sexta-feira, 26 de março de 2010

Tempo de Ser Feliz - Capítulos 1 a 4

Tempo de ser feliz - história de Tânia PiconSinopse:
(Feita por Indira, eu sou péssima em sinopses).

Sempre dizem que depois da tempestade vem a bonança. Mas nunca ninguém nunca falou que o contrário também poderia acontecer. Isabela casou-se com o amor da sua vida, realizou o seu sonho de ter uma agência de viagens, só faltava uma coisa para se sentir completa, um filho e uma viagem pela Europa, seus dois sonhos, e tudo indicava que estava próxima de realizar... Mas de repente sua vida é revirada por uma intensa tempestade, e Isabela não sabe como sobreviver. O que fazer? Existe uma forma de recomeçar? Um novo amor pode surgir? Ainda há possibilidades de ser feliz?
***
Essa foi a segunda história que eu escrevi na minha vida, e a maior dela. Tenho que deixar um agradecimento especial a Alexandra Mathias, que se não fosse por seus pedidos insistentes, essa história não teria fim.
***



Tempo de ser feliz

“O tempo passou. Dizem que tempo é remédio para tudo. O tempo faz a gente esquecer. Há pessoas que esquecem depressa. Outras apenas fingem que não se lembram mais..."
O tempo e o vento – Érico Verríssimo

“ Algumas coisas que eu aprendi na vida:
Aprendi que as pessoas com quem você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa.
Aprendi que devemos deixar sempre as pessoas que amamos com palavras amorosas. Pode ser a última vez que a vejamos.
Aprendi que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido; o mundo não pára pra que você o conserte."


“Vai minha tristeza,
e diz a ele* que sem ele* não pode ser,
diz-lhe, numa prece
Que ele* regresse,
porque eu não posso mais sofrer.
Chega, de saudade
a realidade,
É que sem ele* não há paz,
não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim,
não sai de mim, não sai
Mas se ele* voltar, se ele* voltar,
Que coisa linda, que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei na sua boca."

Tom Jobim (*trocando ela por ele)

****
Capítulo 1

Isabela da Silva Gusmão estava apreensiva. O prazo que dera a si mesma para voltar esgotaria em duas semanas. E agora, o que faria? Duas semanas passariam voando e ela ainda não se considerava pronta para voltar para casa. Seu dinheiro logo acabaria e não gostaria ter que pedir socorro a sua mãe. No máximo, recorreria a sua irmã Ilana, mas isso também não era algo que lhe agradaria fazer. Não. Não tinha jeito. Ela precisava voltar.
E com esses pensamentos, arriscou sair à noite sozinha pela primeira vez desde que chegara. Andando pelas ruas sem destino, achou um Pub que lhe atraiu e corajosamente resolveu entrar. A música era agradável e ela sentou-se em uma mesa de canto na parte interna do pub. Naquele dia havia uma brisa gelada e o frio impossibilitava a presença de pessoas nas mesas colocadas ao ar livre.
Pediu uma cerveja escura, mas logo lhe ofereceram outra, com uma tonalidade mais avermelhada -especialidade da casa- que ela aceitou com prontidão. Reparou que era costume servirem em grandes copos, chamados de pint glass (568ml) e que a cerveja não era gelada como ela estava habituada a beber no Brasil.
O ambiente era agradável, e como ainda era cedo, não estava muito cheio. Algumas pessoas conversavam em uma mesa do lado oposto e estavam olhando para ela, rindo e comentando a seu respeito, provavelmente num tom malicioso. Ela baixou a cabeça e decidiu terminar sua cerveja e ir embora. Uma mulher sozinha num bar chamava atenção, ela bem sabia, e não gostava de ser o alvo de tantos olhares. Ela era uma mulher bonita, embora não se sentisse assim, embora se esquivasse da atenção masculina nos últimos tempos, e atraia tanto os olhares invejosos femininos como os de cobiça masculinos.
E enquanto terminava a sua bebida e se aprontava para sair, um dos homens que tocava na banda fez um intervalo e sentou-se perto dela, logo iniciando um papo. Ele era moreno, tinha olhos castanhos e poderia ser considerado atraente se não portasse aquele quê de cafajeste que Isa tanto detestava.
- Oi! Você está sozinha?
Ela assentiu, muda, com um aceno de cabeça.
- E não está esperando ninguém? Posso me sentar?
- Depende para que. – ela respondeu, ríspida, desgostosa por ser novamente abordada dessa maneira. Não tinha mais ânimo para isso, só o que ela queria era um pouco de paz.
- Oh! Você não é daqui! Percebi pelo sotaque! – sorriu provocante – Da onde você é?– indagou, e sem esperar resposta puxou uma cadeira e sentou-se mais perto dela, galanteador.
Ela estava prestes a levantar. A última coisa que precisava era de uma cantada barata de bar.
- Dilan! Você chegou, até que enfim! Deixa eu te apresentar, essa é a minha amiga... – fez uma pausa, perguntando a ela – Qual é o seu nome mesmo? Não me recordo.
Ela ia dar uma resposta mal criada, não tinha a menor intenção de dizer seu nome, mas aquele recém chegado, sorrindo de forma tão simpática e inocente, fez com que ela mudasse de idéia. Além do mais, reparou que ele também estava de aliança. Então, com ele junto, talvez não corresse perigo.
Dilan era loiro, tinha tom escuro de loiro com uma mecha naturalmente mais clara caindo encantadoramente sobre a testa, ele possuía feições bonitas e agradáveis olhos verdes. Tinha a pele clara e algumas sardas no rosto que lhe davam um charme adicional. Ele acabava de chegar e estava com a ponta do nariz vermelha pelo frio que apanhara na rua. Estavam no verão, mas uma brisa gelada chegava junto com o enfraquecimento do sol. Eram 20 horas e o sol ainda estava alto, embora perdesse força a cada minuto. Nessa época do ano, costumava anoitecer só perto das 22 horas, fato que Isabela achava ao mesmo tempo estranho e fascinante. O solstício de verão - dia mais longo do ano - ocorria no dia 23 de junho e agora estavam no início de julho. Conforme o passar dos dias, o dia escurecia 2 minutos mais cedo, até chegarem no inverno, onde os dias eram curtos e a escuridão chegava cedo. Quando nublado, às 16 horas parecia noite no inverno.
- Não se recorda porque eu não disse. Meu nome é Isabela Gusmão.
- Prazer, Isabela – o homem loiro estendeu a mão, alegremente. Ele tinha um jeito tão inofensivo que fez com que Isa descontraísse os ombros e relaxasse um pouco – Vejo que você não é daqui, da onde você é? – Dilan questionou, curioso.
- Sou Brasileira. Moro no Rio de janeiro. – sorriu de volta.
- Brasileira? Legal! Acho o Brasil um país maravilhoso, embora só o conheça por fotos. E o que faz por aqui, tão longe de casa? Turismo ou trabalho? – Dilan perguntou.
- Pode-se dizer que é turismo. – ela comentou, com leve desânimo.
- Tenho que voltar a tocar daqui a pouco. Toma uma cerveja conosco? Por nossa conta, é claro. Podemos sentar com você? – o outro indagou, agitado. Sempre fora fascinado por mulheres brasileiras e saber o país de origem da misteriosa morena a tornara ainda mais atraente a seus olhos.
Dilan, vendo que ela estava receosa por permitir dois desconhecidos à mesa, comentou:
- A cerveja será por conta da casa, já que estamos convidando. Somos amigos do dono. Meu nome é Dilan Stevens e este é meu amigo: George Michel.
- Está bem – ela concordou – A última, depois eu irei embora.
- Você é casada? – George observou a aliança na mão esquerda.
- Não.
- É noiva então?
- Também não.
- Tem algum compromisso com alguém?
- Não mais...
- E então? Para que a aliança? Para espantar pretendente? Se for esse o motivo, quero que saiba que tem justamente o efeito contrário. Pelo menos para mim. – George comentou animado, dando uma risada alta.
Isa manteve-se em silêncio, e fuzilou-o com o olhar. Mas ele não percebeu nada.
- Eu não penso como ele, Isabela. – Dilan explicou - Também mantenho a minha aliança, mesmo com o término de meu relacionamento. Ainda não me sinto disposto a me separar dela.
- Sim! Ele cultiva a aliança para se proteger! Para evitar o assédio das outras mulheres. Mas queria ver se Kate visse que você ainda a mantém, Dilan, depois de tanto tempo que vocês estão separados. Eu já disse a ele, Isabela, várias vezes, que manter essa aliança não era saudável, mas ele não me escuta nunca.
- Eu o entendo. Também não me sinto pronta para dar adeus a minha.
- E há quanto tempo vocês estão separados? – George perguntou a ela.
- Quase dois anos… Fará dois anos no final do mês.
- Dois anos? Mas você superou o meu amigo Dilan! Coisa de louco.
Dilan sorriu para ela, com cumplicidade. Enfim alguém lhe entendia, enfim conhecia alguém parecido com ele.
- E há quanto tempo você está separado, Dilan? – ela indagou, ignorando o moreno inconveniente.
- Um ano e dois meses.
- Viu só? – George exclamou – Ele ainda conta até os meses. Até os meses! – repetiu, exaltado.
Isabela e Dilan passaram a ignorar a presença de George, conversando entre eles.
- Bom, voltarei ao meu show. Conversamos depois, Isabela?
- Sim, se eu ainda estiver aqui.
- Ok – se afastou, caprichando no sorriso e logo deixando os dois sozinhos.
- E então? Conte-me a tua história. – Dilan solicitou, simpático.
- Só se você me contar a tua primeiro.
- Ah... – ele soltou um resmungo, mas logo voltou a sorrir – Kate me deixou. E isso é tudo.
- Ah....
- E você? Qual é a sua história?
- Erik me deixou, isso é tudo. – ele repetiu as palavras e sorriu, zombeteira.
- Ah! Isso não vale! Está bem, você quer mesmo os detalhes?
Ela assentiu, com um movimento de cabeça.
- Mas todos os detalhes sórdidos? – ele brincou. E reparou, satisfeito, que enfim já conseguia sorrir ao falar de Kate.
- Sim!
- Eu conheci Kate através de uma amiga em comum, fomos apresentados aqui mesmo, nesse pub. Mais precisamente, naquela mesa – suspirou.- Isso foi há seis anos. Não demorou muito, e ela foi morar comigo. E moramos juntos por cinco anos, até que ela se foi.
Fez uma pausa, bebendo um pouco da cerveja, enquanto Isabela lhe observava com atenção.
- E para mim estava tudo bem, sabe Isabela?
- Isa, pode me chamar de Isa. – ela interrompeu, com simpatia.
- Está bem, Isa. Eu estava feliz e achava que ela se sentia da mesma forma que eu. Ela vivia reclamando que nós não saíamos mais, que eu estava sempre trabalhando e nunca tinha tempo para ela, mas eu não levava isso tão a sério, afinal, que casal não tem os seus problemas? E achei que ela me amasse ainda, como eu a amava. E então ela parou de reclamar. E penso que foi nesse momento que os verdadeiros problemas começaram, pois quando uma mulher pára de reclamar da forma que ela fez, é porque ou ela se cansou, ou porque arranjou outra coisa para se distrair. No caso dela, acho que foram as duas opções. E a distração que ela arranjou, eu descobri por mim mesmo algum tempo depois. Um dia, quando já estávamos separados, eu a encontrei na rua com meu amigo Mark. Eles estavam sorrindo, abraçados, enquanto que eu ainda estava em frangalhos, sentindo imensamente a falta dela. Mas me escondi, e eles não puderam me ver. E eu fiquei arrasado, completamente acabado. E qual a minha surpresa quando eu contei tal episódio aos meus amigos: ninguém, além de mim, pareceu espantado. Ao contrário, todos os meus amigos me revelavam que durante todo o nosso relacionamento ele vivia cercando-a de atenções. E, segundo eles, ela correspondia. Tudo ocorrendo debaixo dos meus olhos, e só eu não percebia.
- Mark? Ele era muito amigo seu?
- Sim. Pior que era. Um dia nos reencontramos em uma festa e ele já estava com ela, mas não a levou por minha causa. Ele não sabia que eu os vira, achava que eu não fazia idéia que eles estavam juntos. E tem que ver, Isa, o comportamento dele comigo. Tratando-me como se estivesse tudo bem, com a maior cara de pau, me dando inclusive conselhos a respeito de Kate. Se não fosse por Adam, acho que ele ainda freqüentaria o nosso grupo de amigos, como se não tivesse feito nada de errado.
- Adam?
- Sim, Adam Simons. Ele é meu melhor amigo. Talvez ele venha daqui a pouco e você poderá conhecê-lo. Mas ele trabalha muito, quase nunca consegue vir.
Dilan deixou a conversa morrer, e ele como não prosseguia, Isabela indagou:
- Mas o que fez?
- Ele o confrontou na frente de todos. Adam é um homem de poucas palavras, muito contido e sério, mas quando contrariado, vira uma verdadeira fera – Dilan deu uma rápida risada gostosa.
- Ele bateu no Mark? – ela arqueou as sobrancelhas com curiosidade - Bem feito, ele merecia mesmo uma boa surra!
- Não, não. Não chegaram a tanto. Mas, Mark, colocado contra a parede, não pôde negar que estava morando com Kate, que eles já estavam juntos durante os últimos meses do nosso relacionamento, e, para finalizar, que eles estavam noivos e de casamento marcado. Quando para mim ela dizia que nunca iria se casar. Ficamos noivos durante anos! – ele suspirou – Na verdade, ela não queria casar comigo.
- Hmm... Sorte tua, Dilan.
Ele a fitou com surpresa.
- Sorte tua que se livrou de uma mulher feito essa. Garanto que o futuro te reserva algo bem melhor.
- Sim... E para você também. – os cantos de seus lábios se curvaram para cima, ele parecia mais aliviado após o desabafo - E então, qual é a tua história?
- A minha é ainda mais trágica, eu acho... Eu conheci Erik ainda no colégio, e acho que a vida inteira fui apaixonada por ele. Aliás, não lembro de sequer ter olhado para outro além dele. Mas ele não reparava em mim. Ele não me via – ela resmungou – E então, teve um reencontro da turma após dois anos de formatura, eu já estava com dezenove anos, e não sei se algo havia mudado em mim, mas ele deve ter achado que sim: pois me olhou diferente. Acho que foi o dia mais feliz da minha vida, porque nesse dia, trocamos o nosso primeiro beijo. E que beijo! Nunca pude esquecê-lo. - Ela comentou, com tristeza.
Melancólica, apoiou os cotovelos na mesa e o queixo sobre os dedos. Deu um breve suspiro e afinal prosseguiu:
- E namoramos por dois anos e então decidimos nos casar. Retiro o que eu disse antes: na verdade, eu acho que o meu casamento foi o dia mais feliz da minha vida! O beijo foi o segundo. Mas tivemos tantos momentos felizes que eu nem sei... – suspirou novamente, sem olhar para ele. Isabela mantinha um olhar perdido, com os olhos refletindo uma tristeza intensa.
Ela ficou em silêncio, brincando com o copo. O enorme copo de cerveja que já estava quase vazio e era o segundo que ela bebia.
- E então, Isa? O que aconteceu?
- Ele morreu, Dilan... – ela balbuciou, fitando o chão.
- Ele morreu? – ele indagou, atônito – Mas como?
- Acidente de automóvel.
- Nossa! Você tem razão, Isa. A sua história é pior do que a minha. A Kate foi embora porque quis, mas o Erik... - Ele contraiu os lábios, apreensivo.
- Ele foi tirado de mim... E tão rápido, que eu não pude me despedir...
Um silêncio pairou no ar. Ambos estavam imersos em seus pensamentos.
- Isa, você não acha que nos encontramos hoje por algum motivo?
- Hum?
- A nossa história, Isa. Ambos sofremos, mas não acha que está na hora de nos livrar desses fantasmas? Não acha que está na hora de retomarmos a nossa vida normal?
- Acho... – ela murmurou. - Eu o amava, Dilan. Mas preciso deixá-lo ir. Preciso viver a minha vida, parar de remoer o passado... Mas não sei como se faz isso... Eu sou uma viúva, Dilan. Uma figura triste. Me sinto tão velha... Às vezes sinto pena de mim mesma, e isso é tão patético! Meus amigos não agüentam mais me ouvir falar dele, e eu tenho guardado tudo para mim. Eles acham que é fácil, Dilan. Acham que eu devo esquecê-lo, que já faz tempo. Como se isso fosse fácil...
- Sei como você se sente, Isa. Comigo é a mesma coisa.
- Se ao menos tivesse um livro com a receita: como esquecer um amor em dez lições. A gente poderia escrever um, assim que aprender, não é? – ela riu de sua própria piada.
Ele sorriu, condescendente.
- Você não acha que o melhor jeito da gente esquecer é querendo? – ele indagou.
- Mas eu quero, quero muito!
- Isa, Isa – ele balançou a cabeça – Olhe só para a gente, isso sim é patético! Olha para nossas mãos, porque ainda portamos nossas alianças? Se tirássemos, pelo menos nos livraríamos de perguntas indiscretas como as do George. Mas se estamos com elas ainda, é porque não queremos esquecer. Pelo menos não nos esforçamos para isso.
- É verdade. – ela comentou, esticando a mão e olhando o anel. – Vamos fazer isso junto, Dilan? Vamos aproveitar hoje e tirar as alianças para sempre? – indagou, com um olhar suplicante – Dilan, nós dois juntos, seria a oportunidade perfeita! Acho que foi para isso que nos conhecemos!
- Mas como Isabela? Vamos simplesmente tirá-las e nunca mais colocá-las?
- Tenho uma idéia melhor! Veja o que você acha: vamos enterrá-las!
- Como? – ele perguntou confuso, coçando a cabeça.
- Fazer um enterro das alianças, Dilan! Com velório e tudo!
- Velório? Velório? – ele repetiu meio lento e atordoado - Mas quem iria?
- Nós dois. Olha que perfeito!
- Você é maluca! – ela agora relaxava e seus lábios simulavam um sorriso
- Ou poderíamos jogá-las ao mar. – ela propôs, com uma alegria rara. Uma empolgação como há tempos não sentia.
- Hum... Gostei mais da idéia do enterro – afirmou, pensativo – Vamos, Isa. Vamos sair daqui antes que meus amigos cheguem. Gerard é o dono desse pub, é o primo de Adam, e ele poderá nos fornecer alguns dos objetos necessários.
- Que maluquice! – ela exclamou ao perceber que sua idéia insana viraria realidade.
Quando levantou, ela percebeu que estava com dificuldade para caminhar, tropeçou um pouco e comentou:
- Acho que estou bêbada – sorriu meio encabulada.
- Melhor. – ele retribuiu o sorriso.

- Você tem certeza que só precisamos disso? – Dilan indagou ao observar novamente os três itens que ela levava nas mãos.
Sentaram-se embaixo de uma árvore, num lugar pouco movimentado, com vista para um rio.
- Claro. Pegue, coloque a tua aliança aqui dentro – sorriu, estendendo a ele uma das caixas de fósforos vazia. E eu colocarei a minha nesta outra.
- Hum... Parecem mini-caixões. Que fúnebre.
- É essa a idéia, Dilan! Enterro das alianças! Nunca viu um enterro de alianças antes?
- Não.
- Nem eu! – comentou e gargalhou com vontade, inclinando a cabeça para trás e sacudindo os cachos castanhos.
- Só você para me fazer rir numa hora dessas. – ele debochou.
- Tome essa colher. Cave bem fundo, Dilan! Para a gente nunca mais achá-las!
- Você é maluca, Isa!
Eles não paravam de rir.
Com as alianças bem enterradas, o mais fundo que a colher pôde escavar a terra antes de entortar, ela fez o sinal da cruz e disse:
- E agora vamos rezar pela paz das alianças. Um Pai Nosso e uma Ave Maria. Para que elas descansem em paz.
- Amém – ele afirmou, compenetrado, ao terminarem a reza.
- Tchau Erik. Eu te amo, e te amarei para sempre.
- Tchau, kate. Eu certamente não te amarei para sempre.
- Nossa, já me sinto bem melhor, sabia? Bem mais leve, como se tirasse um peso de mim. – ela comentou.
- Vai ver a tua aliança era bem mais pesada que a minha – ele gracejou.
- Para Dilan, estou falando sério. Sabe que eu nunca beijei ninguém depois que o Erik morreu? E agora, até sinto vontade de dar um beijo na boca.
- Se quiser, posso me oferecer como voluntário – ele sorriu.
- Claro que não, Dilan. Você é meu amigo. Aliás, acho que depois do que fizemos juntos, você é meu melhor amigo.
- Então você também é a minha melhor amiga, Isa. Porque o que acabamos de fazer será muito bom para mim.
- Para mim também.
- Pena que você vai embora. Você mora longe – ele resmungou.
- Por mim eu não iria embora... Se eu ao menos arrumasse um emprego...
- Sério? Meu amigo Gerard está precisando de alguém para trabalhar no Pub, não está interessada?
- Oh! Claro que sim! Mas não tenho nenhuma experiência, será que ele me aceitaria?
- Se eu pedir, penso que sim. Mas não percamos mais tempo, Isa. Vamos falar com ele agora.
- Hum... ele é bem bonitinho – ela comentou fazendo graça – mas não posso nem pensar em beijar o meu futuro chefe.
- E ele tem namorada, Isa.
- Ah... – ela fez uma careta. – Mas não repara, Dilan. Eu estou bêbada. Amanhã certamente não terei vontade de beijar ninguém.
- Então pode aproveitar a minha oferta, Isa. Você é uma mulher bonita, não seria nenhum sacrifício para mim.
- Para, Dilan. É até pecado!
- Pecado?
- Claro! – ela zombou – Amigos que enterram alianças juntos não podem se beijar!
Ele deu uma gargalhada.
- Isa, você é o máximo. Com certeza, é a minha melhor amiga!
- Dilan, você acredita em sinais? Em destino, essas coisas?
- Hum?
- Que o nosso destino era nos conhecer para nos ajudar? Que nada acontece por acaso?
- Não sei, nunca pensei no assunto.
- Eu acredito, Dilan. Acho que tudo na vida acontece por um objetivo, nada é por acaso e a gente constantemente recebe sinais para fazer as coisas certas. E agora que Erik morreu, eu vivo buscando sinais em tudo, para tentar arranjar um rumo para a minha vida.
- Sinais? – ele arqueou as sobrancelhas, enquanto faziam o trajeto de volta.
- Sim! Eu procuro por sinais, eu peço sinais à Deus toda hora. Tipo assim... Deixa eu pensar...- parou de andar, pensativa – Se houver algum homem naquele bar que eu deva beijar faça com que ele me ofereça uma bebida. – ela riu e ele deu uma gargalhada.
- Isa, se alguém lhe oferecer uma bebida você terá que beijá-lo, hein?
- E você também, Dilan. Se alguma mulher lhe oferecer uma bebida, não precisa ser hoje, pois é mais difícil de acontecer isso com um homem, mas se alguma mulher te oferecer uma bebida nos próximos dois meses, é porque ela é o amor da tua vida.
- Dois meses? Por que dois meses?
- Sei lá, foi o que me veio na cabeça.
Entraram rindo no pub.
- Meus amigos estão aí. – Dilan comentou. – Venha, eu vou apresentá-los a você.
- Está é Isabela Gusmão, é brasileira e agora é a minha melhor amiga – Dilan comentou, gracejando. – Isabela, está é minha irmã, Valentine, estes são Adam Simons e sua irmã, Vicky, e esta é Melanie Thompson.
Fez as apresentações e Isa cumprimentou a todos com um grande sorriso.
Mas não gostou de Valentine Stevens e nem de Adam Simons. Valentine foi esnobe, e a olhou de cima a baixo. Isa estava com os sapatos cheios de terra, contraída na cerimônia de enterro, e Valentine reparou, não disfarçando a sua cara de nojo. Adam não retribuiu o sorriso, olhando-a de maneira sisuda, parecendo ter sido incomodado por ela.
Vicky era loira e muito bonita, e parecia ser muito mais nova do que o restante do grupo. Melanie era uma simpatia, mas não possuía a beleza das outras duas. Tinha cabelos castanhos claros e olhos do mesmo tom, mas seus traços eram assimétricos: os olhos pequenos destoavam, não combinando com o nariz de tamanho avantajado e os lábios finos. Mas o seu sorriso logo lhe iluminava o rosto e compensava a falta de beleza. Valentine, por sua vez, tinha uma pele alva e lindos olhos azuis claros, possuindo o mesmo tom de cabelo que o irmão: loiro escuro com algumas mechas mais claras.
Das pessoas apresentadas, Isa apenas simpatizou com Vicky e Melanie. Percebeu logo que elas poderiam se tornar grandes amigas, isso se conseguisse o emprego e não tivesse que voltar ao Brasil.
- E aquele que está lá no bar conversando com Gerard é Bill Thompson, marido de Melanie.
- Isa, sente aqui com a gente. – Vicky solicitou – Conte-me como é o Brasil, tenho a maior curiosidade de conhecê-lo. Mas meu irmão não me permite fazer a viagem, diz que é muito longe para eu ir sozinha, ou com as minhas amigas. – ela falou em tom de confidência.
Isabela sentou-se entre Melanie e Vicky, logo engatando uma conversa animada com as duas.
- Meu irmão? Cadê a tua aliança? – Valentine reparou, mas indagou parecendo desinteressada.
- Eu enterrei! – ele falou orgulhoso, ganhando em seguida todos os olhares sobre si. – E Isabela me ajudou. Por isso ele é minha melhor amiga. – deu uma risada gostosa.
Em seguida, todos lhe encheram de perguntas, e Isabela agradeceu mentalmente por sua participação não ter sido mencionada com detalhes. Ninguém precisava saber que ela enterrara a sua também.
E assim que Thompson retornou à mesa, Isa percebeu que sentara em seu lugar. Aproveitou para levantar e ir ao banheiro.
Dilan conversava com Adam em um canto mais sossegado, próximo ao banheiro feminino, e eles não perceberam a sua chegada.
- E então Adam? O que você achou da Isabela? Eu acho que ela é mulher perfeita para ti.
Ouviu o seu nome e, curiosa, parou para ouvir. Posicionou-se atrás da parede, onde não poderia ser vista.
- Não vi nada de especial nela – respondeu num tom esnobe – Meio sem sal, na minha opinião.
Isa sentiu o ar faltar-lhe, de tanta raiva. Mas quem ele pensa que é:
“Ela era sem sal??!!”.- bufou.
Mas não deixaria nada lhe incomodar naquele dia. Sentia-se leve e feliz. E tão logo se recompôs: deu uma gargalhada discreta, cuidando apenas para não ser ouvida.
Não precisava da aprovação de ninguém, muito menos da aprovação daquele homem. E agora estava certa que não gostava dele!
Isabela voltou à mesa, sentando novamente entre as novas amigas.
Adam, como um bom cavalheiro que era, vendo que ela pretendia continuar entre seu grupo, não pôde deixar de perguntar:
- E então, Isabela, já que vejo que pretende permanecer com a gente, posso lhe oferecer uma bebida?
Pega de surpresa, ela trocou um olhar assustado com Dilan, que sorriu com vontade. O homem que lhe oferecera bebida era o último homem da face da terra que ela teria vontade de beijar! Dessa vez, talvez pela primeira vez na vida, ela ignoraria um sinal.
- Não, obrigada. – ela respondeu, e logo voltou a engatar a animada conversa, ignorando aqueles olhos de um azul opaco.
Adam era um homem alto e moreno, com os cabelos castanhos escuros e aparentava ter pouco mais do que trinta anos. Ele poderia ser considerando um homem atraente se não fosse a sua pose sisuda e carrancuda que lhe tiravam todo o charme, pelo mesmo foi o que pareceu aos olhos de Isa naquela noite.

**
Capítulo 2
*
- E então, Isabela? Dilan me falou que você está procurando um trabalho.
- Sim, eu estou sim. – ela afirmou, ansiosa. Gerard era tão encantador que ela se policiava para não olhar demais para ele, mas não conseguia deixar de fitar sua boca enquanto ele falava. Tinha mania de olhar para os dentes, e ele tinha dentes perfeitos: brancos e grandes, se encaixando completamente ao formato de seu rosto. E que rosto, ela pensava, analisando atentamente o seu expressivo maxilar. Mas tinha que se controlar. Perdera a conta de quantos copos de cerveja bebera e já não era mais dona de si.
Gerard tinha cabelos castanhos escuros e alguns fios brancos misturados entre eles, quase imperceptíveis, que lhe davam um charme adicional. Aparentava ter passado alguns anos dos trinta, e para Isa, era como se exalasse testosterona. E ela percebia que ele atraia muitos olhares femininos além do dela.
- E você tem alguma experiência? Já trabalhou em algum bar antes?
- Não. – arqueou as sobrancelhas, e logo em seguida emendou, esperançosa – Mas eu aprendo rápido.
- E em que você trabalhava antes?
- Eu tinha uma agência de viagens – balbuciou – mas ela fechou.
- Hum... Dilan solicitou que eu te desse uma oportunidade, Isabela, e ele é muito meu amigo, então não posso negar um pedido feito por ele. E além do mais, você conseguiu fazer por ele o que ninguém mais fez. E eu sou muito grato a você.
- Ah... Muito obrigada. – ela o encarou com alegria, um sorriso discreto surgindo nos cantos dos lábios – Então quer dizer que eu consegui o emprego?
- Faremos assim.... Você fará uma experiência comigo de uma semana, e se der certo, a contratarei.
- Uma semana? Ótimo. Estou certa que não te decepcionarei
- Assim espero.
- Começo amanhã? – questionou mascarando a felicidade.
- Sim, amanhã às 16 horas estarei te aguardando.
- 16? Certo! Estarei aqui, até antes se for necessário.
Ele riu.
- Não será necessário, Isabela – ele deu um sorriso aberto que ela achou o mais lindo do mundo. Nossa! Ela estava tão carente assim? – Normalmente abrimos às 11 horas, pois servimos almoço, e seguimos abertos até perto da meia noite. O horário em que eu estou precisando de um funcionário é a partir das 18 horas, tudo bem para você?
Ela assentiu, com um leve sorriso nos lábios. Piscou um pouco, mas conseguiu desviar os olhos do rosto dele.
- Apenas quero que venha mais cedo amanhã para eu te ensinar como tudo funciona.
- Ok. Está bem.
- Só mais uma coisa... Você pretende se estabelecer aqui, em *Birmimgham mesmo? Ou pretende logo voltar para o Brasil ou ficar em outra cidade inglesa? – ele indagou, desgostoso com a idéia de treinar uma pessoa que logo partiria.
*Birmimgham, segunda maior cidade da Inglaterra, fica a 120 km de Londres e se orgulha de ser uma área de negócios, com um grande pólo industrial. Assim como na capital da Inglaterra, há restaurantes indianos em toda a parte e não faltam shopping centers. Entre o visual de concreto de Brum, com o a cidade é carinhosamente chamada, é sempre possível encontrar um ou outro prédio histórico ou passear por seus diversos canais, em maior número do que em Veneza, na Itália. O frio é intenso na maior parte do ano. No inverno, chove demais enquanto no verão o calor é acentuado.
Isa estava hospedada da casa de uma amiga, que morava na Inglaterra há dois anos, e no momento passava as férias com a família no Brasil. Fora convidada inúmeras vezes para visitá-la, mas nunca encontrava ânimo suficiente para viajar. Mas agora, com a casa inteira à disposição dela, resolvera aceitar a oferta. Precisava de um tempo sozinha para pôr a cabeça, de uma vez por todas, em ordem. Já era tempo. Erik morrera há quase dois anos e ela precisava retomar sua vida, não podia mais continuar vivendo do jeito que estava.
- Não, eu não preciso mais voltar para o Brasil. Não há nada que me prenda lá, exceto a minha cachorrinha Meggy, mas minha irmã pode trazê-la até mim. Sabe? Tudo que eu preciso agora é de um recomeço. E gostei daqui.
- Está bem, então. – ficou satisfeito com a resposta - Te espero amanhã.
– Ok. Até amanhã.
Saiu rindo e cantarolando baixinho. Não precisava voltar, constatou, pelo menos por enquanto. Aliás, não queria mais voltar. Ainda não sabia o quanto ganharia, mas a idéia de poder ficar mais um pouco na Inglaterra, país pelo qual ela estava encantada, a fazia sorrir. Sorrir como há tempo ela não fazia. Acho que é um sinal, ela pensou. Talvez aqui seja o meu lugar.
- Tchau, Dilan.
- Tchau, Isabela. Mas vai embora sozinha? Se esperar mais um pouco, logo resolverei alguns assuntos com Gerry (Gerry era o apelido pelo qual os mais íntimos chamavam Gerard) e poderei te acompanhar. Já está tarde.
- Não obrigada, eu gosto de caminhar.
- Mas, Isabela... Pode ser perigoso. Se não quer esperar por mim, pode ir então com Adam. Ele já está indo embora, não quer que ele te dê uma carona?
- Não, obrigada Dilan.- ela respondeu rápido demais e não pode evitar uma careta – Prefiro correr todos os riscos do mundo a ter que ir com aquele teu amigo chato.
Dilan deu uma risada.
- Mas ele é legal. É apenas difícil de conhecer.
- Tchau, Dilan. Até amanhã. – saiu depressa, antes que ele reforçasse o convite.
- Aonde ela foi? – Adam posicionou-se ao seu lado, curioso.
- Embora.
- Mas sozinha? Eu já estou indo, poderia tê-la levado.
Dilan sorriu.
- Ela disse que gosta de caminhar.
- Mas a essa hora? Bom, cada louco com sua mania. – resmungou, meio mal humorado.
- Que bela encrenca que você me arranjou, hein Dilan? – Gerard chegava ao lado dos dois.
- Hum? Por que, Gerry? – Dilan se virou surpreso para olhá-lo.
- Já estou vendo que vou me incomodar com a Rebeca. – ele reclamou – O que eu não faço por você, Dilan! Ciumenta como a Rebeca é, imagina quando ela enxergar a Isabela!
- Por quê? – Adam indagou, desinteressado.
- Como assim, Adam? Por quê? Por que você acha? Será por que ela é uma mulher maravilhosa? Linda, charmosa e ainda por cima brasileira! Dizem que as mulheres brasileiras são as mais quentes! Ah! E vai dizer que não reparou no belo par de coxas que ela tem? E seios lindos também – Gerry discorreu com exaltação.
- Concordo – Dilan afirmou, sorridente. – Isa é linda.
- Bom... Gosto não se discute e eu não a achei nada demais. – Adam comentou. – Apenas observei que ela tem um expressivo par de olhos.
- Olhos? – Gerard exclamou - Adam, meu amigo, você só pode ter problemas! É brincadeira, não é? Só pode ser! Com todo aquele material, você perdeu tempo justo com os olhos? – Gerard zombou.
- Hunf – Adam resmungou, enquanto seus amigos davam risadas.
- E então, meus amigos, ouvi dizer que Isabela trabalhará aqui – George apareceu e indagou com entusiasmo.
- George? Por onde você andou? Não voltou mais para tocar, achei que voltaria. – Gerard reclamou.
- Ah... Por aí – respondeu malicioso.
- Ele devia estar lá atrás, nos fundos, com alguma sirigaita.
- Rá! Sirigaita, Adam? Só você mesmo para usar essa palavra tão arcaica e me fazer rir! – George gargalhou. – Mas desta vez você está errado, eu devo dizer. Apenas resolvi dar um passeio, para espairecer.
- Hum, sei... – Adam retrucou.
**
Sobre a Meggy, cachorrinha de Isabela.
Isa já estava resignada pelo fato de seu marido Erik não gostar de cachorros. Na verdade, não é que ele não gostava, mas ele sentia-se incomodado na presença desses animais. Não importava o porte, pequeno, médio ou grande, ele ficava receoso, sempre em posição de defesa.
- Amor, olha que bonitinho aquele cachorrinho. Tão pequeninho, tão branquinho e tão fofinho! – Falou, observando o animal na vitrine de uma loja. – Olha, ele está abanando o rabinho e pulando para nós. Ele está fazendo festa para nós! Vamos levá-lo para casa? – ela suplicou.
- Isa, Isa...
-Por favor, meu amor, eu quero tanto um cachorrinho!
- Você sabe que eu não gosto de cachorros, Isa.
- E um gato? Poderíamos ter um gato? – inquiriu, esperançosa.
- Muito menos. Gatos são traiçoeiros e independentes.
- Aí é que você se engana... Eu tive um gato quando criança, e ele vivia comigo e era muito companheiro... – resmungou e vendo que ele não cederia, voltou ao assunto inicial – E um cachorro? Por favor, um cachorrinho bem pequeninho? Tão pequeninho que você mal o perceberia? Que mal ele poderá fazer?
- Isa... Não vamos voltar a esse assunto novamente. Já te disse que não. Ou o cachorro ou eu, você escolhe.
- Ah... Mas eu queria ter um cachorrinho.... Você nunca vai mudar de idéia? Nunca teremos um cachorro? – indagava, desolada.
- Não!
- Ah...
Erik tinha trauma de cachorros. Fora mordido quando criança, ficando com uma cicatriz: uma marca profunda e feia na canela esquerda. E apesar de terem passado muitos anos, jamais voltara a gostar de cachorros. Tinha medo deles. E até aquele dia ainda paralisava e suava frio diante de um cachorro com a mandíbula aberta, mesmo que esse tivesse a clara intenção de dar uma boa lambida.
Isa, por outro lado, fora criada com muitos animais, sempre estando rodeada por gatos e cachorros. Morava com seus pais em uma casa que tinha um pátio grande, e ela e sua irmã Ilana constantemente achavam na rua um novo integrante e traziam para casa. Não sabia como seria uma vida sem animais. E ironicamente, se apaixonara por um homem que não gostava deles e não os queria por perto.
- Está bem, meu amor, se você faz tanta questão assim, podemos ter um cachorro.
- Mas...? Como assim?
Isa deu um pulo do sofá onde assistia tranquilamente televisão quando a afirmação a pegou de surpresa.
- É sério mesmo? Eu posso ter um cachorro? – seus olhinhos brilhavam com a possibilidade.
Ele assentiu.
- Mas por quê? Por que mudou de idéia?
- Não faça muita pergunta que eu posso desistir – ele zombou.
- Não, não pode mais desistir – Ela se jogou no colo dele e o encheu de beijos. – Eu não vou deixar você fazer isso! Um cachorrinho, um cachorrinho lindo! Vamos escolher a raça agora? Vou trazer meu livro de cachorros. – Levantou, empolgada, mas ele a puxou de volta ao sofá.
- Não, meu amor. Agora não vou deixá-la sair. Não acha que eu mereço uma recompensa? – sorriu malicioso.
- Claro meu amor – ela sorriu – O que você quer?
- Posso escolher qualquer coisa?
Ela concordou, mas logo acrescentou:
- Menos aquilo.
- Eu quero aquilo, Isa – ele riu, beijando a nos lábios. A jogou no sofá como costumava fazer, e logo ficou em cima dela, beijando-a, deixando-a completamente dominada, segurando os seus pulsos de forma que ela não pudesse se mexer. Posição que ela costumava odiar e ele adorava vê-la resmungando.
- Hum... me solta...
Ele afrouxou os pulsos e riu, mantendo seus lábios sobre os delas.
- Você vai querer aquilo mesmo? – ela indagou, apreensiva.
- Não meu amor, agora só quero você. E só quero o que você desejar também.
- Que bom – ela afirmou, rindo e colocando a mão dentro da calça dele com uma expressão maliciosa. Logo a camisola dela foi jogada para longe e eles comemoraram de forma intensa o novo integrante da família.
- Amor... Acho que não vamos poder sair hoje juntos de novo para escolhermos o cachorro, não para de chegar gente! Mas também, estão todos querendo viajar nas férias. – sorriu - Melhor para nós! Ganharemos dinheiro para escolhermos o cachorro que quisermos. – afirmou, sonhadora.
Ele riu. Ficava contente por ver a esposa tão feliz.
- Não posso escolher mesmo sozinha? – suplicou.
- Não, Isa. Se vamos ter um cachorro, escolheremos juntos.
- Ah.... Mas nunca conseguimos sair juntos durante a semana. Teremos que esperar mesmo até sábado?
- Isa, hoje já é quarta-feira, sábado logo estará ai. Passa rápido.
- Não passa não...
Ele riu. Isa estava ansiosa e não conseguia pensar em mais nada: estava obcecada pelo cachorrinho.
- Hum... então vou aproveitar para dar uma volta e visitar a minha mãe. Estou precisando me distrair.
- Está bem, meu amor. Você que sabe. – deu um beijo suave em seus lábios.
Sua mãe morava a dez quadras da agência de viagens que os dois possuíam, e Isa, como gostava de caminhar, fazia esse passeio com prazer. Caminhar era uma de suas atividades favoritas. Mas desta vez, não andou nem até a metade do caminho.
- Erik! – gritou eufórica ao retornar à agência – Olha o que eu achei! – exclamou, portando nos braços um pequeno cãozinho preto.
Ele estava terminando de atender uma cliente, uma senhora de idade, que também se virou para olhar.
- Oh! Que lindo. É da raça Dachshund. – a senhora afirmou, examinando-o com atenção.
- É? E eu achava que ele era da raça salsicha – Isa deu uma risada nervosa, pois estava ansiosa para ver a reação de Erik, e a mulher sorriu junto.
- Coitadinho, está com um machucado no rabo. – a senhora observou. – Deve estar com dor.
Erik observava a mulher com espanto, mas esperou acabar de atender a cliente para conversar com ela. Isa sentou-se em uma cadeira vazia, e o aguardou, acariciando e brincando com o pequeno cãozinho.
- Onde você arranjou esse cachorro, Isa? – ele enfim perguntou, quando a senhora deixou o recinto.
- É cadela, Erik. Eu a examinei agora e vi que é uma cadela. – Fitou-o e sorriu feito uma criança com um presente novo.
- Mas onde você a achou?
- Na rua. Há três quadras daqui. E ela estava sozinha e tão assustada. E deve estar com fome, Erik. Olha só para a carinha dela. E olha o corte que ela tem no rabo e ela não pára de lambê-lo.
Ele olhou o machucado, mas logo desviou o olhar. Não gostava de ver sangue.
- E se ela tiver dona, Isa? E se estiverem procurando por ela?
- Se ela tiver dona, a dona de qualquer forma não a merece. Ela estava sozinha no meio da rua, podia ter sido atropelada. E ela é tão indefesa, tão pequeninha.
- Isa, Isa... Não podemos pegar uma cadela assim do meio da rua e simplesmente levá-la para casa.
- Por que não? Eu e Ilana fizemos isso a vida inteira e sempre deu certo.
- Hum... Coloque-a no chão que eu quero ver como ela está.
- Está bem.
A cachorrinha, solta, começou a cheirar tudo curiosa, percorrendo toda agência. Mas logo voltou para perto de Isa.
- Viu? Ela gostou de mim – exclamou com alegria.
- Mas você viu o rabo dela, Isa?
- O que tem o rabo? – observou e começou a rir compulsivamente – Ah, coitadinha! Mas é engraçado, Erik! Parece que ela está “mancado” o rabo! Nunca tinha visto uma ponta de rabo dobrada dessa maneira! -Ela gargalhou. - Vamos ficar com ela? É tão linda! E precisará de alguém para cuidar desse rabo torto.
- O que eu não faço por você, hein Isa? Levar uma cachorrinha torta para casa.
- Ela não é torta, só o rabo que é – não conseguia parar de rir.
A cadelinha, curiosa, passou a cheirá-lo e ele se encolheu, assustado. Isa rapidamente a pegou no colo, livrando-o de tal contato. Ainda temia que ele mudasse de idéia.
- Amor... Vou indo então, você fecha a agência? Vou dar uma passada numa veterinária que eu vi aqui perto e já vejo se tem alguém procurando por ela. Se tiver, eu a devolverei, senão, quando você chegar, prepare-se para encontrá-la perfeitamente instalada no nosso apartamento – sorriu – Não é, mesmo, Meggy? Você quer ir para casa com sua nova mamãe, não é?
A cachorrinha, percebendo que o assunto era com ela, latiu.
- Viu? – Isa sorriu – Viu, meu amor, como ela é inteligente? Até parece que ela entendeu. Você é inteligente, não é, Meggy? E quer ficar com essa mamãe.
- Meggy?
- Sim! Não é um nome bonito? Era o nome de uma boneca que eu tinha quando criança. Não é a cara dela?
- Não, Isa – ele zombou – para mim ela tem cara de cachorro.
- Cachorro não, cadela! – deu uma risada. Beijou-o no rosto e saiu, portando nos braços a cachorrinha como se fosse um bebê.
Isa parecia tão maternal - ele observou - que se eles não fossem tão novos proporia que logo tivessem filhos. Mas eles tinham apenas 22 e 23 anos e não se achavam ainda preparados para serem pais.
Meggy logo se adaptou a nova casa, e aos novos donos também. Aos poucos foi rompendo as barreiras e conquistando Erik. A cada nossa aproximação, Isa festejava. E um dia vendo que ele a pegava no colo e conversava com a cachorrinha perfeitamente à vontade, exclamou:
- Viu meu amor? Viu como no fundo você gosta de cachorros?
- Não gosto de cachorros. – ele resmungou - Gosto apenas dela. – respondeu, sem querer dar o braço a torcer.
E Isa nunca imaginara o quanto ela cadelinha seria importante para ela. Que ela estaria ao seu lado e não abandonaria no momento mais difícil e triste de sua vida. Quando ela não era mais capaz de fazer nada, não queria levantar e não queria sequer viver, era Meggy que ficara todos os dias ao seu lado. Não que ela não tivesse amigos ou familiares que se importassem, mas Isa evitava as pessoas. Queria ficar sozinha.
No dia que voltou para casa, após a morte trágica de Erik, desabou no sofá e desatou a chorar. Desligou o telefone, só querendo ficar sozinha. Sentia como se tivesse sido arrancado um pedaço do seu corpo. Como se lhe faltasse uma perna e ela não pudesse andar, como se lhe faltasse um braço ou qualquer outra parte de si. E pensava que talvez, se um pedaço de si tivesse sido realmente arrancado, a dor não seria tão grande como a que ela sentia.
- Erik, como foi embora e me deixou? Como você ousou me deixar aqui sozinha? Como viverei sozinha? Onde você está? Eu quero estar com você. Eu preciso de você. – ela murmurava e gemia, encolhida no sofá.
Meggy parecia que entendia e sentava-se ao lado da dona, colocando a cabecinha eu seu colo, olhando fixamente, com um olhar triste, para ela. Não saia do seu lado. E mesmo estando com fome, pois Isa não comia e esquecia de dar comida a ela também, não ousava perturbá-la. Era como se ela quisesse demonstrar todo o seu apoio.
E ficavam as duas juntas - famintas e fedidas – em silêncio. Isa não tomava mais banho e não levava Meggy à rua para fazer suas necessidades, que estavam acumuladas em um jornal na área de serviço, e já impregnavam todo o apartamento.
Tudo que Isa comeu em sete dias foram alguns pacotes de pipocas de microondas e alguns macarrões instantâneos, quando a fome finalmente venceu a tristeza. Nas poucas vezes em que se levantou, deu comida também a Meggy, reparando que a cachorrinha, por sua vez, não perdera o apetite.
E ao perceber que o estomago de Meggy roncava, acompanhando o seu como numa sinfonia, Isa resolveu alimentá-la. Amava aquela cachorrinha e não podia ser negligente com ela. Agora, ela era toda a família que lhe restara. Com exceção de sua mãe e de sua irmã, mas essas não moravam com ela.
- Pai, você está cuidando do Erik para mim? – olhou para cima, suplicando ao se levantar – Eu sei que você está, pai. Tenho certeza que vocês estão aí juntos. E eu queria estar ai com vocês. – Recomeçou a chorar, andando pelo apartamento sem rumo. O mesmo apartamento que era antes preenchido por risadas ou mesmo gritos de brigas, e que agora se encontrava sem nenhum ruído, exceto pelo som do arrastar de suas pantufas.
Seu pai morrera dois anos antes de seu marido e ela sentiu muito a sua morte, pois era extremamente ligada a ele. Mas ele estava doente, tinha câncer, e ela já estava preparada para sua morte. E desejava secretamente que ele não sofresse mais, por isso a morte dele não foi tão mal vista por ela, pelo contrário: a encarou com certo alívio. Agora, Erik, por sua vez, foi sem nenhum aviso. Foi arrancado muito rápido dela e ela não pôde sequer se despedir. Ela não o viu consciente depois do que aconteceu. E ao vê-lo ligado àquele monte de máquinas e tubos, pois permitiram que ela entrasse na UTI, sentiu uma melancolia intensa. Queria que ele a ouvisse, se ele iria mesmo embora, precisava falar com ele. Precisava dizer as últimas palavras. E foi o que ela fez, mas a incerteza de saber se era ou não escutada, a levava ao desespero.
E agora, sozinha em casa com Meggy, sentia-se como se não estivessem realmente sozinhas. Era como se ele estivesse ali também. Mas podia senti-lo sem que pudesse tocá-lo, sem que pudesse ouvir o som da sua voz. Mas imaginá-lo – ou percebê-lo, ela não sabia, pois estava confusa -, fazia com que ela acalmasse os ânimos e lhe dava paz. Paz – ela pensava – era tudo o que ela almejava nesse momento.
As vezes observava Meggy, confusa. A cachorrinha levantava as orelhinhas e parecia olhar fixamente para o nada, e Isa olhava para o mesmo local atentamente tentando ver o que ela não conseguia.
- Erik, você está ai? – indagava, suplicante. E como resposta recebia apenas o silêncio. Um silêncio tão intenso que parecia penetrar em sua alma e parecia querer lhe agredir fisicamente.
Outra vezes, Meggy parava diante da porta de entrada no apartamento e latia. Latia como fazia quando os donos chegavam em casa e ela corria alegremente para recebê-los. Nessa horas, Isa esquecia de tudo e pulava do sofá para receber Erik. Mas então, voltava rapidamente à realidade e lembrava que ele não mais voltaria - nunca mais - e que tudo não passava de uma triste ilusão.
- Meggy? Você está com fome, meu amor?
A cachorrinha dava pulos agitados em sua perna.
- Meggyzinha, eu não vou sair com você, eu não consigo, meu amor. Eu não consigo... Só o que eu posso fazer é limpar essa sujeira, trocar tua água e te dar comida... Pode ser, querida? – falava com a cachorrinha como se ela fosse uma pessoa e achava, realmente, que ela lhe entendia.
Pegou o último pacote de ração e despejou um pouco no prato de Meggy. Abriu os armários da cozinha, procurando algo para amansar a dor que sentia no estomago. Mas não havia mais nada em casa, e ela não tinha ânimo para sair e fazer compras. Se ao menos tivesse permitido a visita da sua mãe e de Ilana, que tanto insistiram para lhe fazer companhia, mas não: ela tinha implorado para que a deixassem sozinha. Também evitava igualmente as amigas. Não queria falar com ninguém. Não queria ver ninguém, nem ela mesma. Mas agora percebia que precisava de ajuda, talvez devesse ligar para alguém. Com a barriga roncando, pegou o telefone na mão e ficou em dúvida para quem ligaria. Desanimada, acabou largando o aparelho, não ligando para ninguém e ainda mantendo-o fora do gancho.
Ficou observando a cadelinha que comia com satisfação. E num momento de insanidade, perguntou-se que gosto tinha ração de cachorro. Deve ser bom, constatou, ao perceber que Meggy se deliciava com o alimento.
Pegou um pouco de ração, colocou num prato e trouxe para o sofá. Ficou na dúvida se provava ou não, mas a fome venceu e ela decidiu arriscar. Com um gosto horrível na boca, correu ao banheiro e cuspiu tudo, ajoelhando-se no vaso sanitário.
“A que ponto cheguei”, observou. E decidiu ligar para sua mãe e para Ilana e pedir socorro.
**
Capítulo 3
*
Isa chegou ao Pub quinze minutos antes do horário previamente agendado. Gerard não estava, havia saído para fazer algo na rua e ainda não retornara. Assim que o viu entrando à porta, faltou-lhe o ar. Ele estava com os cabelos desarranjados, pelo efeito do vento. Viera correndo, pois não gostava de se atrasar. A camisa branca com as mangas arremangadas, pois fazia calor, deixava a mostra seus braços fortes e musculosos e uns botões abertos na parte de cima revelavam um pedaço do peito. Uma visão encantadora. E seus olhos estavam ainda mais verdes, com uma expressão que mais parecia um convite para uma aproximação. Olhando-o em pé, frente a frente, percebeu o quanto ele era alto, medindo quase 1,90 metros. Talvez tivesse 1,87 metros. Isa esforçou-se para disfarçar o efeito que ele produzia sobre ela. Mas não pôde deixar de corar. Se ele percebeu, não soube.
- E então? Pronta para começar?
- Sim – gaguejou.
Ela tentava respirar fundo, para se acalmar. Mas a presença dele a atordoava. Estava carente, pois fazia tempo que não mantinha contato com um homem. Até um simples roçar de pele quando ele lhe mostrou um copo lhe arrepiou.
- Oi Melanie! – percebeu a aproximação dela e relaxou um pouco. Estava nervosa com a proximidade de Gerard e com dificuldades de assimilar todas as informações que ele lhe passava.
- Oi, Isa! Vim para conversarmos. Já trabalhei aqui também, sabia? Gerard, quer que eu a ensine? Pois gostaria de falar com Isabela um pouco a sós.
- Claro, Melanie. Tenho mesmo algumas coisas para fazer.
Ele se afastou e Isa, involuntariamente, olhou para o seu traseiro ao vê-lo virar de costas. Melanie percebeu e comentou:
- Isabela, posso te dar um conselho? Devo dizer antes que eu simpatizei muito contigo e se você me autorizar gostaria de dizer essas palavras como amiga, para te ajudar.
- Claro, Melanie – ela consentiu, curiosa, enquanto tentava normalizar as batidas de seu coração.
- É incrível o efeito que Gerard exerce sobre as mulheres, especialmente sobre aquelas que não o conhecem direito. Ele é meu amigo, sinto ter que falar mal de um amigo meu dessa maneira, mas você é mulher, e nós mulheres devemos nos unir contra esse tipo de homem.
- Tipo de homem?
- Sim, Isa: cachorro, cafajeste e sem vergonha! Ele como amigo é ótimo, mas já vi muitas mulheres sofrerem por sua causa e acho que você já sofreu o bastante com a perda do seu marido para precisar de um problema desse tipo.
- Sim, você tem razão. – baixou os olhos, evitando olhar para ela.
- Meu conselho, Isabela, é: fique longe dele. Ele já teve vários casos, mas é completamente apaixonado por Rebeca, sua namorada. Já vi muitas mulheres sofrerem por ele, acreditando que são correspondidas, mas ele apenas as usa e logo as descarta, voltando para Rebeca. – fez uma pausa, suspirando - Mas não foi para isso que eu vim, Isabela.
- Isa, pode me chamar de Isa.
Melanie sorriu.
- Está bem, Isa. Eu vim aqui porque gostaria de aprender português e queria saber se você estaria disposta a me ensinar.
- Aprender português comigo? Que legal, Melanie! Claro que eu posso te ensinar, tenho muito tempo livre e seria um prazer para mim.
- Mas eu gostaria de te pagar.
- Pagar? Não precisa se incomodar com isso. Não é necessário.
- Isabela, você está num país estranho, não tem amigos aqui e deve estar precisando de dinheiro. E eu posso pagar e faço questão.
- É.... você tem razão... Eu até tenho uma amiga aqui, mas ela e o marido estão no Brasil agora e eu estou mesmo sozinha... E realmente preciso de dinheiro... – baixou os olhos, envergonhada.
Isa não disse nada, mas pensou: meu negócio faliu, tive que vender meu apartamento e meu carro, já gastei toda minha poupança... Não só preciso de dinheiro como estou falida!
- Você não precisa se envergonhar por isso, Isa. – tocou de leve em seu braço, querendo transmitir o seu apoio. – Sei que você passou por uma fase difícil, e que ainda deve estar sendo muito difícil. Quero te dizer que eu estou disposta a ser tua amiga. Que estou aqui, caso você precise de qualquer coisa. E como quero aprender português, pois talvez Bill seja transferido para o Brasil, e de qualquer forma teria que pagar alguém pelas aulas, escolhi você para me ensinar. – sorriu, com simpatia.
- Obrigada, Melanie. Não vou me esquecer nunca disso. – retribuiu o sorriso.
E assim elas se tornaram grandes amigas. Melanie ia três manhãs por semana na casa em que Isa estava hospedada para ter aulas de português, e aproveitavam esses momentos para se conhecerem melhor. Um dia, Melanie comentou, após uma semana de convívio, vendo que elas já tinham grande intimidade:
- E então, já se desencantou com Gerard?
- Ah... não sei... Não posso negar que eu o acho lindo e maravilhoso e adoraria provar daqueles lábios. Será que teria algum problema se eu o beijasse apenas uma vez, só para matar a curiosidade? Porque essa curiosidade está me matando!
- Não sei, Isa. Eu isso muito perigoso. E se depois do beijo você ficasse curiosa para provar o resto?
- É mesmo, Mel. Você tem razão. Devo me manter longe desse homem.
- Sabe quem eu acho que seria perfeito para ti, Isa? Tirando o fato que ele é um solteirão convicto e que eu nunca o vejo muito tempo com a mesma mulher. Mas, mesmo assim, penso que vocês formariam um casal lindo.
- Quem? – indagou com curiosidade.
- Adam.
Isa fez uma careta e observou:
- Mas ele é muito chato.
Melanie deu uma gargalhada:
- Também pensei a mesma coisa quando fomos apresentados. Mas depois, conhecendo-o bem, percebi que na verdade ele é bem legal. É um amigo dedicado e tem um ótimo caráter. Além de ser bem bonito.
- Bonito? Sabe que não percebi? Aquela carranca dele acaba com qualquer beleza.
- Penso que você mudará de idéia assim que observar o lindo sorriso que ele tem.
- Ah, Mel, que idéia! Querer me juntar com aquele chato. Bom, vamos voltar para a aula, pois se ficarmos batendo papo dessa maneira você não aprenderá nada.
Melanie suspirou. Sempre achara português um idioma lindo, mas aprendê-lo estava sendo muito mais difícil do que ela imaginara.
**
Isa estava com 13 anos de idade e perto das suas colegas de turma e da sua irmã Ilana, um ano mais velha que ela, era pequena e ainda não formara corpo. Enquanto as outras já tinham seios, exibindo magníficos sutians, ela mantinha o mesmo peito lisinho da infância. Suas pernas eram finas, e não tinha coxas bonitas como as de suas amigas. Todo dia ao acordar, corria na frente do espelho e se olhava, tentando identificar alguma mudança. Mas nada ocorria. E ela invejava as amigas e, principalmente, invejava a beleza de sua irmã.
Ilana era perfeita. Tinha cabelos loiros e lisos, que reluziam ao sol, e que ela mantinha sempre compridos, um palmo abaixo do ombro. Seus olhos eram verdes, causando a inveja da irmã que se amaldiçoava com o tom castanho sem graça dos seus. Com 14 anos, Ilana já era uma mulherão, com curvas bem definidas e um porte adequado. Por onde passava, atraía diversos olhares masculinos, apesar da pouca idade. Isa, sendo apenas um ano mais nova do que ela, parecia muito menor ao seu lado.
E apesar de ainda ter corpo de criança, não pensava mais como criança e não queria mais parecer como uma. Os meninos não olhavam para ela, não se interessavam por ela como pela outras meninas. E ela sofria, pois ela se interessava por eles. Na verdade, seu interesse era por um especifico: Erik, seu colega de turma. Isa era completamente apaixonada por Erik desde que ele entrara em sua turma no início do ano. Mas era tímida e não sabia como lidar com esses sentimentos, tão novos para ela.
Quando Erik chegava perto e eles tinham a oportunidade de enfim conversarem, as palavras logo fugiam de sua boca, e ela, alegando um motivo ou outro, se afastava, nervosa. Mas não deixava ninguém perceber seus sentimentos, não contava para ninguém a respeito dele, nem mesmo para a sua melhor amiga e irmã, Ilana. Não queria ser motivo de piada. Não queria que rissem dela pelas costas e que ele a desprezasse por conhecer seus verdadeiros sentimentos. O que um cara feito Erik, bonito, o mais popular da turma, o cara que atraia vários olhares das meninas mais lindas, iria querer com alguém feito ela? Com aquela menina feia, sem graça, pequena, com corpo de criança, que nem para ser amiga dele servia, pois não conseguia manter um diálogo adequado com ele? Não, ela sabia que ninguém deveria saber. E achava que isso logo passaria. Mas conforme passavam os meses, esse sentimento só crescia e ela tinha que sufocá-lo em seu peito. E como era difícil para ela. Era difícil para ela perceber as meninas em cima dele e mais difícil ainda ver a atenção que ele dispensava a elas. Era difícil percebê-lo sorrindo para várias outras, mas nunca para ela.
E a cada dia em que acordava corria para o espelho, na esperança de perceber alguma mudança em seu corpo. Quem sabe, se fosse peituda como a Raquel, ou tivesse as coxas da Karine, o bumbum de Patrícia, quem sabe assim ele olhasse para ela? Mas nada mudava, e ela enfim convenceu sua mãe a levá-la ao médico para ver o que havia de errado com ela. Porque todas cresciam e viravam mulher, menos ela? Mas o médico convenceu sua mãe - a ela não: “que médico burro, não sabe de nada”- que tudo estava certo. Que não havia nada a fazer, que ela teria o tempo certo e que na verdade era até bom que a menarca (primeira menstruação) viesse mais tarde, pois hoje em dia as mulheres estavam querendo ter filhos cada vez mais tarde. Isa refletiu, exaltada:
- Filhos? Quem está pensando em filhos nesse momento? – e amaldiçoou o médico em seus pensamentos.
Quando estava com quatorze anos, quase fazendo quinze, tudo começou a mudar. Finalmente passou a ter, lentamente, corpo de mulher. E comemorava secretamente -medindo com uma fita métrica- cada milímetro novo de busto, quadril e bumbum. Enfim ela estava crescendo, e constatava, radiante, que se tornava uma mulher bonita. Mesmo com seus cabelos castanhos ondulados e mesmo com olhos de um simples castanho, notava que também atraia olhares masculinos, como sua irmã Ilana.
Passou usar roupas mais provocantes, revelando ou deixando parcialmente descobertas, as novas formas de seu corpo. Arranjou logo alguns pretendentes, notou que os meninos se aproximavam mais dela, mas aquele que realmente importava - o objeto de seus sonhos e desejos mais secretos – continuava simplesmente ignorando sua presença.
Um dia chegou em casa irritada, chorando e esbravejando com todos que encontrava pelo caminho. Correu para o quarto e bateu a porta, braba, trancando-a e não deixando ninguém entrar, muito menos sua irmã Ilana.
- O que foi, Ilana? O que houve com Isa?
- Não sei, mamãe.
- Muito estranho. Já vi Isa irritada muitas vezes comigo, com seu pai, mas como você? Nunca a vi antes te tratar dessa maneira, pois Isa te adora. Tem certeza que não aconteceu nada? Você não fez alguma coisa que lhe desagradasse?
Ilana refletiu e comentou, inocente:
- Estávamos voltando para casa e eu contei que um colega de turma dela me convidou para ir ao cinema.
- Quem, Ilana? – Margareth Gusmão perguntou, num sobressalto – Não me diga que foi o Erik!
- Sim, mamãe. Foi ele mesmo. Por quê? – indagou, espantada.
- Isa é completamente apaixonada por ele. Há um ano já.
- Sério, mamãe? Mas ela nunca me comentou nada. Como eu poderia saber disso? – afirmou, ao mesmo tempo exaltada e culpada – E de qualquer forma, eu não aceitei o convite. Ele é mais novo do que eu, mamãe. O que eu iria querer com um menino de 15 anos? Mas você tem certeza disso, mãe? Isa te contou a respeito?
- Não, minha filha. Mas eu percebi. Logo notei como ela se porta na presença dele. Uma mãe sempre sabe essas coisas. Mas não tinha completamente certeza até agora. Mas deixe-a sozinha, deixe que ela se acalme. Depois terei uma boa conversa com essa menina! – suspirou.
Decidiu que conversaria seriamente com sua filha mais nova. Não fazia bem para ela conservar essa paixonite, pois estava deixando de curtir um momento único de sua vida. Depois falarei com ela – decidiu.
E assim foi feito. Isa, podendo enfim dividir o amor que pesava em seu coração, sentiu-se mais leve. E, contrariando o que sempre fazia, resolveu dessa vez acatar os conselhos de sua mãe. Já tinha quase 15 anos e nunca sequer beijara na boca, esperando pelo seu príncipe encantado. Se fosse esperar por um beijo de Erik, talvez morresse virgem de beijo. Decidiu não perder mais tempo, e enfim dar atenção aos outros meninos que se aproximavam dela. Mas não entregaria seu coração a mais ninguém. Estava cansada de sofrer.
E assim fez. Embora não se apaixonasse por mais ninguém, permitiu a aproximação de alguns meninos e trocou alguns beijos e carinhos mansos ou até mais ousados com alguns deles. Mas mantinha seu coração cerrado a sete chaves, e Erik permanecia escondido dentro dele, por mais que ela quisesse mantê-lo em segredo até para si mesma.
Terminou o colégio e estava quase esquecendo que Erik existia até reencontrá-lo, dois anos depois. Isa evitava todos os encontros de turma em que ele estivesse presente. Não queria reencontrá-lo para não reascender a paixão que tanto a fizera sofrer. E como lhe disseram que ele não estaria presente, optou por comparecer a essa festa.
Os últimos anos só lhe fizeram bem: ela estava bonita e sabia disso. E decidiu então rever seus colegas, pois tinha curiosidade para saber como estavam aquelas que concorriam antigamente pela atenção de Erik. Ela queria ser a mais bonita de todas, e por isso se esmerou para isso, se produzindo - mas sem exagerar. Como se isso pudesse vingá-la do sofrimento passado. Queria que todos os homens presentes olhassem para ela, ao invés de olharem para Raquel, Karine e Patrícia, como sempre faziam.
Colocou uma blusa frente única vermelha, que valorizava o seu busto - mas sem revelar demais -, deixando suas costas expostas, e uma saia preta na altura do joelho, que mostrava como as suas pernas estavam bonitas e bem torneadas. Deixou os cabelos soltos, exibindo um brilho pelo cuidado especial que dedicava a eles. Estava linda e sabia disso. Era uma mulher segura agora, bem diferente da criança retraída que eles conheciam no colégio. E se sentia ainda mais forte pela certeza que Erik não estaria presente. A simples idéia de reencontrá-lo a fazia fraquejar e lhe tirava a firmeza das pernas.
“Não, Isa. Tire essa idéia boba da cabeça. Você vai a esse encontro, e Erik não estará lá.”
“Por mais que você queira revê-lo, ele não estará lá”- repetiu em sua mente e tentou sorrir.
Mas ele estava lá. E parecia mais lindo do que nunca: com as feições mais maduras, tendo perdido um pouco o ar de adolescente. Isa o achou mais forte e mais alto, estando agora com uns dois centímetros a menos do que 1,80 metros. Os cabelos escuros pareciam refletir a noite e os olhos, de um castanho intenso, mantinham o mesmo ar misterioso que ela sempre tentara decifrar. Olhos esses, que nunca percebiam a presença dela. Só que desta vez foi diferente...
Ao revê-la, ele correu para falar com ela e a cobriu de atenções a noite inteira. Agora, mais preparada, Isa conseguia manter um diálogo com ele, sem corar, sem titubear, embora internamente tremia só de olhar em seus olhos. E não demonstrou o quando estava contente por ele finalmente a notar. Pelo contrário, deixou-o por diversas vezes sozinho para conversar também com outras pessoas. Não queria alimentar nenhuma falsa esperança com relação a ele.
E ao vê-la se afastando com outro colega, batendo um papo mais animado em um canto mais escuro, Erik se intrometeu na conversa dos dois. Não queria deixá-los sozinho. Era ele que queria ficar sozinho com ela.
- Isa, posso falar um momento contigo em particular?
Ela não soube o que responder e um silêncio constrangedor pairou no ar. Então o outro colega pediu licença e se retirou, deixando-os a sós.
- Por que você fez isso? Eu estava tendo uma conversa séria com o Fábio, sabia?
- Mas agora quem quer ter uma conversa séria contigo sou eu.
Ele a puxou para perto e lhe tascou um beijo na boca. Foi tudo tão rápido, que ela não teve tempo de reagir. Apenas se entregou ao beijo, que parecia tão certo. De calmo o beijo não teve nada. Ele parecia querer saborear e explorar sua boca com a mesma urgência que ela sentia. As línguas logo se encontraram, procurando uma a outra de forma agitada.
Isa parecia perder o fôlego, sentia como se faltasse o chão sob os seus pés. Sonhara tanto com esse beijo! Esperara por ele como que a vida inteira. Mas agora, percebia que ele superava todas as suas expectativas. Percebia que depois de provar aqueles lábios, sua vida nunca mais seria a mesma. Depois daquele beijo, nunca se contentaria com nenhum outro. Agora tinha certeza que ele fora feito para ela.
Abriu os olhos e o fitou. Tentou dizer algo, mas ele a impediu:
- Eu sei, Isa. Não precisa dizer nada, que eu sei.
E a calou novamente com um beijo de tirar o fôlego.
**
Capítulo 4
*
Isa acordou radiante, extremamente feliz. Mesmo tendo voltada para casa tarde, não conseguia mais dormir. Estava agitada, ansiosa e emocionada.
Levantou cedo e encontrou seus pais ainda sentados à mesa, tomando tranquilamente seu café da manhã.
- Boa dia pai, bom dia mãe. – Deu um beijo e um abraço em cada um e entrou rodopiando pela cozinha, não conseguindo se conter e nem parar de sorrir.
- Hum... Vejo que a festa de ontem foi boa, minha filha.
- Sim, pai. A festa foi ótima!
- E então, filha, reviu seus colegas? Estavam todos lá?
- Todos não, mamãe. Mas todos os importantes.
- Inclusive o Erik? – sua mãe indagou, perspicaz.
- Ah, mamãe... – ficou um pouco sem graça, sem saber o que responder. – Sim, ele estava lá.
- E vocês conversaram?
- Sim, mamãe. Conversamos muito! Conversamos a noite inteira! Ele quase não saiu do meu lado, mãe. E eu estou tão feliz!
Margareth Gusmão sorriu. Ficava contente pela filha.
- Ele seria muito burro se não reparasse em uma menina linda como você, Isa.
- Obrigada, pai. Onde está Ilana? Preciso muito falar com ela.
- Ah, ela já deve estar chegando. Foi à padaria buscar pão para vocês duas.
- Mas tem pão aqui, não tem?
- Sim. Mas ela queria comer pão quentinho, então resolveu ir até a padaria buscar.
- Será que ela demora?
Isa estava impaciente para conversar com sua irmã, que mais do que irmã era sua melhor amiga e confidente. E assim que ouviu o primeiro ruído de chave correu até a porta e praticamente atacou Ilana.
- Ilana! Precisamos conversar!
- Isa! O que foi? – indagou uma espantada Ilana.
- Você nem imagina, Ilana! Nem imagina o que aconteceu!
Ilana reparou atentamente na expressão eufórica da irmã e não precisou pensar muito para saber do que se tratava.
- Hum... – sorriu – Pelo visto a festa estava boa! Erik estava lá, não estava?
- Hum rum. Venha Ilana, vamos para o nosso quarto. Eu quero te contar tudo!
- E eu quero ouvir tudo. – Correram para cima, apressadas. Ilana nem teve tempo para largar os pães, que conservou na mão.
Isa relatou tudo, todos os detalhes, descrevendo com precisão o primeiro beijo. Aquele beijo que conservava vívido em sua mente, o beijo que jamais esqueceria. Assim como todos os beijos que vieram em seqüência, igualmente maravilhosos.
- Ilana! Eu sempre soube, Ilana! Eu sempre soube que ele foi feito para mim! Eu sempre soube que ele era tinha que ser meu, Ilana! – relatava uma empolgada Isa. – Tem que ver, Ilana! Foi simplesmente perfeito!
Ilana ouvia com atenção, mas não dizia nada. Sabia o quanto sua irmã já havia sofrido por esse amor e não queria encorajá-la. Queria que ela fosse feliz, mas temia que ela viesse a ter uma nova decepção. Mas seus olhos brilhavam junto com a irmã, pois Isa estava tão feliz, que sua alegria era contagiante.
- E ele pegou meu telefone e ficou de me ligar, Ilana. Será que ele vai ligar mesmo? Acho que nem vou sair de casa hoje para ficar esperando. Já pensou se ele liga quando eu não estiver em casa? – comentou com ansiedade.
- Mas ele ficou de te ligar hoje?
- Não, ele não disse quando. Só disse que me ligaria. Mas e se ele ligar hoje e eu não estiver em casa? Não, já decidi. Ficarei o dia todo em casa. Ilana: tira uns filmes na locadora para eu ver? Por favor! Preciso ver uns filmes. Assim eu me distraio e já fico em casa caso ele ligue. – ela suplicou.
- Então nós não vamos ao shopping de tarde? A gente combinou de comprar umas roupas para a festa da Claudinha.
- A festa da Claudinha? É mesmo, tinha até esquecido. Mas não sei se eu vou, Ilana. Posso decidir depois?
- Ah, Isa... Eu não quero ir sozinha na festa. E também não quero ir sozinha no shopping. – Ilana resmungou.
- Vai no shopping com a mamãe.
- E na festa, Isa? Diz que vai comigo! Eu tiro os filmes para ti e até compro roupas para ti, se você quiser. Mas vai na festa comigo, vai? E depois, a amiga da Claudinha está namorando um amigo do Erik. E se ele também estiver na festa?
- Quem, Ilana? Quem está namorando quem?
- A Jéssica está namorando o Roberto.
- O Roberto é um dos melhores amigos de Erik! – seus olhinhos brilharam. - Está bem, Ilana. Eu irei à festa. Farei esse sacrifício por ti! – brincou.
Ilana riu.
- Obrigada, Isa. E eu irei no shopping com a mamãe, mas antes passarei na locadora para ti.
- Obrigada, Ilana.

- Então, Isa? Ele te ligou?
- Não, Ilana. Não ligou. – Respondeu desanimada. – Já estou no meu segundo filme e ele ainda não ligou.
- Quer ver a blusa que eu comprei para ti?
- Claro! Que linda, Ilana!
- Acho que você deveria ir à festa com ela. Vai que Erik esteja presente.
- Hum... Não vou pensar mais nele, Ilana. Ele não me ligou. Se quisesse algo comigo, teria ligado. Ontem foi um sonho, mas agora eu preciso acordar. Não quero alimentar falsas esperanças e sofrer depois. Mas sabe o que eu estava pensando? Estava pensando em ir com aquele meu vestido preto que eu comprei semana passada e ainda não usei.
- Qual, Isa? Não me lembro.
- Vou pôr para ti ver.
- Isa! Você está linda! Sim, certamente deves ir com ele. Vai que Erik esteja lá.
- Para, Ilana! Não estou pensando mais nele.
- Sei... – ela sorriu.

O vestido era todo preto, ajustado com precisão ao corpo, valorizando suas formas, mas sem deixá-la vulgar. Como estava quente, era de um tecido leve e terminava na altura do joelho. Era frente única, como várias de suas roupas e como a blusa que Erik aprovara no dia anterior.
- Vou tomar banho, Ilana.
Isa estava pronta para entrar no chuveiro, despida e prestes a se molhar, quando bateram à porta.
- Isa! Telefone! É o Erik! – Ilana gritou, agitada.
Rapidamente ela se enrolou em uma toalha e saiu para atender a esperada ligação, tão depressa que quase tropeçou pelo caminho.
- Fecha o chuveiro para mim, Ilana!
Saiu correndo para atender.
“Fiquei a tarde inteira esperando e ele liga justo quando vou tomar banho!”- refletiu, com raiva de si mesma – “Ainda bem que deu tempo para eu atender, não me perdoaria se perdesse essa ligação.”
Respirou fundo e procurou se acalmar para atender o telefone. Não gostaria que ele soubesse o que ela sentia por ele. Não gostaria que ele soubesse o quanto ela ficava alterada por causa dele.
- Alô – controlou-se para não gaguejar.
- Oi, Isa!
Foram colegas de turma durante anos, mas essa era a primeira vez que se falavam ao telefone. Isa prendeu a respiração. A voz de Erik ficava ainda mais linda no aparelho e seria capaz de ficar horas a fio ouvindo aquela voz.
- Oi Erik. – Ela não sabia o que dizer. A mulher firme e decidida que era simplesmente desaparecia na presença dele. Não era mais criança, mas sentia-se novamente uma diante dele.
- Vocês irão à festa da Claudinha hoje à noite? Eu tinha outro compromisso marcado, mas se você for, eu vou. Gostaria de te ver, Isa.
- É... Sim, eu vou com Ilana.
- Que bom. Nos encontramos lá então?
- Sim. – balbuciou.
- Até mais tarde. Um beijo.
- Outro para ti.

Cláudia fora colega de turma de Ilana, e como freqüentavam o mesmo colégio de Isa e de Erik, havia um grande número de conhecidos na festa. Muita gente se aproximava deles para baterem papo, contar as novidades ou mesmo matar as saudades, e Isa e Erik não conseguiam ficar sozinhos. Enquanto ela disfarçava muito bem, tratando todos de forma educada e com atenção, percebia que o mesmo não ocorria com ele: Erik estava inquieto, contrariado e visivelmente aborrecido. Isa percebia e estava adorando notar o quanto ele desejava ficar a sós com ela.
Resolveu então ir ao banheiro, e como o de dentro de casa estava ocupado, foi em um que sabia existir nos fundos, numa parte da casa que não estava sendo ocupada pelos convidados. Ao sair, tomou um susto ao levar um puxão. Erik estava na porta, esperando por ela. E assim que a viu, não teve dúvidas: a puxou e a beijou na boca.
Sem se soltarem, foram juntos até uma parede, onde se encostaram. Era um cantinho mais escuro, onde poderiam namorar mais a vontade.
- Eu já estava ficando impaciente, Isa. Tudo o que eu queria era poder ficar a sós contigo.
Ela apenas sorriu. Tinha percebido isso, mas resolveu não comentar. Preferiu aproveitar aqueles braços, dos quais não queria nunca mais se soltar. O beijo foi ficando bem intenso, as carícias foram ficando mais ousadas. Erik pressionava o seu corpo contra o de Isa, que apoiada contra a parede, não podia fugir desse contato. E mesmo que pudesse, não fugiria, pois estava adorando.
Ele não teve dúvidas e resolveu explorá-la, seu desejo era intenso: passou as mãos pelo seu corpo, tocou nos seus cabelos, apertou o pescoço, desceu e subiu as mãos diversas vezes em toda a extensão de suas costas, tocou-lhe na perna, apertou-lhe a cintura e vendo que ela não oferecia nenhuma resistência, resolveu ousar mais. Isa estava de vestido e suas pernas nuas eram como um convite para ele, que logo desceu as mãos, apertando o seu traseiro por debaixo do vestido.
- Erik. – ela o chamou, entre sussurros.
- Hum...? – ele abriu os olhos e a fitou. Antes de receber qualquer resposta, baixou as mãos. Achava que ela reclamaria que ele estava sendo atrevido demais e ele não gostaria de forçá-la a nada.
- Alguém pode nos ver.
Ele sorriu, satisfeito.
- Vamos sair daqui, Isa? Vamos para minha casa? Meus pais estão viajando.
Tudo o que ela queria era poder ficar mais a vontade com ele. Não iria pensar se era certo ou errado. Não pensaria se ele a julgaria muito fácil depois, no que ele poderia vir a pensar sobre ela. Só queria aproveitar o momento. Se isso for um sonho – pensava – melhor aproveitar antes que eu acorde. E tinha certeza que ninguém melhor do que ele para perder sua virgindade. Ninguém melhor do que o seu primeiro e único amor para ter sua primeira vez. Não se importaria com o que aconteceria depois.
- Vamos, Erik. Só tenho que falar com Ilana antes de sairmos.
Erik logo percebeu que Isa era inexperiente, e teve a confirmação de que ela era virgem na hora em que finalmente transaram. Ela não precisou falar nada, ele simplesmente sabia. Foi muito delicado com ela, tratando-a com atenção e dedicando a ela um carinho especial.
Deitaram na cama e ele a abraçou, trazendo-a para junto de si. Acariciou seus cabelos, e comentou:
- Sabe, Isa, desde ontem não consigo mais parar de pensar em ti. Não sei o que está acontecendo comigo... Você acredita em amor a primeira vista?
- Como a primeira vista, Erik, se a gente se conhece há 6 anos! – riu.
- Eu sei, Isa. Mas é como se ontem eu tivesse te visto pela primeira vez. Não sei explicar...
Ela olhou-o nos olhos e sorriu. Ele não precisava explicar, mas ela entendia. Mais do que ninguém ela sabia que ele não a via, pelo menos não até o dia anterior...
- Você quer ser a minha namorada, Isa?
- Hum?
- Você quer namorar comigo?
Isa encarou-o, confusa. Queria se certificar que ouvira certo antes de responder. Queria ter certeza que não estava sonhando.
- É sério, Erik?
- Claro que é sério, Isa. Você acha que eu brincaria com uma coisa dessas? Nunca pedi nenhuma mulher em namoro antes. Nunca quis namorar ninguém antes de ti. A não ser que você não queira. – fitou-a, apreensivo. – Você não quer namorar comigo, Isa?
- Quero. Claro que eu quero. – sorriu.
Ele deu um beijo suave nos lábios dela. E ficaram deitados, em silêncio, apenas se olhando. Naquele momento não precisavam de palavras. Ela não dizia, mas ele sabia que ela se sentia da mesma maneira. Ela havia se entregado a ele e esse fato já servia com uma prova de amor incontestável. E, além disso, ele lia tudo o que necessitava em seu olhar. Certas coisas não precisam ser ditas.
- Erik? Fala alguma coisa em inglês para mim?
- Hum?
- Sério, Erik! Eu adoro te ouvir falando em inglês. Diz alguma coisa para mim? – suplicou.
Ele riu.
Isa sempre imaginava ter inúmeros diálogos em inglês com ele. Imaginava várias conversas dos dois neste idioma, sonhando que as pessoas em volta não entenderiam e que ele falaria somente para ela. Achava fascinante aquele menino americano que entrara em sua turma: adorava quando ele trocava alguma letra, quando ele enrolava a língua e se perdia em uma palavra. Adorava o sotaque dele. Embora ele morasse no Brasil desde os nove anos, e falasse português com fluência, matinha o sotaque, cada vez mais fraco, o que a encantava.
E Isa desde os treze anos, como não poderia ser diferente, se interessou pelo idioma e fez inúmeros cursos particulares. Falava quase com fluência. Mas seu maior treinamento, ninguém sabia, eram as enormes conversas imaginárias que travava em sua mente com Erik.
- I think I am falling in love with you. (eu acho que estou me apaixonando por você) – ele enfim falou e ela sorriu e respondeu:
- And I’ve always in love with you (e eu sempre fui apaixonada por você).
- Desde quando, Isa? Desde quando você é apaixonada por mim?
- Acredito que desde que eu te vi pela primeira vez – ficou envergonhada e desviou o olhar. Embora estivesse relutante, achava que devia confessar seus sentimentos. Se eles fossem mesmo namorar, não era bom que começassem tendo segredos.
- Sabe que eu estava me perguntando a esse respeito?
- Hum? Quando?
- Agora mesmo. Eu estava pensando se por acaso você já não gostava de mim e eu não percebi.
- Por quê?
- Por que? Ah, sei lá.... por que você se entregou a mim sem nenhuma resistência e fez tudo parecer tão certo, que eu estava me perguntando sobre os seus sentimentos.
- Você me achou fácil então? – ela murmurou, triste.
- Não, Isa. Não foi isso que eu quis dizer.
- Mas disse.
Ele a abraçou e falou com carinho:
- Isa, como eu te acharia fácil se eu percebi que você era virgem?
- Você percebeu? – indagou, levemente embaraçada.
- Sim. E eu percebi também que você é minha. Que você foi feita para mim e que a partir de agora você será sempre a minha namorada.
Trocaram um beijo terno, mas ao mesmo tempo apaixonado.
- Isa, sua pronuncia em inglês é horrível, sabia?
- Eu sei, eu estou sem prática. – Riu agarrada a ele. Fazia tempo que parava o curso e que evitava pensar em Erik. E para esquecê-lo, havia deixado de lado também o idioma.
- Acho que terei que te dar aulas particulares. Muitas e muitas aulas, pelo jeito. – sorriu, olhando-a nos olhos.
- E eu irei adorar essas aulas, Erik.
Eles riram. Novamente, jogaram-se nos braços um do outro. Parecia tão certo, como se fossem feitos um para o outro. E sem nenhuma resistência, Isa se entregou novamente a ele, e desta vez foi ainda melhor. Ela sempre fora dele e ele era – finalmente - dela.

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