parado junto à porta, observando-a.
- Será que tem travesseiro? – ela questionou.
- Acho que na parte de cima do armário. Já olhou lá?
- Não, eu não alcanço. Vê para mim?
- Claro. Aqui está. – abriu a porta de cima do armário e lhe alcançou um travesseiro gordo e sem fronha.
- Venha, Adam. Deite aqui comigo. – chamou-o, afofando o travesseiro para ele.
Ele esta receoso. Não tinha certeza se conseguiria se controlar ficando tão próximo a ela, mas acabou cedendo e deitou-se com ela.
Ela começou a rir, baixinho.
- O que foi, Isy?
- Sabia que você é o primeiro homem que divide uma cama comigo desde muito tempo? – comentou achando graça.
“Mas não do jeito que eu gostaria”- ele pensou.
- Hum... E o Gerard, Isa?
- O que tem ele?
- O que aconteceu entre você dois?
- Nada além daquele beijo que você viu.
- Nada mesmo?
- Não. Embora ele esteja sempre atrás de mim... Mas eu não quero mais beijar ele não.
- Por quê?
- Ah.... Eu tenho vergonha de te falar... – passou a olhar para o teto, fugindo dos olhos dele.
- Hum? Pode falar, Isy. Nós somos amigos agora. E eu já te contei meus segredos, agora é tua vez. – ele se aproximou mais dela, apoiando-se sobre o cotovelo, e se posicionou de uma forma que ela não conseguia não encará-lo.
- É que... Eu não sei se eu desaprendi a beijar ou....
- Ou? – ele se policiou para não rir, mantendo-se sério.
- Achei o beijo dele ruim. – ela finalmente confessou e fez um careta. – Mas por favor, não conte para ele! – suplicou.
Ele a olhou, estupefato, não acreditando no que ouvira e após um tempo de reflexão deu uma sonora gargalhada, jogando a cabeça para trás.
- E você acha que desaprendeu a beijar? – indagou curioso, chegando novamente com o rosto para perto dela e se esforçando para parar de rir.
- Pode ser, não pode? Eu não sei... Temo que sim.
Ele continuou achando graça.
- Se quiser, a gente pode tirar a prova agora. – tentou ficar sério.
- Como assim?
- Eu posso te beijar e você verá se desaprendeu mesmo ou o beijo dele que era ruim.
- Hum.... – ela ficou pensativa, considerando a proposta tentadora – Você está falando sério?
- Sim. – ela fitou aquele lindo par de olhos azuis que a encaravam e se desconcertou por uns segundos. Enfim acrescentou:
- Eu tenho curiosidade para saber isso, mas....
- Mas o quê? – tentou não deixar transparecer sua ansiedade. Estava torcendo para que ela aceitasse.
- Se desse para a gente dar apenas um beijo e depois continuarmos amigos, como se nunca tivéssemos nos beijado... Eu quero apenas um beijo, nada mais do que isso.
- Eu prometo que de dou apenas um beijo, se você quiser apenas um beijo.
- Eu quero apenas um beijo.
- Então está bem. Você quer agora?
- Não sei, estou com medo.
- Medo de quê? De gostar ou de constatar que desaprendeu mesmo a beijar?
- Dos dois.
- Eu não vou te forçar a nada, mas se você quiser estou aqui. – afirmou e sorriu, chegando com o rosto próximo ao dela. Ela deitou de lado, de frente para ele, e ambos passaram a dividir o mesmo travesseiro. Estavam tão perto que encostavam a ponta do nariz um do outro e os lábios dele estavam tão convidativos que ela não teve mais dúvidas do que desejava fazer. Se aproximou dele e deu um selinho em seus lábios, logo se afastando e voltando à posição inicial.
- Assim não vale, não foi dessa forma que você beijou meu primo. – ele resmungou.
- Eu sei – ela sorriu, não desviando os olhos dos dele por nenhum momento.
Ele se aproximou novamente e quase encostou os lábios nos dela, mas antes de prosseguir indagou:
- Posso?
- Hum rum – ela consentiu, baixinho, com a boca entreaberta. Respirou fundo, antes de fechar os olhos e permitir o beijo.
Ele foi chegando devagarzinho. Primeiro tocou lhe os lábios de forma suave, mas, aos poucos, apertou sua boca contra a dela e procurou explorá-la sem pressa. Ela abriu a boca lentamente, permitindo que ele a explorasse. As línguas se encontraram timidamente, se tocando de leve, mas logo iniciando movimentos frenéticos. Queriam se descobrir, queriam sentir o sabor um do outro. E enquanto o beijo progredia, Isa sentia crescer dentro dela um desejo há muito tempo adormecido e por alguns minutos esqueceu de todos os seus problemas e se entregou completamente àquele beijo. Como se nada mais existisse e o mundo tivesse parado naquele momento.
Inicialmente, eles estavam com os corpos separados um do outro, apenas com as bocas coladas. Mas conforme o beijo progredia, passaram a buscar um o contato do outro, unindo-se como conseguiam. Terminaram o beijo completamente agarrados e grudados, como se não existisse nenhum espaço entre eles, como se fossem um corpo só.
Ele enfim afastou os lábios dos dela a passou a fitá-la e fazer caricias em seu rosto. Ficaram um tempo em silêncio e ele percebeu que ela estava prestes a chorar.
- O que foi, Isy? Foi tão ruim assim?
- Não. Você sabe que não foi... – ela enfim deixou as lágrimas rolarem livres pelo rosto e se afastou dele, sentando-se à beira da cama.
- E então? O que houve? – ele indagou de forma atenciosa e preocupada, sentando-se ao lado dela.
- Eu não posso fazer isso. Eu sinto muito...
- Porque não? Porque não pode fazer isso? Não há nada de errado em ficarmos juntos. Você é solteira e livre e eu também.
- Não sou livre, Adam. Eu amo outro homem e sinto como se eu estivesse traindo o Erik.
- Isy! Erik morreu! Quando você irá perceber isso e começar a viver sua vida?
- Você não percebe? Será que não vê? Erik não morreu para mim! Ele está bem vivo aqui e aqui. – apontou primeiro para o coração e depois para sua mente.
- Não, Isy. Ele não está vivo, ele morreu! – ele esbravejou, irritado.
- Não fale assim comigo... Você não tem o direito de falar assim comigo. – ela recomeçou a chorar. – Isso não vai dar certo, Adam. Eu não quero a tua amizade. Eu não quero nada teu. Quero ficar bem longe de você!
Adam estava se esforçando, mas aquilo também era demais. Irritado, perdeu todo seu auto-controle.
- Se é isso que você quer, é assim que será. Nunca precisei forçar nenhuma mulher para ficar comigo e não o farei dessa vez. E não pense que vou ficar parado esperando você me querer. Não é assim que funciona, Isabela.
- E eu nem ia te pedir uma coisa dessas... – ela murmurou.
Ele estava agitado e passou a caminhar pelo quarto. Enfim parou de andar e parou à frente dela, fazendo com que ela se levantasse. Segurou-a pelos braços.
- Você não percebe o que está acontecendo entre nós, Isabela? Você não vê?
Ela o encarou, com os olhos marejados, mas não disse nada. Ele estava tão irritado, que não sabia se a abraçava e a beijava novamente ou se a sacudia até que a fizesse perceber a besteira que ela estava fazendo.
- Isabela, você sabe como eu me sinto? Você tem idéia do que eu sinto por você? Você tem idéia, de que nunca... – mas ele se calou.
- Por favor, não me fale! Eu não quero saber! Não torne as coisas mais difíceis do que já são... – disse, desviando o olhar e tentando se desprender dele.
- Não adianta. Eu cansei. Vamos embora. Se é assim que você quer, é assim que vai ser a partir de agora.
Eles caminhavam em silêncio, um clima constrangedor pairava sobre os dois. Mas apesar de tudo, ele fez questão de levá-la até em casa, e eles não trocaram uma só palavra pelo caminho.
Ao chegar à porta, ele disse:
- Eu não quero ser apenas teu amigo, Isabela. Eu realmente gosto de você, mas se é apenas isso que você tem a me oferecer, eu prefiro me afastar. Está bem? Mas, antes, eu preciso te dizer... – ele segurou o rosto dela delicadamente com a mão direita, fazendo com que ela o encarasse - Você não precisa ter medo de ficar comigo, Isy... Eu prometo que não irei te magoar, que não irei te fazer sofrer, por que eu realmente gosto de você. Entendeu?
Ela assentiu muda, olhando fixamente para os olhos dele. Surpresa e assustada, não conseguiu esboçar uma só palavra.
- E caso você mude de idéia, caso você queira também tentar, me procura, está bem?
Ela o fitou com os olhos tristes e assentiu, embora soubesse que não faria isso. Ele respeitou seu silêncio e antes de ir fez um último pedido.
- Posso te dar mais um beijo? Um beijo de despedida?
- Despedida? – ela murmurou.
- Sim, depois prometo me manter longe.
- Está bem. – ela consentiu, apesar de nervosa.
Rapidamente, ele a tomou nos braços e se apossou de seus lábios dessa vez com uma vontade incontida, uma fúria não disfarçada, tentando passar para aquele beijo todo desejo reprimido, tentando demonstrar através desse último beijo todo o amor que sentia por ela. Com um braço envolveu sua cintura, trazendo-a para junto de si e colando seus corpos, enquanto com o outro apertava e afagava sua nuca.
Chegou até o ouvido dela para falar, mas não resistiu e mordiscou seu lóbulo. Isa se arrepiou e não conseguiu disfarçar o que sentia, soltando um pequeno gemido.
- Isy... Sei que é cedo demais para isso, mas pode ser minha única oportunidade e você precisa saber – ele sussurrou em seu ouvido – I,m in love with you (estou apaixonado por você).
Ele então se afastou e foi embora, sendo essas as últimas palavras proferidas por eles. Palavras que ficaram no ar, ecoando. Isa sentiu tal confissão penetrando-lhe à alma e entrou em casa aos prantos. Mas não sabia se chorava por Erik, por Adam ou por ela mesma.

- Ilana! É você? Como foi a viagem?
- Foi ótima, Isa. Mas estou ligando para te falar algo que você não sabe, porque não deu tempo para te contar.
- O que foi, minha irmã? – percebeu sua ansiedade em seu tom de voz.
- Sabe aquela hora que você e a Claudia foram no banheiro do aeroporto e demoraram um tempão, me deixando sozinha com Dilan?
- Claro que eu sei, foi de propósito. – ela riu.
- Pois é, eu desconfiei. Mas então ele aproveitou para me beijar, Isa. E me disse tanta coisa, tanta coisa linda! Ai, minha irmã, acho que estou apaixonada!
- Espera, Ilana. Uma coisa de cada vez. Ele te beijou? Finalmente, não é? Nossa, mas que homem mais lerdo! Esperou o último momento possível para te dar um beijo. Mas pelo menos valeu a espera? Foi bom?
- Bom? Foi maravilhoso! Aliás, você tem que provar novamente o beijo de um inglês, é bom demais! Não pode beijar apenas o Gerard, Isa.
- Eu sei, Ilana. Eu já provei o beijo de outro. Apenas acho que esqueci de te contar.
- Como esqueceu? Quando, Isa?
- Quando você ainda estava aqui. – confessou.
- Como assim, Isa? E você não me contou? Beijou o Adam, não é? Eu bem que desconfiei quando você chegou em casa e estava estranha. Aliás, você continuou estranha até eu ir embora. Vocês brigaram?
- Não foi bem uma briga, apenas... Ai, Ilana! Nem eu sei o que quero... Mas eu ainda não me sinto pronta para ter um novo relacionamento.
- Isa! Mas já faz quase dois anos que o Erik morreu! E você pretende passar o resto da vida viúva? Você é jovem, cheia de vida e eu acho que você dois fazem um casal lindo.
- Não existe nós dois, Ilana.
- Você que sabe, eu não vou insistir. Mas deixa eu te contar de Dilan então.... Ele pegou meu e-mail e quando eu cheguei aqui já tinha uma mensagem dele!
- Que lindo! Ele está apaixonado! E o que ele dizia no e-mail, Ilana?
- Isso mesmo: que ele está apaixonado. Mas eu vou te mandar para traduzir para mim, estou tão ansiosa e tem tantas coisas que eu não entendi. Você tem como ver agora, Isa?
- Acho que daqui a pouco, mas assim que der eu te mando a resposta, está bem?
- Sim e eu estarei aguardando. Creio que ainda hoje me matricularei em um curso de inglês, Isa. – riu - Ah... E já fica de olho caso apareça um trabalho para mim, porque dependendo das coisas, logo estarei aí e da próxima vez pretenderei ficar mais tempo.
Isa riu, estava contente pela irmã. Se ela pelo menos conseguisse se desligar um pouco mais de Erik, poderia tentar ser feliz também. Mas todos os dias - por inúmeras vezes - lembrava dele e sentia sua falta. Ainda doía muito. Ainda não conseguia se desligar. Só que agora algo estava mudando. Agora outro homem, lentamente, invadia também sua mente, tomando um espaço maior a cada dia. Um espaço que nem ela sabia que existia, pois achava que seu coração tinha morrido com Erik. Mas acreditava que teria que dar tempo ao tempo, pois dizem que o tempo cura tudo e é o melhor remédio. E ela sabia que um dia chegaria novamente o seu tempo de se feliz e que quando isso acontecesse, ela simplesmente saberia. Ou pelo menos imaginava que seria assim.
**
Capítulo 9
*
- Oi Mel! Você viu que eu arranjei um novo aluno de português?
- Um novo aluno, Isa? Quem? – indagou, curiosa.
- O Dilan! Você acredita? Ele quer falar com a minha irmã em português, olha que bonitinho! E ela está estudando inglês!
As duas riram.
- Que fofos, Isa! Eles estão apaixonados.
- Sim, estão. E sabe Melanie, se não fosse por isso eu voltaria para o Brasil ainda nesta semana... Não tenho mais nada para fazer aqui e tenho me sentido triste aqui também. Talvez mais triste do que lá.
- Por que, Isa? É por causa do que eu estou pensando?
- Não sei o que você está pensando... Mas acho que... Acho que sim. Posso ser sincera contigo? Posso te falar o que eu estou realmente sentindo?
- Você sabe que sim, Isa. Você sabe que pode confiar em mim. Te conheço há pouco tempo, mas penso que você já é uma das minhas melhores amigas. E Isa?
- Hum?
- Fico triste se você decidir voltar ao Brasil, queria que você ficasse aqui.
- Mas você não vai para lá também depois com o Bill?
- Não sei, talvez a gente vá para São Paulo, mas não há nada definido e depois tem outra coisa, Isa. Tudo dependerá se eu conseguir engravidar ou não. Já faz 8 meses que eu parei de tomar a pílula e ainda nada. Os médicos dizem que não há nada de errado, mas eu simplesmente não fico grávida. E se eu não engravidar até o final do ano, Bill está realmente tentado a aceitar essa promoção. E eu queria tanto um bebê, Isa! Já estou com 32 anos, já está mais do que na hora de eu ser mãe. – suspirou – Mas não conte isso para ninguém, está bem? Não gosto de falar sobre esse assunto, pois todos ficam me cobrando como se eu tivesse algum defeito. E além disso, posso nunca engravidar... Então decidimos, eu e o Bill, não contarmos para ninguém sobre os nosso planos, estamos simplesmente deixando acontecer. Ai, Isa.... E eu quero tanto ser mãe!
- Eu te entendo, Mel. Também queria ser mãe, mas queria ter sido mãe de um filho de Erik – suspirou – Queria tanto um filho dele! Você nem imagina o quanto... Mas a gente esperou tanto, tanto... Que agora ficou tarde demais.
- Não é tarde demais, Isa, não para você. Você é nova, pode se apaixonar por outra pessoa e ainda pode ter filhos.
- Não, Melanie. Não quero filho com outro. Minha chance de ser mãe morreu com o Erik. Eu queria um filho com ele, só com ele.
- Isa, não seja tão dramática. Você não sabe de nada. A gente nunca sabe de nada, nunca tem certeza do que pode acontecer. O mundo dá muitas voltas e às vezes os acontecimentos nos surpreendem.
- Sabe Mel.... Vou te contar algo que eu nunca falei para ninguém, mas você tem que jurar que não revelará a ninguém, sob hipótese alguma. É algo muito pessoal e dói demais para mim.
- O que foi, Isa? Claro que eu não contarei.
- Quando o Erik morreu... – fez uma pausa, desviando o olhar e fitando o chão – A gente tinha decidido, sabe... A gente tinha resolvido que queria ter um filho.... Ele queria há bastante tempo já, mas eu nunca achava que estava na hora, sempre protelava essa decisão. Mas quando ele morreu, fazia dois meses que eu tinha parado de tomar a pílula... Dois meses depois que eu finalmente decidi, ele morreu... Mas como eu queria ter decidido isso antes! Como eu queria ter um bebê dele! Como eu queria um pedacinho do Erik para mim. Você não faz idéia, Melanie... E não faz idéia de como isso dói.
- Faço sim, Isa. Pode estar certa que eu faço idéia. Eu sinto tanto medo de não poder ser mãe e apenas isso já me dói muito. Mas pelo menos o amor que eu sinto pelo meu marido me consola. E eu amo tanto ele que apenas o fato de tê-lo ao meu lado já aplaca um pouco esse meu temor. Mas eu te entendo Isa, te entendo muito. Porque se eu não tivesse um filho dele e Bill morresse ou partisse, eu não sei como suportaria. Não sei como sobreviveria.
- Mel... Por isso que eu gosto tanto de ti, amiga. Você não me julga, não me cobra nada e ainda por cima me compreende.
- Sim... – ela murmurou – Mas eu acho... Posso falar o que eu penso?
- Claro – deu um sorriso triste.
- Eu acho que você poderia ser feliz se tentasse, Isa. E eu acredito, de verdade, que Adam poderia te fazer feliz. – contraiu os lábios e encarou a amiga, tentando perceber o que ela sentia.
- Mel... Eu não sei o que te dizer. – fez uma pausa - Eu gosto dele, sabia? Na verdade, tenho pensado nele cada vez mais.
Melanie assentiu muda e abriu um leve sorriso.
- Mas.... Eu ainda amo o Erik. Se eu tivesse algo com ele, se eu permitisse essa relação, é como se estivesse traindo o Erik, sabe? E depois de que adiantaria eu me envolver com ele se eu não pretendo ficar aqui? Logo terei que voltar ao Brasil, não posso deixar minha mãe sozinha. Eu prometi ao meu pai, antes dele morrer, que eu cuidaria dela. E eu não posso quebrar essa promessa e simplesmente deixá-la sozinha.
- Mas tua mãe não pode vir para cá? Porque se você e Ilana viessem morar aqui, talvez ela aceitasse vir para ficar com vocês.
- Não sei, nunca pensei nesta possibilidade... – ficou refletindo - Mas eu queria ir para casa, Melanie, e se não fosse por Ilana....- calou-se, ressabiada - E ela só poderá vir em dezembro e acho que terei que esperar até lá.
- Isa? E o Adam?
- Que tem ele?
- Nunca mais o viu?
- Não. Depois daquele último encontro ele nunca mais foi ao Pub. E não tenho mais nenhuma notícia dele, exceto o que eu escuto às vezes Vicky falar. Ele me avisou que se afastaria e está cumprindo direitinho sua promessa... Mas sabe? Toda sexta-feira eu fico tão ansiosa, esperando por ele, mas ele nunca aparece. Estou com saudades dele, Mel. – ela confessou.
Melanie sorriu e comentou:
- Você está gostando dele, Isa. Por que não o procura?
- Não. Não quero. Se for para acontecer, acontecerá naturalmente e eu não vou fazer nada para isso. Estou esperando um sinal.... Algo que me diga que isso é o certo a fazer.
- Não espere muito, amiga. Não espere porque Adam é homem e é lindo e certamente não ficará muito tempo sozinho. E além do mais, eu fiquei sabendo de algo que eu devo te contar.
- O que foi? – franziu as sobrancelhas, curiosa.
- Valentine está com ciúmes de você, Isa, e parece que está tentando reatar com ele. Parece que ela sentiu-se ameaçada com a tua presença e percebeu que gosta dele e está fazendo de tudo para reconquistá-lo.
- Hum.... Qual é a história deles?
- Você não sabe?
- Não – murmurou.
- Você sabe que a família dele era muito rica, não sabe?
- Na verdade, não sei muita coisa sobre ele... Só o que eu sei é que eles passaram por algumas dificuldades, que a empresa do pai dele faliu e que ele teve um AVC quando isso ocorreu... Só isso.
- Então... Ele e Valentine eram namorados na época e então ele ficou pobre e ela o abandonou. Não agüentou o estresse, o clima pesado e terminou o relacionamento.
- Nossa, que sacanagem! Deixou-o sozinho quando ele mais precisava!
- Sim, foi mais ou menos isso... Mas temos que ver pelo outro lado também... Ele não a tratava bem, Isa. E depois, com o stress pelo qual passava, passou a ser mais áspero e grosseiro ainda com ela. Para mim, ele não gostava dela. Ele nunca gostou. Aliás, nunca o vi olhar antes para nenhuma outra mulher da maneira que olha para você.
- Sério?
- Sim, Isa. Ele está realmente interessado por você.
- Eu sei, Mel. Ele me disse. Ele disse que está apaixonado por mim.
- É mesmo? Então, Isa? O que você está esperando para cair logo nos braços dele e ser feliz?
- Não sei. Acho que estou esperando Erik me autorizar.
- Hum... Mas ele morreu, Isa. E ele pode nunca mais se comunicar com você, já pensou nisso?
- Não. Mel...? Você acha mesmo que a morte é o fim? Que a gente acaba quando morre?
- Não, Isa. Na verdade, eu não acho.
- Eu também não. É por isso, sabe? Às vezes eu sinto o Erik comigo, sinto-o ao meu lado tentando me dar força, tentando me consolar. Sinto que ele está respirando o mesmo ar do que eu. Às vezes chego até sentir ele me tocando. E me pergunto se não é tudo fruto da minha imaginação, se não estou sonhando e desejando isso tanto que acho que é verdade. Outras vezes penso que estou louca e não sei mais de nada. Mas, imagina, se o Erik está mesmo aqui, ele já me viu beijando dois homens, Melanie. E ele certamente não gostou do que viu e eu me sinto tão mal! Não posso fazer isso com ele.
- Mas Isa... E se isso for mesmo verdade, mas tudo que ele quer é te ver feliz? Já considerou essa possibilidade? Já pensou que talvez ele queira que você ame novamente? Que talvez ele queira te ver casada e com filhos?
- Não.... Não consigo imaginar Erik desejando me ver com outro. – fez uma pausa e ficou refletindo - Obrigada pela conversa, Mel. Obrigado pelos conselhos. Mas agora temos que começar a aula. Você está me pagando para isso e eu não posso correr o risco de perder minha aluna preferida. – forçou um sorriso, mas seus olhos permaneceram tristes.
- Está bem, Isa. Vamos à aula então. Mas me prometa que pensará a respeito.
- Prometo e vou pensar.
- Mas não pense muito, Isa. Pode ser tarde demais. Adam está carente e Valentine é uma mulher bonita.
Ela suspirou e acrescentou:
- Se ele ficar com ela é porque não gosta tanto assim de mim e porque não era mesmo para ser.
***
- E então, meu amor, o que a médica disse?
- Ela disse que se eu parar com o anticoncepcional agora, mês que vem já posso engravidar. Que o normal é demorar um pouco, mas que nem todas as mulheres reagem da mesma forma e que mês que vem a gente já pode esperar um bebê.
- Que bom, meu amor. – abraçou e beijou a esposa.
- Erik? – perguntou, ainda aninhada nos braços dele, apenas se afastando um pouco para fitá-lo.
- Que foi, querida?
- Estou com medo. Não sei se estou preparada para ser mãe. Um bebê é tão pequeninho e indefeso, Erik. Será que saberemos cuidar dele?
- Claro que saberemos, Isa.
- E será que teremos menino ou menina?
- Tanto faz, Isa, desde que tenha a carinha linda da mãe.
- Ah, não. Quero que tenha a carinha linda do pai. Eu fui uma adolescente tão feia, não quero que nosso filho sofra o que eu sofri.
Ele riu.
- Você não era feia, Isa, eu que era cego demais para percebê-la.
- Eu era feia sim, e você sabe que eu era.
- Está bem, talvez você fosse um pouquinho feia. Mas o que importa isso se agora você é linda e eu a amo?
- Hum... – ela resmungou. – Você nunca tinha admitido antes que eu era feia.
- Isa! Mas eu não admiti que você era feia, foi você que falou.
- Admitiu sim. E agora só falta dizer que eu estou gorda. Vamos, já que você está sendo tão sincero pode falar que eu não ficarei braba.
- Não vou entrar nesse assunto de novo.
- Vamos, Erik. Fala de uma vez que eu estou gorda.
- Não vou falar nada. – suspirou, contrariado – Se eu digo que não você não acredita e diz que eu estou mentindo e se eu digo que sim você fica mal humorada e emburrada comigo. Você está ótima, Isa, deixa de ser neurótica! E nada de querer emagrecer agora que vai ser mamãe, não quero que meu filho passe fome dentro da tua barriga. Vem cá, meu amor. Eu amo essa barriguinha linda – se abaixou e a beijou – e ela logo carregará o nosso bebezinho.
Encheu-a de beijo e ela logo parou de reclamar, aceitando os carinhos.
- Isa, vamos começar a treinar para fazer nosso filhinho?
- Agora, Erik? Mas nós temos que sair.
- Bem rapidinho, Isa! Não vamos nos atrasar, eu prometo. – suplicou.
- Está bem, meu amor, o que eu não faço por você. Diz que eu estou gorda, mas gosta, não é mesmo?
- Eu não disse isso, Isa. – ele reclamou, já sem paciência.
- Eu estou brincando, meu amor. Vem cá. – ela o puxou e o calou com um beijo.

- Erik! Eu disse que a gente iria se atrasar!
- Acalme-se, Isa. É só um jantar em família, não temos um horário rigoroso para cumprir.
- É, mas você sabe bem como tua mãe é... Depois ela passará o tempo todo reclamando do nosso atraso e ainda ficará nos comparando com John, que chegou no horário.
- É, mas o meu irmão John mora com ela!
- Eu sei, eu sei. Mas ela adora nos comparar com ele, Erik. E outra coisa... Não esqueça que você prometeu não contar sobre a nossa decisão.
- Sobre o quê, Isa? – fingiu não saber.
- Como sobre o quê, Erik? Sobre a nossa decisão de tentarmos ter um bebê! Não se faça de desentendido. – ela exclamou, exaltada.
Ele começou a rir.
- Eu sei meu amor, estou brincando. Não se preocupe, que não tenho a menor intenção de contar, até porque meus pais ficariam muito ansiosos. É melhor deixarmos para contar assim que você engravidar, o que eu, sinceramente, espero que não demore a acontecer.

*
- Isa, telefone para você e é uma ligação internacional.
- Está bem, Vicky. Já vou indo. Você sabe quem é?
- Eu não conheço Isa, mas é uma tal de Sarah.
- A dona Sarah! – correu para atender. Só conhecia uma Sarah, que era a mãe de Erik.
Respirou fundo, tomando forças, e enfim colocou o aparelho no ouvido.
- Alô?
- Oi Isa, estou te ligando para saber como você está.
- Estou bem... – ela murmurou – Na verdade, não sei direito, acabei de acordar, não pensei bem no assunto, mas eu sei que dia é hoje. Eu sei... Não tenho como esquecer. – comentou com uma tristeza evidente.
- Sim, Isa. Hoje é dia 10 de setembro, hoje faz dois anos que ele se foi e eu não consigo pensar em outra coisa. Então liguei para saber como você está, desculpa se eu te acordei.
- Na verdade, você não me acordou... Na realidade, eu mal dormi hoje... Eu sinto tanta a falta dele, mas tanta falta! Acho que podem se passar mais dez anos que eu continuarei me sentindo assim...
- Eu sei Isa o quanto você amava o meu filho, mas você deve deixá-lo ir em paz. Por isso eu estou te ligando, querida. Eu conheço meu filho desde que ele nasceu, e tenho certeza que ele não gostaria de te ver sofrer.
Ficaram uns instantes em silêncio.
- Isa?
- Hã?
- Tenho certeza que Erik gostaria que eu te dissesse isso, então eu te direi mesmo que você não queira escutar. Meu filho nunca foi egoísta, Isa, e ele gostaria de te ver feliz. Tenho certeza que Erik gostaria de te ver casada novamente, de te ver reconstruir tua vida, de te ver lá de cima com um monte de filhos, com os filhos que ele não pôde te dar. E eu conheço meu filho, Isa. Sei que ele só ficaria em paz se te percebesse feliz. Você está feliz, Isa?
- Não – respondeu quase num gemido.
- Mas promete que tentará ser a partir de agora? Que tentará reconstruir sua vida?
- Não sei, posso tentar... Será que é isso que ele quer mesmo? – indagou, apreensiva.
- Estou certa que sim, querida.
- Obrigada, Sarah. Você não sabe o quanto eu precisava ouvir essas palavras. O quanto eu preciso delas para prosseguir com minha vida.
- Que bom, Isa. Fico satisfeita por poder te ajudar– fez uma pausa – Isa? Tem mais uma coisa que eu queria te pedir.
- Hum? O quê?
- John vai passar um tempo na Inglaterra e ele gostaria de te ver.
- Claro! Quando ele vem? Eu adoraria revê-lo!
- Daqui há duas semanas.
- Que boa notícia! E diga para ele ficar aqui em casa, e que eu não aceitarei um não como resposta.
- Não terá nenhum problema?
- Claro que não! Eu conversarei com a Vicky e a gente se ajeita. Ai, fiquei tão feliz com essa noticia! Diga para ele me ligar para a gente combinar os detalhes.
- Está bem, Isa, eu direi. Agora vou desligar. Fica com Deus, está bem querida?
- Você também. Obrigado por ter ligado, Sarah. Pensarei com carinho no que você me disse. Beijos para todos ai.
- Beijos para você também, querida.
*
Isa desligou o telefone e ficou parada na mesma posição, estática, durante longos minutos.
“Será que isso é o sinal que eu preciso e que tanto eu pedi?”
Refletiu, ponderou muito, e chegou a uma conclusão:
“Deus já me mandou beijar Adam uma vez, quando fez com que ele me oferecesse uma bebida, e agora manda essas palavras através da minha sogra. Da minha sogra, imagina! O que mais eu preciso para ter certeza? Não preciso de mais nada, já me decidi. Agora, só preciso encontrá-lo.“
*
- Boa tarde, Gerard.
- Boa tarde, Isa. – parou o que estava fazendo e a encarou, curioso – Pelo visto alguém está de bom humor hoje. – sorriu.
- Acho que sim. – sorriu de volta. Depois da conversa com a ex-sogra sentia-se mais livre, como se tivesse tirado um peso de seu coração – Acho que estou mesmo feliz.
Observou o que ele estava fazendo e indagou:
- Precisa de alguma ajuda?
- Não, Isa, está tudo bem. Apenas tenho que liberar espaço para as cervejas que meu primo ficou de trazer. Mas ele já está atrasado! – resmungou, olhando o relógio verde de parede impaciente – Assim elas não ficarão geladas o suficiente para serem servidas hoje e o estoque está quase no fim.
- Sim, a cerveja de vocês está fazendo um sucesso! – forçou um sorriso, mas estava tensa. Quase deixou cair um copo, mas conseguiu resgatá-lo ainda no ar. - Adam está vindo aqui? – não conseguiu mais se controlar e acabou perguntando, deixando transparecer sua ansiedade.
Gerard fitou-a com atenção e fechou a cara. Chegou bem perto dela, parando à sua frente e perguntou, olhando-a no fundo dos olhos:
- Por que a pergunta, Isa? Por acaso você está interessada nele? – estava sério e visivelmente irritado.
Estavam frente a frente, bem próximos.
- Não... – ela balbuciou uma resposta constrangida e imprecisa. Logo andou um pouco, saindo de perto dele. Buscou outra coisa para fazer, tentando fugir do assunto, mas ele a seguiu.
- Isa! Fale a verdade, você está interessada no Adam?
Ela não respondeu e continuou de costas para ele. Pegou uma esponja sobre a pia e começou a lavar um copo, esfregando com agitação.
- Para que você quer saber isso? Eu não sou obrigada a te responder. Não te devo satisfações. – respondeu, insegura.
- Não me deve satisfações, mas eu gostaria de saber. – ele parou às costas dela, quase colando seu corpo no dela. Sua voz parecia triste.
- Por quê? Você não precisa de mim, você tem a Rebeca. – ela falou quase num murmúrio, evitando o contato visual.
- Pelo jeito você não repara mesmo em mim, não é mesmo? Não percebeu que a Rebeca não veio mais aqui? Não percebeu que nós não estamos mais juntos?
Ela enfim virou-se para ele e o encarou.
- Hum? – arqueou as sobrancelhas, boquiaberta.
- Eu terminei com a Rebeca, Isa! – ele elevou o tom de voz.
- Por quê?
- Porque não era justo eu estar com ela interessado em outra mulher.
- Outra mulher? Mas quem? – indagou sem pensar, mas logo se arrependeu de ter feito tal pergunta. Ficou com medo do que escutaria.
- Como quem?!!
Chegou perto dela e a girou, segurando-a de frente para ele pelos ombros com ambas as mãos. Tão firme e tão decidido que ela não pôde se mexer.
- Eu não tenho nenhuma chance, Isa? – inquiriu, esperançoso.
Encarou-a e ela desviou o olhar, olhando para o chão. Estava chocada e surpresa com tal revelação inesperada e não sabia como agir. Estava paralisada, sem reação.
- Não sei o que te dizer... – ela balbuciou.
Ele segurou o queixo dela e trouxe seu rosto para perto do dele, enquanto com o outro braço ainda a segurava pelo ombro, mantendo-a perto de seu corpo. Estavam tão próximos, e ela tão indefesa e inerte, que ele poderia beijá-la fácil se desejasse. Assim, ela foi obrigada a olhá-lo, mas antes que pudesse responder ou dizer qualquer coisa, ouviram alguém chamando a atenção.
- Preciso de ajuda Gerard, para tirar as cervejas do carro. – Adam estava parado próximo a eles, com um semblante visivelmente aborrecido. Sequer cumprimentou Isabela, evitando olhar para ela.
Adam chegara naquele momento, no pior momento em que poderia ter chegado. Ele e Isa não havia mais se visto desde o dia em que trocaram beijos, desde o dia que ele se declarara e decidira se afastar. E agora, a encontrara praticamente nos braços de Gerard.
Isa, por sua vez, ficou constrangida e não soube o que fazer. Como explicar à Adam aquela situação, se ele já tinha os vistos aos beijos outra vez? Como explicar a ele que não era nada disso que ele estava pensando? Certamente ele não acreditaria nela. E isso acontecera justo agora, que ela pretendia revelar a ele seus sentimentos, que ela pretendia dizer a ele que estava pronta para tentar. Agora que finalmente decidira que queria ficar com ele.
Isa ficou parada no mesmo local olhando os dois descarregando o carro e trazendo as cervejas, o que levou alguns minutos, que para ela se assemelharam a horas. Estava muda, estática e constrangida. Dois homens lindos haviam se declarado a ela, dois homens lindos que ainda por cima eram primos. Como poderia não magoar um dos dois? E como poderia não magoar a si mesma? Certamente Adam não acreditaria nela e não iria querer mais falar com ela.
Adam foi embora sem se despedir, sem trocar uma palavra com ela e nem um único olhar. Ela notara que ele estava furioso.
- Acho que meu primo ficou brabo com a gente, Isa. – Gerard se posicionou ao lado dela e falou com tristeza – Você quer que eu fale com ele? Explique que não aconteceu nada entre nós?
- Não.
- Desculpa, Isa. Não percebi que havia algo entre vocês. Se eu soubesse, nem teria te contando como eu me sinto.
- Gerry... – ela o encarou e murmurou – Não há nada entre eu e teu primo, mas eu gosto dele. Eu acho que eu estou apaixonada por ele. – ela enfim confessou e sentiu-se mais leve.
- Então vá atrás dele. Ele ainda deve estar ali na frente.
- Será?
- Claro, vá falar com ele.
- Obrigada, Gerry. – Ela sorriu para ele e ele tentou sorrir de volta, mas os olhos não acompanharam o sorriso. Os olhos mantiveram-se tristes.
*
Isa saiu do Pub e encontrou-o encostado no carro desligando o telefone celular.
- O que você quer? – fuzilou-a com o olhar.
- Eu queria falar com você... Eu e o Gerry... Você entendeu tudo errado, não há nada entre nós.
- Não, é? Então o que eu vi foi uma miragem?!! Foi uma ilusão de ótica?!! – ele estava furioso.
- Não, você viu o que viu, mas não há nada entre nós... Não há nada entre eu o Gerard...
- Eu não acredito em você, Isabela. E mesmo se acreditasse, agora não importa mais. Acabei de marcar de sair hoje à noite com Valentine.
- Valentine? Não! Você não pode sair com ela!
- Por que não?
- Porque não pode. – respirou fundo e tomou coragem para prosseguir - Adam, eu gosto de você. E eu quero...
- Devia ter pensado nisso antes de se envolver com meu primo. Eu não confio mais em você, Isabela.
Ela ficou com lágrimas nos olhos e se controlou para não chorar.
- Então acho que é isso.... Acho que não era para ser mesmo... – encarou-o insegura.
Ele manteve-se mudo e ela não agüentando mais o silêncio e o olhar agressivo que ele lhe lançava, saiu correndo e voltou ao Pub.
- Isso, volte depressa para o Gerard. – ele resmungou para si mesmo, apertando uma mão contra a outra até sentir dor.
*
- E então? – Gerard aguardava por ela impaciente. Ela, que até então segurava as lágrimas, deixou-as correr livres pelo rosto.
- Ele não quer mais nada comigo – ela balbuciou, em meio ao choro – Ele vai voltar para Valentine, Gerard. O que eu faço?
- Nada. Dê tempo ao tempo, Isa. Meu primo é um cabeça-dura, mas se ele gostar mesmo de você, logo vocês se acertarão.
- Será? – ela indagou, transparecendo seu sofrimento.
- Desculpa, Isa. É tudo culpa minha. Eu não devia ter me metido entre vocês.
- Não Gerard, você não tem culpa, você não sabia.
- Venha cá, então. – ele a abraçou, tentando consolá-la, envolvendo o corpo dela com seus braços fortes. Tentando fazer com que ela parasse de chorar e se sentisse melhor. E nesse instante, Isa percebeu que ganhara um amigo. Que tinha alguém que gostava dela e a protegeria. E com esses pensamentos, realmente sentiu-se melhor e parou de chorar.
- Obrigada, Gerard. – falou apertando mais o abraço e colando a cabeça em seu peito. Ficaram um tempo nessa posição e depois retomaram os seus afazeres. Cada um perdido em seu próprio pensamento.

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